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STF derruba prisão em segunda instância e abre caminho para a liberdade de Lula

Placar de 6 a 5 muda entendimento em vigor desde 2016. Decisão impacta situação de ex-presidente e outros 5.000 presos

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, durante sessão nesta quinta que discutiu a prisão após segunda instância
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, durante sessão nesta quinta que discutiu a prisão após segunda instânciaFellipe Sampaio (SCO/STF)
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Todos os caminhos de Lula levam ao STF

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira que o início do cumprimento de pena de condenados deve ocorrer apenas depois do trânsito em julgado de seus processos, ou seja, após esgotados todos os recursos. O presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, deu o voto decisivo que abre caminho para a liberdade de ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso em Curitiba e condenado em duas instâncias por corrupção e lavagem de dinheiro, e de mais de 4.800 presos pelo seguimento da regra em vigor desde 2016 até agora, segundo um levantamento do Conselho Nacional de Justiça.

O desfecho é uma derrota para a Operação Lava Jato, que fez da prisão antes de transitado em julgado um símbolo contra a impunidade. Ministros ressaltaram, porém, que a decisão não levará à soltura automática de detentos, já que caberá aos juízes de execução de cada caso aplicar o novo entendimento após manifestação das defesas e do Ministério Público. A defesa de Lula afirma pedirá à Justiça a imediata soltura do ex-presidente na sexta, além de reiterar o "pedido para que a Suprema Corte julgue os habeas corpus que objetivam a declaração da nulidade de todo o processo" —o processo, que vai analisar se Sergio Moro foi ou não parcial ao julgar o petista está pendente de decisão. Lula foi condenado sob acusação de receber vantagens financeiras de uma empreiteira, entre elas a cessão de um apartamento tríplex em Guarujá, no litoral paulista. Ele está preso desde abril de 2018. 

O julgamento levou cinco sessões para ser concluído e, depois que a ministra Rosa Weber apresentou seu voto na penúltima sessão, o resultado já estava mais ou menos desenhado. Tanto que, quando chegou ao STF, Roberto Barroso foi questionado por jornalistas sobre qual era sua expectativa para o julgamento: “Estou à espera de um milagre”. Pelas declarações e manifestações dos outros dez magistrados, esperava-se que cinco estariam a favor da punição após a condenação em segunda instância (os outros cinco seriam contrários). Oficialmente, contudo, o voto de minerva foi dado pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.

Votaram a favor do trânsito em julgado: Marco Aurélio, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Contrários à hipótese de trânsito em julgado e, portanto, a favor da possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, votaram: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Nesta quinta-feira, coube mais uma vez ao decano, Celso de Mello, mandar um recado aos que criticam a Corte. Nas últimas semanas, cresceu nas redes sociais as queixas de que o Supremo estaria sendo brando com a corrupção e com os criminosos de colarinho branco ao defender o trânsito em julgado. “Essa Corte Suprema não julga em função da qualidade das pessoas ou de sua condição econômica, política, social ou estamental ou funcional”, afirmou. E completou: “Esse julgamento refere-se ao exame de direito fundamental que traduz relevantíssima conquista histórica da cidadania em face do Estado. Sempre combatido, esse direito fundamental, por regimes despóticos”.

Se Celso de Mello tomou para si o papel de defensor da instituição, Dias Toffoli quis se precaver de futuras críticas sobre uma eventual libertação do ex-presidente Lula. Ao dialogar com Gilmar Mendes enquanto este votava, Toffoli disse: “Não é esse Supremo Tribunal Federal que estará decidindo eventual [soltura de Lula]. A própria força-tarefa de Curitiba já requereu à juíza local a progressão”.

O que estava em julgamento eram três ações declaratórias de constitucionalidade (de números 43, 44 e 53) sem um paciente específico. Apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelos partidos Patriota e PCdoB, os processos tinham como objetivo acabar com interpretações dúbias do artigo 283 do Código de Processo Penal, que trata especificamente do cumprimento de pena. Diz o dispositivo: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Pela decisão, os ministros entenderam que esse artigo do CPP é constitucional.

Após a decisão, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, onde corre o caso do tríplex, declarou que a decisão do Supremo deve ser respeitada, mas está em desacordo com o combate à corrupção.

"Para além dos sólidos argumentos expostos pelos cinco ministros vencidos na tese, a decisão de reversão da possibilidade de prisão em segunda instância está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, prioridades do país", afirmaram os procuradores. "A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil, associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando impunidade. Reconhecendo que a decisão impactará os resultados de seu trabalho, a força-tarefa expressa seu compromisso de seguir buscando justiça nos casos em que atua."

Já a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) lamentou a decisão e afirmou que o novo entendimento "prejudica o combate à criminalidade e deve resultar na prescrição de diversos ilícitos, acarretando a impunidade aos criminosos, e a injustiça, às vítimas".

"A ANPR entende que a decisão ainda traz insegurança jurídica, uma vez que pode significar a libertação de quase 5.000 condenados. A nova mudança de entendimento, em tão pouco tempo, pelo Supremo representa um retrocesso no sistema de justiça que insere o Brasil na contramão das mais exitosas experiências internacionais de combate ao crime organizado e à corrupção", declarou a entidade, que representa membros do Ministério Público Federal.

Veja como contamos em tempo real o julgamento do STF:

Relator da operação Lava Jato no STF, Edson Fachin, que foi derrotado no julgamento de hoje disse que o país deixou de ter um mecanismo relevante no combate aos crimes de colarinho branco. No entanto, afirma que os esforços no combate à corrupção não foram em vão. “Não creio que seja suficiente apenas culpar apenas o sistema de processo penal pelas circunstâncias que foram suscitadas nesse julgamento. Entendo que cada parte dessa engrenagem deve fazer o que lhe compete”.

Ex-ministro da Justiça de Dilma e que atuou como advogado do PCdoB no STF, José Eduardo Cardozo diz que a decisão pode resultar na libertação de Lula. “Não vejo nenhuma razão para o ex-presidente Lula continuar preso, assim como não vejo o de outras pessoas que não trazem risco à coletividade que poderiam aguardar o julgamento solto”.

Em uma entrevista coletiva que durou um minuto, o presidente do STF, Dias Toffoli diz que cada caso será analisado individualmente. Afirmou também que o Congresso tem total liberdade para alterar a legislação.

Twitter de Lula lança #LulaLivreAmanhã

 

 

 

Fachin: “Não há em face dessa decisão, nenhuma liberação automática de quem quer que esteja preso, por condenado em confirmação em segunda instância. A consequência que se tem é que retira-se o fundamento que era prioritário e os juízes decretarão ou não as prisões cautelares".

Força-tarefa da Lava Jato em Curitiba: "Decisão está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade" Leia a íntegra da nota dos procuradores do caso pelo qual Lula está preso. "A decisão do Supremo deve ser respeitada, mas como todo ato judicial pode ser objeto de debate e discussão. Para além dos sólidos argumentos expostos pelos cinco ministros vencidos na tese, a decisão de reversão da possibilidade de prisão em segunda instância está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, prioridades do país. A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil, associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando impunidade. Reconhecendo que a decisão impactará os resultados de seu trabalho, a força-tarefa expressa seu compromisso de seguir buscando justiça nos casos em que atua."
Defesa de Lula diz que pedirá sua imediata soltura Leia a íntegra O julgamento das ADCs concluído hoje (07/11/19) pelo STF reforça que o ex-presidente Lula está preso há 579 dias injustamente e de forma incompatível com a lei (CPP, art. 283) e com a Constituição da República (CF/88, art. 5º, LVII), como sempre dissemos. Após conversa com Lula nesta sexta-feira levaremos ao juízo da execução um pedido para que haja sua imediata soltura com base no resultado desse julgamento do STF, além de reiterarmos o pedido para que a Suprema Corte julgue os habeas corpus que objetivam a declaração da nulidade de todo o processo que o levou à prisão em virtude da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, dentre inúmeras outras ilegalidades. Lula não praticou qualquer ato ilícito e é vítima de “lawfare”, que, no caso do ex-presidente, consiste no uso estratégico do Direito para fins de perseguição política. Cristiano Zanin Martins/Valeska T. Martins

Sessão foi encerrada.

Com o voto de Toffoli, manifestantes que apoiam o ex-presidente Lula soltam fogos na frente do Supremo Tribunal Federal.

Com maioria formada contra a possibilidade de prisão em segunda instância, ministros discutem a dimensão da decisão. Por exemplo, se os casos dos réus que seriam beneficiados por ela têm de ser analisados um a um.

“Voto pela procedência das ADCs, para assim como o fez o relator, declarar a compatibilidade da vontade expressa pelo parlamento brasileiro”, afirma o ministro. Placar fica 6 a 5 contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Dias Toffoli sinaliza qual é o seu entendimento: “Estou a votar pela compatibilidade do artigo 283 do CPP. Ele não diz ‘culpabilidade’, ele diz ‘prisão’”. Portanto, deve votar com o relator, que entende que o trânsito em julgado deve prevalecer.

Presidente da Corte, Toffoli diz que o que está expresso no Código de Processo Penal “não se confunde com a cláusula pétrea da presunção de inocência”.

“Não é a prisão em segunda instância que resolve esses problemas [de violência]”, afirma Toffoli.

Afirma Toffoli: “Se há o combate à impunidade é em razão desse STF, do parlamento que criou a lei e de quem a sancionou. Essa é uma política de Estado, não de heróis ou candidatos a heróis. Até porque as pessoas passam, as instituições ficam”.

Toffoli cita o censo carcerário para mostrar que, entre mais de 800.000 detentos, a eventual revogação da possibilidade de prisão após a condenação de segunda instância poderá atingir 4.895 pessoas.

Dias Toffoli vota fazendo uma análise sobre as leis e projetos que precederam a elaboração do artigo 283 do CPP, cuja a constitucionalidade está sendo julgada.

A sessão foi reiniciada. O ministo Ricardo Lewandovski pede desculpas pelas reclamações que fez antes da pausa e diz que não teve intenção de criticar Dias Toffoli.

Para acabar com a celeuma, Dias Toffoli decidiu decretar ponto facultativo no STF e suspendeu os prazos processuais nos dias 13 e 14 de novembro. Logo depois, deu um intervalo de dez minutos.

Ricardo Lewandowski queixou-se e disse que o Poder Executivo estaria impondo condições de “funcionamento do Judiciário”. “Quero manifestar minha estranheza e a minha perplexidade”.

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