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Ex-diretor da Odebrecht no Peru confirma pagamentos às campanhas de quatro ex-presidentes

Segundo Jorge Barata, foram beneficiados García, Humala, Toledo, Kuczynski e a líder da oposição Keiko Fujimori

Os promotores peruanos começaram na terça-feira o interrogatório do ex-diretor da Odebrecht Jorge Barata
Os promotores peruanos começaram na terça-feira o interrogatório do ex-diretor da Odebrecht Jorge BarataHEULER ANDREY (AFP)
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A investigação das ramificações do caso Odebrecht no Peru deu mais um passo com as declarações do ex-diretor executivo da construtora brasileira no país. A equipe de promotores encarregada de elucidar o escândalo de subornos milionários que abalou Governos da América Latina se deslocou para a cidade de Curitiba para interrogar Jorge Barata. O ex-executivo confirmou que a empresa destinou dinheiro da contabilidade paralela às campanhas eleitorais dos ex-presidentes peruano Alan García (2006), Ollanta Humala (2011) e Pedro Pablo Kuczynski (2016). García se suicidou na semana passada, quando ia ser preso por seu envolvimento na trama, Humala já está na cadeia e Kuczynski se encontra em uma clínica particular por um problema cardíaco, à espera de cumprir três anos de prisão preventiva.

Estes pagamentos também engraxaram, de acordo com o depoimento de Barata, a máquina eleitoral de Alejandro Toledo, quando ele já havia deixado a presidência e estava se preparando para disputar de novo as eleições em 2011, a ex-candidata presidencial Lourdes Flores (2006 e 2010) e a líder da oposição Keiko Fujimori (2011), que está presa. O ex-executivo também confirmou a contribuição de três milhões de dólares (12 milhões de reais) à campanha publicitária para evitar a destituição da então prefeita de Lima, Susana Villarán, em 2013. No depoimento desta quarta-feira, 24, declarou que a construtora pagou subornos para Garcia por meio de um testa de ferro para garantir a obtenção de concessões de obras públicas e que entregou a Toledo 27 milhões de dólares (108 milhões de reais), até 2011, quatro anos depois de ter deixado o Governo. Uma parte foi para sua campanha eleitoral, detalhou a EL PAÍS uma fonte que participou do interrogatório.

As declarações de Barata se devem a um acordo de colaboração assinado em 14 de fevereiro pela empresa com os promotores e o Ministério Público ad hoc para o caso Odebrecht. A empresa reconhece as propinas pagas para obter a concessão de quatro obras públicas e se compromete a pagar uma reparação civil em troca de que seus ex-empregados brasileiros não sejam processados no sistema de Justiça peruano, pois já enfrentam acusações no Brasil.

A reparação por esses crimes supera 183 milhões de dólares (730 milhões de reais), mas a Odebrecht se comprometeu a pagar, no total, cerca de 228 milhões de dólares (910 milhões de reais), acrescentando juros e uma dívida fiscal pendente. Se os promotores da chamada Equipe Especial Lava Jato descobrirem que a empresa pagou subornos para obter a concessão de outras obras públicas, terão que negociar novas compensações.

A principal revelação de Barata está relacionada com Alan García. O Ministério Público o investigava desde março de 2017 por tráfico de influência na concessão da obra da Linha 1 do Metrô de Lima, mas em novembro juntou à investigação as acusações de lavagem de dinheiro e conspiração. Nesse mês, os investigadores encontraram evidências de que a Odebrecht pagou 100.000 dólares (cerca de 400.000 reais) procedentes de seu Caixa 2 ao ex-chefe de Estado, triangulando a operação financeira com um advogado brasileiro em São Paulo. Dias antes do suicídio de García, os promotores encontraram evidências de que o ex-secretário da Presidência, no segundo Governo de García, Luis Nava, recebeu mais de quatro milhões de dólares (cerca de 16 milhões de reais) procedentes da contabilidade paralela da construção.

Parte do dinheiro foi transferido a Miguel Atala, a quem a Odebrecht fez depósitos de 1,3 milhão de dólares (5,1 milhões de reais) em uma conta da Banca D'Andorra, segundo revelou El País em 2017. "Atala era como Maiman", disse Barata nesta quarta-feira, em referência a Yosef Maiman, um empresário peruano-israelense que operava como testa de ferro de Alejandro Toledo, de acordo com fontes consultadas por EL PAÍS.

Segundo o jornal El Comercio, o ex-executivo afirmou que Nava e Atala "eram os Maiman de García". Yosef Maiman é o empresário peruano-israelense que reconheceu perante os promotores peruanos que recebeu da Odebrecht mais de 17 milhões (67 milhões de reais) em suas contas bancárias para transferi-los ao ex-presidente Toledo, que está sob investigação por suborno, para que garantisse à construtora a Rodovia Interoceânica Sul. O Peru pediu em maio de 2018 aos Estados Unidos a extradição do ex-presidente, que governou o país entre 2001 e 2006. Em maio de 2017, um juiz emitiu um mandado de prisão.

Enquanto prosseguem as investigações do esquema de corrupção da Odebrecht no Peru, Keiko Fujimori e Kuczynski continuam sob prisão preventiva. Outras oito pessoas do entorno de García, incluindo Nava e Atala, estão sob prisão preliminar desde a última quarta-feira. O procurador-chefe Rafael Vela, coordenador da Equipe Especial Lava Jato, anunciou na segunda-feira que "o sr. Barata se comprometeu a entregar mais de 4.000 folhas de documentos do sistema MyWebDay e Drousys, onde estão detalhados os pagamentos e a rota do dinheiro”.

Luta anticorrupção

Após o suicídio de García, congressistas e ex-ministros ligados aos ex-presidentes e políticos investigados se manifestaram contra a prisão preventiva por 36 meses, alegando que é um abuso. À crítica se somaram o atual presidente do país, Martín Vizcarra, e o primeiro-ministro, Salvador del Solar, que considera que uma medida excepcional se tornou "moeda corrente”. Vizcarra acrescentou que os julgamentos deveriam ser mais curtos.

Segundo dados de janeiro do Instituto Nacional Penitenciário, apenas 0,9% da população carcerária está presa por corrupção. Dos investigados por este crime, dois em cada 100 estão detidos.

O debate sobre a demora dessas investigações e julgamentos obrigaram o procurador-geral a esclarecer que o Ministério da Economia não lhe permite contratar novos promotores. "Há um dispositivo na Lei do Orçamento de 2019 que impede o titular do Ministério Público de criar vagas para nomear promotores em nível nacional, o que não permite uma luta eficaz contra a corrupção e o crime comum", declarou em um comunicado divulgado na segunda-feira.

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