Democratas recuperam a Câmara de Representantes e enfraquecem Trump
Onda de insatisfação com o presidente impregna as urnas, mas os republicanos conseguem manter o controle do Senado
O Partido Democrata recuperou nesta terça-feira, 6, o controle da Câmara de Representantes (deputados) dos Estados Unidos, após oito anos de maioria republicana, e deixou o presidente Donald Trump enfraquecido no que resta do seu mandato. Não conseguiu, porém, impor-lhe um golpe letal, que seria a vitória também no Senado, que permaneceu nas mãos dos conservadores. Abre-se agora uma etapa de incerteza, em que controvertidos sonhos trumpistas, como liquidar a reforma sanitária de Barack Obama e levantar um muro com o México para frear a imigração, ficam ameaçados. O descontentamento com o presidente, um dos governantes mais impopulares e divisores da história recente, mobilizou o eleitorado progressista, num pleito legislativo marcado pela alta participação e pelo reflexo de um novo tempo. Os norte-americanos escolheram um Congresso com mais mulheres e mais diversidade racial e religiosa que nunca.
A conquista da Câmara Baixa por parte dos democratas move as placas tectônicas em Washington. O presidente até agora despachava na Casa Branca com a tranquilidade de que, no outro lado da avenida Pensilvânia, também reinavam os seus. Mas a mudança de maioria acarreta muitos problemas para o republicano. Os democratas poderão bloquear a aprovação de leis, já que elas exigem o aval de ambas as partes do Capitólio, e impulsionar seus próprios projetos legislativos, que no entanto tenderão a esbarrar também no muro republicano do Senado. A oposição a Trump dispõe ainda dos votos necessários para iniciar investigações sobre o presidente e seus negócios, e inclusive promover um processo de impeachment – que dificilmente prosperaria, pois precisaria de dois terços dos votos dos senadores.
A chamada onda azul, cor identificada com o partido de Barack Obama e Hillary Clinton, chegou sem força suficiente para levar a Câmara Alta, uma empreitada extremamente difícil, porque estavam em jogo apenas 35 das 100 cadeiras, sendo que 26 delas já eram democratas. Na verdade, os conservadores consolidaram sua maioria no Senado, mantendo-se com pelo menos 51 senadores. Uma vez mais, o voto rural tendeu a favorecer os republicanos, enquanto as zonas urbanas e suburbanas penderam para os democratas. Mas, para estes últimos, o triunfo na Câmara de Representantes, onde já alcançaram a maioria de 218 assentos, emite sinais animadores: conquistaram distritos onde não eram favoritos em Nova York, Texas, Illinois e Virgínia. E, na batalha pelos Governos estaduais, obtiveram vitórias importantes em Michigan e Winsconsin, zonas do cinturão industrial que em 2016 abraçaram o magnata.
Foi também uma boa noite para o movimento feminista, fortalecido pela onda MeToo de protesto contra o assédio sexual, diante de um presidente acusado de abusos por várias mulheres e que se caracterizou por seus frequentes comentários sexistas. De acordo com os resultados disponíveis no começo da madrugada, o Capitólio terá a maior bancada feminina da sua história.
Muitas outras barreiras invisíveis foram rompidas nesta terça-feira. O Colorado elegeu o primeiro governador abertamente homossexual do país, Jared Polis; Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, tornou-se, aos 29 anos, a mulher mais jovem já escolhida para a Câmara de Representantes; e a vitória de Rashida Tlaib em Michigan significa a chegada do primeiro muçulmano ao Congresso.
Todos falaram em vitória. “Um sucesso tremendo nesta noite. Obrigado a todos”, escreveu Trump no Twitter. Mais ou menos na mesma hora, entretanto, telefonou para a veterana congressista Nancy Pelosi, peso-pesado democrata e líder desse partido na Câmara, para felicitá-la pelos resultados. Pelosi destacou a vitória democrata e conclamou à “unidade” num momento em que o Congresso norte-americano está dividido pela metade, com os republicanos no poder no Senado, e os democratas na Câmara. No atual contexto de polarização política dos últimos anos, as possibilidades de bloqueio na política nacional ficam evidentes.
As eleições legislativas que coincidem com a metade do mandato presidencial sempre exalam um aroma de plebiscito, mas desta vez isso foi mais forte do que de costume, já que Trump se colocou no centro da campanha, como candidato onipresente em múltiplos comícios. As midterms também costumam servir de castigo ao presidente. Salvo raras exceções, os partidos do Governo sempre perderam assentos desde Franklin D. Roosevelt. No caso de Obama, em 2010, os democratas perderam a maioria na Câmara de Representantes, mas a derrota mais dura veio mesmo em 2014, quando o domínio conservador aumentou entre os deputados e se estendeu ao Senado, complicando o segundo mandato do presidente.
Agora, os democratas lerão os resultados desta terça-feira com cuidado e tentarão buscar algumas respostas que indiquem qual é o caminho a seguir em 2020, quando haverá novamente a chance de trocar o inquilino da Casa Branca. Beto O’Rourke, com uma mensagem muito progressista, não conseguiu afinal a vaga ao Senado pelo Texas, um dos grandes bastiões conservadores. Mas outro modelo de candidato democrata, Phil Bredesen, centrista, tampouco foi eleito no Tennessee. Também são contraditórios os sinais para os republicanos. Casos como o da Flórida sinalizam um avanço do trumpismo: um candidato à imagem e semelhança do presidente, Ron de Santis, impôs-se a Andrew Gillum, um candidato da ala esquerdista do Partido Democrata. Ao mesmo tempo, a perda em alguns distritos industriais mostra o desgaste de uma presidência tão extravagante como a do nova-iorquino.
O bilionário republicano chegou a este compromisso eleitoral com um índice de aprovação de 40%, surpreendentemente baixo para um presidente que está vivendo uma das fases econômicas mais expansionistas e prolongadas da história. Mas ele mantém o apelo entre os seus, outro sintoma de divisão.
Foi uma eleição legislativa que fugiu ao habitual, como ocorre com tantas coisas nesta era Trump. O voto antecipado registrado até segunda-feira disparou (34,5 milhões, 50% a mais que em 2014, segundo a CBS), sinal de um nível de participação muito mais elevado que de costume. A campanha eleitoral refletiu o clima de crispação. O bom funcionamento da economia, com o nível de desemprego mais baixo desde a guerra do Vietnã, consistia em sua grande cartada eleitoral, mas o magnata nova-iorquino tratou de rebater a mobilização dos democratas inflamando suas bases com o discurso contra a imigração, vinculando os indocumentados com a violência e fazendo uso de seu poder presidencial ao enviar mais de 5.000 soldados à fronteira para conter a caravana de imigrantes que atravessa o México atualmente.
Enquanto isso, os democratas tentaram evitar um debate, o migratório, em que somente perderiam, já que, de acordo com as pesquisas, seus eleitores apoiam a imigração, mas não a recompensam nas urnas. Os candidatos de todo o país lutaram para centrar o discurso nos assuntos sociais nos quais seus programas tinham mais a ganhar, os problemas do sistema de saúde, os escassos frutos que a melhora econômica deixa nas classes mais desfavorecidas e as políticas regressivas que estão ganhando espaço nos EUA em matéria como o aborto e os direitos LGBT.
As pesquisas de boca de urna revelaram que enquanto os republicanos votaram pensando na imigração, os democratas o fizeram com a saúde. Também confirmam tendências, os homens brancos são o grupo que basicamente deu a vitória aos republicanos.
Depois dessa terça-feira se abre uma nova etapa na era Trump, com efeitos dentro e fora dos Estados Unidos. O magnata rompeu com a ordem exterior de Barack Obama, se distanciou dos aliados históricos do país e iniciou uma guerra comercial com a China de consequências globais. Boa parte de suas ações emana de seu poder presidencial, mas agora um importante contrapeso no Congresso irá segurá-lo. Mudam também as potenciais consequências da investigação da trama russa, o inquérito em mãos do promotor especial Robert Mueller sobre a ingerência russa nas eleições presidenciais de 2016.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.