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Papa: “Todo feminismo acaba sendo um machismo de saias”

Francisco afirma no segundo dia da reunião contra a pedofilia que dar mais papel à mulher na Igreja não resolveria os abusos

O Papa, nesta sexta-feira.
O Papa, nesta sexta-feira.GIUSEPPE LAMI (EFE)

Accountability, algo como prestação de contas em português, não tem uma tradução direta no mundo latino. Além de uma questão linguística, os especialistas em corrupção e abusos afirmam que também se trata de uma questão cultural. Não existe tradução porque durante anos nada parecido foi realizado, dizem. Faltam mecanismos, especialmente na Igreja, para assegurar que determinados comportamentos têm consequências. E foi justamente disso que se falou no segundo dia da reunião em que o Vaticano debate os abusos a menores com 190 líderes religiosos, mas também do papel da mulher na Igreja.

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O Papa, de tarde, afirmou precisamente que dar mais funções à mulher na Igreja não resolveria o problema dos abusos sexuais, que “todo feminismo acaba sendo um machismo de saias”. “Não se trata de dar mais funções à mulher na Igreja – sim, isso é bom, mas não resolveria o problema –, se trata de integrar a mulher como figura da Igreja em nosso pensamento”, disse o pontífice, sentado ao lado da especialista em Direito Canônico Linda Ghisoni, a única mulher até agora a falar na reunião, no átrio do Salão Novo do Sínodo onde ocorrem as sessões de trabalho.

O Papa, fora do roteiro previsto, elogiou a fala da especialista em Direito Canônico, que pediu um “sistema de verificação ordinária” sobre o cumprimento da legislação vigente contra o abuso a menores, incluindo nas diretrizes nacionais um capítulo que determine os motivos e procedimentos da prestação de contras. “É aconselhável que em cada Conferência Episcopal sejam criadas comissões consultivas independentes – formadas por laicos e clérigos – para aconselhar e auxiliar os bispos”. Esses órgãos, disse, com seus relatórios e reuniões periódicas, “contribuiriam para assegurar uma maior uniformidade nas práticas e uma interação cada vez mais eficaz” dentro da Igreja.

O Papa respondeu depois: “Escutando a fala de Ghisoni, escutei a Igreja falar de si mesma. Ou seja, todos falamos da Igreja, em todas as apresentações, mas dessa vez era a própria Igreja a falar. Não é somente uma questão de estilo: o gênio feminino que se reflete na Igreja é mulher”, disse o Papa, que afirmou que convidar uma mulher a pronunciar um discurso sobre as feridas da Igreja é convidar a Igreja a “falar de si mesma”. “Esse é o passo que devemos dar com firmeza: a mulher é a imagem da Igreja, é esposa, mãe. Um estilo. Sem esse estilo falaríamos do povo de Deus, mas como organização, talvez sindical, mas não como família iluminada pela mãe Igreja”.

O dia, afinal, teve sotaque inglês. Os Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Irlanda são alguns dos países em que essa linha tem maior alcance. O arcebispo de Chicago, o cardeal Blase Cupich, foi um dos que falaram na sexta-feira e frisou a necessidade de se prestar contas. Também que a denúncia de um crime “não pode nunca ser obstaculizada pelo segredo oficial e pelas regras de confidencialidade”. Uma ideia que começa a pender aos pedidos da vítimas, que também incluem a extensão do conceito de tolerância zero a todas as conferências episcopais do mundo. Ou seja, qualquer padre condenado por abusar de um menor deve ser expulso do sacerdócio.

O cardeal e arcebispo de Boston, Sean O’Malley, presidente da Comissão para a Proteção de Menores que o Papa instaurou em sua chegada, é um dos mais rígidos representantes da Igreja nessa questão. Na sexta-feira não foi convidado a falar. Algumas desavenças com a cúpula vaticana o teriam deixado à margem. O’Malley participou da conferência de imprensa diária em que defendeu a extensão da tolerância zero no mundo inteiro. Além disso, explicou que nos turnos de debate da reunião se falou de revisar o assunto do “segredo pontifício”. “A transparência é muito importante para lidarmos com esse problema. Não somente a nível dos países como também da Santa Sé”.

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