“O FMI precisa entender que os mortos não pagam”
Ex-ministro de Cristina Kirchner, Sergio Massa rompeu com a ex-presidenta para armar seu próprio espaço político. Hoje quer ser a alternativa peronista a Mauricio Macri

Sergio Massa dirige o Frente Renovador, um movimento peronista fora do kirchnerismo. Em sua segunda tentativa para chegar à presidência da Argentina (em 2015 recebeu 21% dos votos), sem primárias no bloco Alternativa Federal e sem a confirmação da candidatura de Cristina Kirchner, Massa propõe “superar o fracasso de Mauricio Macri” com um pacto econômico e social entre todas as forças políticas e uma renegociação da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Pergunta: Como se chega à Casa Rosada?
Resposta: Construindo um grande acordo e grandes maiorias. A Argentina precisa superar o fracasso de Mauricio Macri. Fracassou porque gerou uma expectativa que não cumpriu, porque a sociedade se sente enganada e, principalmente, porque nunca tentou unir os argentinos. Escolheu o confronto fácil com o passado para se manter no poder sem se importar com o que isso significava. Se a campanha é feita dividindo, é impossível governar para todos.
P. Desde o retorno à democracia nos anos oitenta se fala da necessidade dos Pactos da Moncloa na Argentina. Por que é tão difícil realizá-los?
R. Em janeiro de 2016 entrei em um avião e acompanhei o Governo a Davos como líder de oposição para dizer ao mundo que uma nova etapa começava. Na viagem de volta, disse ao presidente que era o momento de construir um acordo econômico e social. Ele me disse: “Eu ganhei, eu governo”. Essa soberba, essa mesquinhez, a única coisa que fez foi prender a Argentina na situação em que estamos hoje. O presidente que prometeu pobreza zero nos levou ao pior nível do mundo junto com a Venezuela e o Irã.
P. O país que o próximo presidente herdará será pior do que o herdado por Macri?
R. Será muito pior, porque a dívida cresceu, a produção caiu, temos a maior inflação dos últimos 30 anos e temos mais pobreza. Estamos muito pior.
P. Como se sai da crise?
R. O caminho é voltar a uma economia ligada à produção e ao trabalho, priorizar a educação e mudar o sistema de impostos para defender os que exportam, que são os que geram dólares genuínos. Devemos deixar de ser um país que importa dívida e exporta economia. Precisamos vender valor agregado, sair da lógica de que a Argentina é só agroexportadora.
“A Argentina precisa superar o fracasso de Macri”.
P. Por que a Argentina é um país tão peronista?
R. Porque é um país em desenvolvimento, um país em que o cidadão dá ao Estado um papel central. E o peronismo, como movimento político, é o que melhor interpreta o uso do Estado como ferramenta para gerar desenvolvimento e equilibrar desigualdades. Acredito no Estado como instrumento de transformação da vida das pessoas.
P. Há lugar para Cristina Kirchner nessa união de oposição proposta pelo senhor?
R. Não sei o que a ex-presidenta fará. Nós não podemos deixar de falar a todos os eleitores de oposição que é um erro ter candidatos cultuados, porque aqui é preciso vencer Macri. Não basta construir candidaturas que depois perderão para Macri no segundo turno.
P. Vamos supor que o senhor se reúna com investidores. Explique no que se diferencia de Kirchner.
R. Eu não acredito nos cepos (medida que impedia a retirada de lucros do país) lutei contra o cepo sobre a venda de dólares em 2013; não acredito nas economias com mecanismos indiscriminados de controle cambial, acredito nos modelos do Chile e do Brasil. Acho que um investidor que vem gerar emprego, e não especular, deve receber todas as facilidades, porque isso é o Estado intervindo.
“O peronismo acredita no Estado como instrumento de transformação da vida das pessoas”.
P. Até que ponto a imagem da ex-presidenta pesa sobre o peronismo?
R. As pessoas separam muito bem e sabem bem o que cada um faz. Eu fui prefeito, chefe de Gabinete, diretor da Segurança Social durante seis anos, deputado e hoje não tenho nenhum processo na Justiça. Vivo na mesma casa desde que me casei e as pessoas sabem disso.
P. Imaginemos que Massa é o presidente. O FMI dá margem para mudar o acordo no ano que vem?
R. Nós dissemos ao Fundo em dezembro, com toda a clareza, que nossa decisão era rediscutir o acordo. O acordo é injusto para a Argentina porque só serviu de salva-vidas para Macri. Estabelece a obrigação de desembolso dentro de um Governo e obrigações de pagamento no que vem imediatamente após. Precisamos de uma saída como a feita em Portugal, prorrogar os prazos e usar esse alívio para diminuir impostos. O FMI precisa entender que os mortos não pagam.
P. O que é preciso para convencer os argentinos a trazer o dinheiro que têm no exterior?
R. O Governo perdeu uma grande oportunidade com a anistia fiscal, porque não deu incentivos à repatriação. O assunto central são os incentivos e isso depende dos esquemas impositivos. Se puno mais a produção e o trabalho do que a especulação financeira fora do país sua tendência natural será olhar a utilidade de cada investimento, deduzir os impostos e ver que os incentivos estão mal alinhados.
"Eu não vou começar do zero, manterei o que está funcionando".
P. Enquanto isso, a inflação engole o dinheiro local.
R. Durante muitos anos, foi dito que o problema da inflação era a emissão monetária. Esse Governo tem há um ano emissão monetária zero e obteve o recorde de inflação dos últimos 27 anos. Claramente não é só emissão monetária e sim emissão mais agregados monetários.
P. É possível que a moeda argentina se valorize?
R. Irá valorizar quando tivermos balança comercial positiva por exportação, não pela queda do turismo. A balança precisa ser por crescimento de exportações, e para isso é preciso olhar ao Mercosul, a nosso nicho de negócios na Ásia, África e Índia. Precisamos explorar mercados e que o sistema de relações exteriores seja orientado ao comércio.
P. Por que o discurso do político que promete refundar a nação faz tanto sucesso na Argentina? Macri voltou a repetir isso em sua última entrevista.
R. Eu não vou começar do zero, manterei o que está funcionando.