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Rapazes davam nota às garotas por sua aparência, elas disseram basta

MeToo chega a um colégio de Maryland (EUA), onde uma lista que classificava as alunas por sua beleza provocou uma rebelião contra o ambiente tóxico na vida adolescente

Pablo Guimón
Paloma Delgado, aluna do colégio Bethesda-Chevy Chase.
Paloma Delgado, aluna do colégio Bethesda-Chevy Chase.Xavier Dussaq

O boato começou a circular, na primeira segunda-feira de março, entre as alunas do último ano. Os rapazes tinham feito uma lista com os nomes das garotas. Estavam classificadas da mais à menos bonita. Antes de irem para casa, a classificação, escrita no aplicativo de notas de um iPhone, já havia chegado a todos os celulares. Os nomes de 18 alunas do colégio Bethesda-Chevy Chase, em Maryland, nos arredores de Washington DC, capital dos Estados Unidos, com notas e classificadas de acordo com sua aparência física. Com duas casas decimais.

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Lá estava, ao lado de um número, o nome de Paloma Delgado, de 18 anos. “Eu me senti muito mal”, explica ao EL PAÍS. “Eu me senti triste e humilhada. Não pude deixar de pensar que meus colegas, com quem falo e compartilho cada dia, na verdade, por dentro estavam dando notas à minha aparência”.

Não foi a primeira vez que uma lista como essa circulava entre os rapazes do colégio público, em um bairro residencial de alto poder aquisitivo. Listas assim foram feitas em muitos outros colégios. Isso sempre aconteceu. Mas aquilo estava acontecendo agora, em plena era do MeToo. Mulheres de todos os campos se levantaram contra os machismos cotidianos diante dos quais tinham se calado durante gerações. E as garotas do colégio sentiram que também elas deveriam dizer basta.

“Criamos um grupo do WhatsApp e começamos a falar sobre isso, de como nos sentíamos e o que deveríamos fazer”, lembra Delgado. “E o que você vê aqui é parte do resultado dessa conversa.”

Delgado se refere às peças artísticas que a rodeiam, em um modesto centro de exposições na pequena cidade de Bethesda, onde os alunos de sua turma quiseram refletir a “cultura tóxica” que enfrentam diariamente. A exposição se chama Amadurecer na Toxicidade. Em um cordão que atravessa uma parte da sala, por exemplo, estão penduradas roupas femininas com folhas de papel coladas, nas quais as alunas compartilham experiências pessoais de abusos. Em uma folha colada em um traje de banho preto, uma garota de 18 anos conta como o namorado, durante uma forte discussão, agarrou-a com violência pelos pulsos para beijá-la. “Eu me senti impotente”, diz. Em outra, uma aluna conta como, quando tinha 16 anos, um amigo da família se deitou em sua cama bêbado, abraçou-a e tocou-lhe o traseiro e os seios: “Eu não deveria ter usado esse short nem esse top justo, pensei então”.

Exposição, com peças dos alunos do colégio, sobre a cultura tóxica.
Exposição, com peças dos alunos do colégio, sobre a cultura tóxica.Xavier Dussaq

Depois de uma rápida investigação interna, a direção do colégio decidiu dar um dia de suspensão ao aluno que reconheceu ter escrito a lista, aplicando o regulamento disciplinar do distrito escolar. A direção pediu às meninas que não fizessem uma montanha com um grão de areia. Mas elas não estavam dispostas que aquilo fosse despachado com um simples “são coisas de rapazes”. Propuseram uma conversa coletiva sobre a cultura tóxica que permite que essas coisas aconteçam. Compreenderam que cabia a elas enfrentar as raízes do problema.

“Não queríamos que a única resposta fosse uma punição”, explica Delgado. “Algo que acaba em um dia e não há reflexão. Queríamos ter uma conversa entre os rapazes e as meninas. Muita gente nos criticou. Disseram que eram apenas coisas de criança, que fazia parte da vida, que nada iria mudar porque sempre haveria gente má. Mas eu acho que não é que as pessoas sejam más, mas que não pensam nas consequências.”

Através do grupo WhatsApp, as meninas se reuniram na sala da diretora. Compareceram 40 alunas. Disseram à diretora que se sentiam inseguras e que estavam fartas daquele ambiente tóxico. Concordaram em realizar uma assembleia com todos os alunos do curso, inclusive aqueles que criaram e distribuíram a lista. A reunião aconteceu na mesma sexta-feira, 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

As garotas contaram como se sentiram ao ver seus nomes na lista, mas também compartilharam outras experiências de abuso, assédio e coisificação de que tinham sido vítimas no passado. O autor da lista também falou sobre sua “decisão estúpida”.

“Isso duraria apenas uma aula, mas se prolongou por duas horas e meia”, lembra Delgado. “Foi uma experiência única. Começamos a ser chamadas por jornais e televisões. E quisemos que continuasse, que não ficasse nisso.”

Desde aquele dia, um grupo de alunos e alunas se reúne toda semana para discutir como evitar que essas coisas aconteçam novamente. Casais de rapazes e garotas do último ano agora vão às aulas dos alunos mais jovens para falar sobre a masculinidade tóxica. Na exposição, entre os projetos que realizaram inspirados nesse episódio, compartilham suas experiências com meninos e meninas de outros colégios. Os alunos do último ano querem que a conversa não acabe quando eles forem embora, neste verão, rumo à vida universitária.

“Quando existe uma cultura em que é normal falar sobre essas coisas, acho que fazer uma lista sobre isso não parece uma coisa tão terrível”, reconheceu o autor da lista em uma entrevista ao The Washington Post. Mas ele disse que agradece que as garotas tenham decidido falar sobre o assunto: “São tempos diferentes e as coisas, é verdade, precisam mudar”.

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