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A fórmula finlandesa para salvar os ‘sem teto’

Finlândia reduz a população sem moradia em 35% com uma ideia inovadora: outorgar casa a quem necessita, sem exigências. A ideia é criar um sentimento de pertencimento

Mulher pede dinheiro em uma rua de Helsinki, em janeiro de 2010.  
Mulher pede dinheiro em uma rua de Helsinki, em janeiro de 2010.   olivier morin (afp / getty images)
Belén Domínguez Cebrián

Qualquer pessoa que tenha visitado a Finlândia várias vezes conhecerá a expressão “the finnish way” (o jeito finlandês), que seus cidadãos repetem com certa altivez. É uma maneira inovadora de tomar decisões para lidar com problemas que deixa o restante do mundo de boca aberta. Às vezes, uma loucura aparente que, no entanto, dá certo. É o caso da Housing First: a maneira simples –e ao mesmo tempo original– de tirar milhares de indigentes das ruas, devolvendo-lhes um pouco de dignidade e integrando-os socialmente. "O futuro começa com um molho de chaves” reza o lema da campanha.

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Um cientista político, um bispo, um médico e um sociólogo formaram em 2007 o comitê especial governamental cuja missão era tirar milhares de pessoas sem-teto das ruas. Inspirado no movimento Pathways Housing First dos EUA, fundado no início dos anos 90 pelo psicólogo Sam Tsemberis, o Governo do país nórdico reduziu entre 2008 e 2015 em 35% o número de cidadãos que vão dormir e acordam todos os dias a céu aberto: 1.345 pessoas que vagavam pelas ruas sem esperança para o futuro pararam de fazer isso. Em Helsinque, segundo dizem as ONGs envolvidas no programa, quase não há mais moradores sem-teto. E o objetivo do Governo agora é erradicar a população de rua em todo o país até 2027, informa a Bloomberg.

No rastro de Tsemberis –que implementou o projeto em Nova York, uma cidade especialmente complicada nas últimas décadas do século XX–, a chave não está na reinserção nem na desintoxicação de drogas ou álcool como condição sine qua non para ter acesso a uma moradia. Pelo contrário, trata-se quase literalmente de “começar a casa pelo telhado”.

Tudo começa com a entrega das chaves, sem condições nem pré-julgamentos. E a partir daí, garantem os promotores do projeto, as vidas de milhares de famílias e cidadãos começa a melhorar. "A casa é concebida como ponto de partida e não como ponto de chegada no caminho dos sem-teto", explica em um vídeo a ONG FEANTSA, envolvida no projeto e que já administra mais de 3.000 apartamentos em 10 cidades do país.

Ao contrário dos Estados Unidos e de mais uma dúzia de países europeus (entre eles, a Espanha), para os quais o Housing First foi exportado, os sem-teto da Finlândia, um país com pouco mais de cinco milhões de habitantes, têm o dever de pagar um aluguel. Apesar das crises econômicas –primeiro, de sua gigante Nokia e depois, do euro–, o país nórdico tem um robusto Estado de bem-estar social que o novo Governo, liderado pelo socialista Antti Rinne, deseja preservar e proteger a todo custo. Os beneficiários podem pagar o aluguel da nova casa com parte da assistência financeira que recebem do Estado por sua condição de desempregados, incapacitado, viúvos, como ajuda para o aluguel, etc. Outro ponto que torna esse programa único é que, nos complexos habitacionais, integrados em bairros de classe média para evitar os guetos (como na Dinamarca, por exemplo), o consumo de álcool não é proibido.

A Finlândia está retirando temporariamente os abrigos temporários para os sem-teto (dos 600 que havia em Helsinque em 2008, restam apenas 50, usados apenas no inverno como emergência, quando as temperaturas caem para 20 graus negativos).

“O sistema de abrigos temporários não estava funcionando (...). Enquanto essas pessoas não tiverem uma casa permanente, sempre serão consideradas sem-teto”, afirmou, citada pelo Politico, Juha Kaakinen, que fez parte do quarteto de especialistas que lançaram o projeto e agora é CEO da Y-Foundation, a ONG responsável por executá-lo na Finlândia.

O fundador da Housing First, Sam Tsemberis, acrescenta que, diferentemente de um apartamento compartilhado ou de um abrigo onde você passa a noite de modo intermitente, essa iniciativa oferece "o sentimento de pertencimento" a um lugar, a uma comunidade. Um valor intangível que torna o ser humano mais humano. Os promotores da ideia na Finlândia, que batizaram seu primeiro relatório como Nimi Ovessa (o seu nome na porta), estão convencidos de que o simples fato de ver uma placa com a identificação de cada inquilino próxima ao interfone ou na caixa de correio injeta força de vontade para poder começar a mudar de vida e de hábitos.

“Este apartamento me deu a oportunidade de voltar a uma vida normal. Posso planejar meu futuro”, diz um homem de 48 anos. Uma mulher de 59 anos acrescenta que morar em um apartamento lhe dá "segurança". Eles são dois dos beneficiários desta medida que, ao longo de dez anos, custou aos cofres públicos cerca de 300 milhões de euros (1,36 bilhão de reais), dos quais 70 milhões de euros (316 milhões de reais) nos últimos três anos. Uma quantia que não é esmagadora se for considerado o que o erário deixa de gastar por sem-teto com serviços de emergência, despesas policiais e judiciais: 9.600 euros (43.500 reais), de acordo com o Fórum Econômico Mundial.

Embora o programa tenha sido bem recebido, de modo geral, também levantou críticas. Timo Kauppinen, sociólogo do Instituto Nacional de Saúde e Bem-Estar, explica por e-mail que, quando novos apartamentos desse tipo são planejados, alguns vizinhos reagem com o que foi apelidado de NIMBY (a sigla em inglês para “não no meu quintal”). “Essas casas provocam de antemão alguns temores, talvez ainda mais se forem planejadas perto de escolas ou jardins de infância. Mas a minha impressão é que, na realidade, não houve grandes problemas nos bairros quando essas unidades começaram a funcionar”, afirma Kauppinen. Os habitantes das áreas onde ficam as moradias – geralmente nos arredores de uma dezena de grandes cidades, como Helsinque, Tampere ou Turku– levam em média dois anos para se acostumar com seus novos vizinhos. E se acostumam.

Assistentes sociais e especialistas em doenças mentais, vícios e outros problemas que sofrem muitos dos ex-sem-teto se aproximam uma vez por semana desses bairros para oferecer apoio e incentivar a integração deles na vida da comunidade, por exemplo, coletando lixo ou se envolvendo nas atividades do bairro.

Apesar de haver uma estimativa das autoridades de que 5.482 sem-teto ainda permanecem nas ruas por toda a Finlândia (um país com uma densidade populacional muito baixa: 17 habitantes por quilômetro quadrado), o programa tem tido êxito. Enquanto no Reino Unido, o número de sem-teto aumentou 7% no último ano; na Alemanha, 35% desde 2017, e na França, 50% na última década, o país nórdico é o único na Europa, de acordo com o Fórum, em que o número de pessoas sem-teto diminuiu.

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