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Falta de medidas concretas no discurso do Papa decepciona vítimas de abuso

Fala do pontífice no encerramento de cúpula histórica no Vaticano foi morna, mas ele prometeu que a Igreja levará os agressores à Justiça

Daniel Verdú
O papa Francisco durante a missa celebrada esta manhã no Vaticano
O papa Francisco durante a missa celebrada esta manhã no VaticanoFranco Origlia (Getty)

O papa Francisco encerrou neste domingo a histórica cúpula sobre abusos de menores no Vaticano. Semanas atrás ele advertiu que as expectativas eram demasiado grandes. E, em parte, o confirmou. O discurso do Papa, depois de uma missa na imponente Sala Régia do palácio pontifício, foi a conclusão de quatro dias de brainstormimg entre os 190 líderes religiosos para fechar a ferida dos abusos sexuais de menores que faz sangrar a Igreja. Os mais otimistas esperavam anúncios. “Medidas concretas e eficazes”, como ele mesmo indicou que era necessário tomar no início da reunião. Também a aceitação de algumas das propostas mais contundentes que as vítimas reivindicam há anos. Mas nada disso aconteceu. O Papa dedicou a primeira parte de seu discurso a colocar o problema dos abusos também fora do âmbito da Igreja e a dividir as culpas citando estatísticas de todo tipo. Era difícil que anunciasse grandes medidas poucas horas depois de terminar os debates. Mas sentiu-se a falta da concreção que ele próprio exigira e de maior centralidade das vítimas, profundamente decepcionadas depois de ouvi-lo.

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Haverá mudanças. A cúpula, realizada com uma transparência inusual no Vaticano, e as valiosas intervenções de pesos pesados da hierarquia eclesiástica, como o cardeal e arcebispo de Munique, Reinhard Marx – que admitiu a destruição de arquivos e exigiu o fim do segredo pontifício –; o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, e a jornalista mexicana Valentina Alazraki, que foi severa com os bispos, mostram o caminho. Mas o Papa deu a impressão de aceitar a dificuldade de impor as reformas aos bispos ali reunidos, atribuiu o problema ao diabo e situou a praga em outras áreas fora da Igreja. “A primeira verdade que emerge a partir dos dados disponíveis é que aqueles que cometem abusos são, principalmente, os pais, os parentes, os maridos de mulheres meninas, os treinadores e os educadores. Além disso, de acordo com dados do Unicef de 2017, referentes a 28 países, 9 em cada 10 meninas que tiveram relações sexuais forçadas declaram ter sido vítimas de uma pessoa conhecida ou próxima da família”. Infelizmente, ele não forneceu números sobre os abusos na Igreja, porque o Vaticano, embora os conheça perfeitamente bem e estejam em possessão da Congregação para a Doutrina da Fé, não os tornou públicos.

Francisco não propôs mudanças na ordem jurídica para além da ampliação da idade mínima legal para o casamento das mulheres. Tampouco houve em suas palavras novidades a respeito das condenações ou promessas de futuro. De fato, citou o discurso à cúria feito em dezembro na parte mais contundente: “A Igreja não se cansará de fazer todo o necessário para levar à justiça qualquer um que tenha cometido tais crimes. A Igreja nunca tentará encobrir ou subestimar nenhum caso”. Mas não especificou se isso significa implantar a obrigatoriedade de levar todos os casos para a Justiça comum, como pedem as vítimas.

O principal problema, apontam todos os especialistas e vítimas, é a negligência, intencional ou não, dos bispos. E, principalmente, a maneira pela qual a Igreja age para puni-los: a famosa prestação de contas. É por isso que os bispos foram convocados para ir a Roma. Mas eles se sentem acossados pela imprensa, como explicou Alazraki, e não se ouviu nenhuma ideia sobre como enfrentar uma questão que, na Congregação para a Doutrina da Fé, o órgão que investiga todos os casos, está situada com precisão. Falou-se, isso sim, de punir os abusadores.

O Papa e seus assessores consideram que a atual legislação canônica – especialmente com a carta apostólica Come una Madre Amorevole (Como uma Mãe Amorosa) – já é uma ferramenta suficiente para combater os abusos e o encobrimento dos bispos. É preciso, sustentam, mudar a mentalidade dos prelados. “É por isso que cresceu atualmente na Igreja a consciência de que se deve não apenas tentar limitar os gravíssimos abusos com medidas disciplinares e processos civis e canônicos, mas também enfrentar o fenômeno com determinação tanto dentro quanto fora da Igreja.”

Oito âmbitos

O Papa fixou os oito âmbitos em que a Igreja se concentrará, especialmente as conferências episcopais, para combater o problema. O mais concreto foi a formação e a análise psicológica dos futuros seminaristas e o reforço das linhas de prevenção nas conferências episcopais. “A aplicação de parâmetros que tenham o valor de normas e não apenas de orientação. Normas! Nenhum abuso deve ser encoberto nem subestimado (como foi costumeiro no passado), porque o encobrimento dos abusos favorece a propagação do mal e acrescenta um nível adicional de escândalo. De modo particular, desenvolver uma nova e efetiva abordagem de prevenção em todas as instituições e ambientes de atividade eclesiástica.”

Francisco recebe o assédio permanente dos ultraconservadores norte-americanos, também no colégio cardinalício, que o repreendem por admitir a proliferação de casos de abuso a uma suposta proximidade com o setor homossexual do Vaticano. Ele se lembrou deste em seu discurso. “O objetivo da Igreja será ouvir, tutelar, proteger e cuidar das crianças abusadas, exploradas e esquecidas, onde quer que estejam. A Igreja, para alcançar esse objetivo, deve estar acima de todas as polêmicas ideológicas e das políticas jornalísticas que muitas vezes instrumentalizam por vários interesses.”

Os oito pontos do Papa para combater os abusos

1. Proteção dos menores. Mudar a mentalidade para combater a atitude defensiva-reacionária de salvaguardar a Igreja.

2. Seriedade impecável. A Igreja não se cansará de fazer todo o necessário para levar à justiça qualquer um que tenha cometido tais crimes e nunca tentará encobrir ou subestimar nenhum caso.

3. Uma verdadeira purificação. Transformar os erros em oportunidades para erradicar esse flagelo e nunca cair na armadilha de acusar os outros.

4. Formação. A exigência da seleção e da formação dos candidatos.

5. Reforçar e verificar as diretrizes das Conferências Episcopais. Aplicação de parâmetros que tenham valor de normas e não apenas de orientação, e que nenhum abuso seja jamais encoberto ou subestimado.

6. Acompanhar as pessoas abusadas. A Igreja tem o dever de oferecer-lhes todo o apoio necessário, valendo-se de especialistas nesse campo.

7. O mundo digital. A proteção dos menores deve levar em conta as novas formas de abuso sexual. Que nas normas jurídicas do Vaticano aprovadas em 2010 – nas quais a aquisição, a retenção e a divulgação de material pornográfico foram acrescentadas como novos casos de crimes – se eleve a da idade inferior a 14 anos.

8. O Turismo sexual. A ação judicial repressiva é necessária, mas também o apoio e os projetos de reinserção das vítimas desse fenômeno criminoso.

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