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Pablo Marí, da segunda divisão espanhola à final da Libertadores

Primeiro jogador nascido na Espanha a disputar uma decisão do torneio continental vive o êxtase de sua aventura pelo Flamengo

Pablo Marí comemora a vitória do Flamengo sobre o Grêmio, na semifinal da Libertadores.
Pablo Marí comemora a vitória do Flamengo sobre o Grêmio, na semifinal da Libertadores.AFP

A chegada ao clube de maior torcida do Brasil foi cercada de desconfiança. Em julho, o Flamengo desembolsou quase 6 milhões de reais para contratar um zagueiro que, no auge da carreira, havia acabado de disputar a segunda divisão espanhola. Mas o nome de Pablo Marí, 26, rapidamente se tornou conhecido entre os torcedores rubro-negros. Com gols e invejável precisão de passes para um defensor, ele ajudou o time a deslanchar na temporada, arrebatar a liderança isolada do Campeonato Brasileiro e, no próximo sábado, entrará para a história como o primeiro jogador nascido na Espanha a disputar uma final da Copa Libertadores.

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Entretanto, o caminho até viver o “sonho sul-americano” apresentou percalços que por pouco não abreviaram sua trajetória. Marí começou a jogar aos seis anos na base do Valencia. Depois, se transferiu para o rival Levante, na mesma cidade. Um problema crônico, porém, comprometeu sua formação como atleta. O crescimento exagerado no início da adolescência provocou uma anomalia na cartilagem do quadril que limitava seus movimentos. “A dor era insuportável. Estive a ponto de abandonar o futebol”, contou em sua primeira entrevista à TV oficial do Flamengo.

Em um período de dois anos, sofreu sete lesões na região pélvica. A perseverança surtiu efeito. Aos 14, o zagueiro foi para o Mallorca, onde debutaria como profissional pelo time B, na terceira divisão. Ainda defendeu o Gimnastic de Tarragona antes de ser contratado pelo Manchester City, em 2016. Emprestado para clubes menores, nunca chegou a estrear pela equipe de Pep Guardiola. Depois de uma temporada no futebol holandês, um novo empréstimo voltaria a deixá-lo em evidência na Espanha, com a missão de devolver o tradicional Deportivo La Coruña à primeira divisão.

Como titular da zaga, disputou 36 de 38 partidas do time no torneio. Apesar da regularidade individual, Pablo Marí ficou marcado entre os altos e baixos da equipe. Na derrota para o modesto Rayo Majadahonda, sexto jogo consecutivo do Deportivo sem vencer em casa, o zagueiro se dirigiu a uma das torcidas organizadas do clube e jogou sua camisa para tentar amenizar a insatisfação diante de mais um tropeço. Torcedores arremessaram o presente de volta ao gramado em forma de protesto.

O time de La Coruña conseguiu se classificar para a decisão da repescagem que definiria o último promovido à elite do Campeonato Espanhol. Marí reencontrou o Mallorca e viu sua equipe levar a melhor no jogo de ida, por 2 a 0. No entanto, fora de casa, o Deportivo perdeu por 3 a 0 e acabou deixando escapar a vaga que parecia certa. O zagueiro falhou no terceiro gol ao conceder espaço para o atacante Abdón Prats finalizar da intermediária. Nos acréscimos da partida, ainda cabeceou uma bola rente à trave, mandando para fora a oportunidade derradeira de levar o clube à divisão principal.

Mas a chance seguinte, tão inesperada quanto a cabeçada na final, o zagueiro não estava disposto a desperdiçar. Aprovado pelo técnico português Jorge Jesus, recebeu uma proposta do Flamengo para jogar no Brasil. “Não pensei duas vezes”, conta Marí. “Quando um clube dessa magnitude chama, a única opção é aceitar.” No Rio de Janeiro, se impressionou com a popularidade do clube. “Tenho orgulho de defender um time com mais de 40 milhões de torcedores.”

Apoiado por uma torcida reconhecida como Nação, que quase se equipara ao tamanho da população espanhola, Marí tinha 8.000 seguidores no Instagram quando desembarcou na Gávea. Agora, acumula mais de 800.000. A imagem do Maracanã lotado o encantou desde o primeiro jogo. “Já me considero meio brasileiro. Mas o lugar onde eu realmente me sinto em casa é no Maracanã”, diz o defensor de 1,93 metro, que recorre à ajuda dos companheiros Diego Alves e Filipe Luís, de longa estrada no futebol espanhol, para aprender novas gírias e expressões em português.

Fã da banda AC/DC, Marí se mostra à vontade entre os colegas que preferem samba e música brasileira, fazendo questão de se integrar aos rituais do vestiário rubro-negro. Em campo, a adaptação foi imediata. Depois de sua chegada, o Flamengo engatou uma sequência de 25 jogos de invencibilidade e conseguiu retornar à final da Libertadores após 38 anos. O zagueiro canhoto ostenta o melhor percentual de acerto de passes (98%) na competição mais desejada pelo clube. Ao ser apresentado, garantiu que seu sonho é “ganhar a Libertadores”. Caso o time carioca derrote o River, ele se tornará o único jogador nascido na Espanha a alcançar tal feito.

Símbolo da ambição do Flamengo, que, com títulos e poderio financeiro, pretende atrair outros jogadores que atuam no futebol europeu, Pablo Marí aponta a confiança de Jorge Jesus como um diferencial para o seu rápido sucesso no Brasil. “O mister aprovou minha contratação. Ele consegue potencializar em mim virtudes e capacidades que nenhum outro treinador havia enxergado.” A palavra em português que mais ouviu nesses quatro meses intensos de Flamengo foi “xerife”, apelido utilizado por torcedores rubro-negros para exaltar a segurança defensiva de um zagueiro que já marcou três gols pelo time. Um gigante espanhol sob medida para um clube que voltou a ratificar sua grandeza à América.

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