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Nordeste, o último campo de batalha das eleições brasileiras

Bastião do petismo, Haddad conseguiu vencer Bolsonaro em todos os Estados da região. Para conquistar Nordeste, Bolsonaro faz acenos ao Bolsa Família, mas tem que superar rejeição de 50%

Bolsonaro e Haddad vestem o chapéu de cangaceiro.
Bolsonaro e Haddad vestem o chapéu de cangaceiro.REUTERS PHOTOGRAPHER
Marina Rossi
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Jair Bolsonaro (PSL) vestiu o chapéu de cangaceiro. O adereço que remete instantaneamente à cultura nordestina e costuma aparecer na cabeça dos presidenciáveis a cada quatro anos, também já havia passado nesta eleição por Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT). O mimetismo do capitão reformado do Exército faz parte de uma série de acenos que ele vem fazendo ao Nordeste em busca de conquistar o último bastião petista, como a proposta de oferecer 13º salário a beneficiários do Bolsa Família. A região foi a única onde ele não venceu em nenhum Estado e Haddad saiu vitorioso em quase todos, com exceção do Ceará, onde Ciro Gomes (PDT) ganhou.

Repetindo a histórica preferência dos mais de 39 milhões de eleitores nordestinos pelos candidatos do PT, o ex-prefeito de São Paulo obteve metade dos votos válidos da região, ante os 25% obtidos pelo militar reformado. Mas a ampla vantagem de Haddad no Nordeste não é unanimidade. No primeiro turno, Bolsonaro já havia avançado nos grandes centros urbanos, onde há o maior número de eleitores. Venceu em 42 municípios, dentre eles, cinco capitais, amealhando quase o dobro de votos que Aécio Neves (PSDB) recebeu na região em 2014. A conquista do capitão de parte do berço do lulismo rendeu a ele Perdeu 1,9 milhão de votos a menos do que teve Dilma Rousseff há quatro anos, e fez acender um alerta vermelho na campanha de Haddad.

O êxito de Bolsonaro foi ostentado em sua primeira entrevista após o primeiro turno. Ao vivo no Jornal Nacional, o candidato fez questão agradecer aos eleitores, em “especial à região Nordeste”. Ele ressaltou que, embora tenha perdido ali, nunca antes um candidato de oposição ao PT havia tido votação "tão expressiva" quanto a dele na região. E afirmou que só não levou mais votos por culpa de “mentiras e fake news”.

Para seguir avançando no terreno petista, a estratégia do capitão tem sido a de tentar se desfazer de declarações reais que deu no passado. E no caso do Nordeste, elas estão especialmente ligadas ao Bolsa Família. A região concentra o maior número de beneficiários do programa de transferência de renda: 6,98 milhões, quase o dobro do Sudeste, que vem em seguida. No passado, Bolsonaro já chegou a atrelar o programa, em entrevistas e em discursos na Câmara dos Deputados, a uma política de atração ou “compra” de votos. “O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”, afirmou, em 2011, no plenário da Câmara. Em uma entrevista em 2012, voltou a atacar o programa. "O Bolsa Família é uma mentira. Você vai para o Nordeste e não consegue uma pessoa para trabalhar na sua casa porque se ela for trabalhar perde o benefício"

Para tentar reverter os efeitos das suas próprias palavras que já estão sendo exploradas pelo PT, Bolsonaro fez um vídeo na semana passada, logo após o final do primeiro turno, ao lado de dois deputados do PSL eleitos na Bahia e no Ceará, defendendo a continuidade do programa e lançando sua bala de prata: 13º salário para seus beneficiados, ideia atribuída ao seu seu vice, o general Hamilton Mourão (PRTB). A mesma proposta, entretanto, já havia sido explorada pelos dois principais candidatos ao governo de Pernambuco, Armando Monteiro (PTB), e o governador reeleito, Paulo Câmara (PSB), em suas próprias campanhas durante o primeiro turno.

A jogada do presidenciável do PSL tenta apaziguar, de uma só vez, duas repercussões negativas de sua campanha: as declarações de Mourão criticando, por duas vezes, o 13º salário, e as dele mesmo rechaçando o Bolsa Família no passado. Agora, ele pega outra via, e constrói seu discurso em defesa da continuidade do programa. “Nós não pretendemos acabar com o Bolsa Família, muito pelo contrário, devemos combater as fraudes para aqueles que precisam possam ter um dinheiro um pouco maior. Homens e mulheres do Bolsa Família fiquem tranquilos”, disse ao Jornal Nacional, logo após agradecer aos votos dos nordestinos. Com isso, ele mira em avançar principalmente nas cidades do interior do Nordeste, onde o percentual de beneficiados é ainda maior, e entre eleitores de baixa renda, onde a penetração do PT se sobressai à dele.

Nos bastidores da campanha do PT, a fala de Bolsonaro é vista como oportunista, mas se admite que o aceno do capitão ao Nordeste era “previsível”. Por isso, enquanto Bolsonaro corre para tentar retificar declarações do passado, o PT entra com os dois pés na ofensiva para desconstruir seu rival. Os novos programas de Haddad veiculados nos últimos dias focam em apresentar o capitão “como uma farsa”, recuperando entrevistas em que ele defende a tortura, fala mal de programas sociais, admite ser homofóbico e diz não empregar mulheres com o mesmo salário de homens.

Medo

Nessa disputa, o programa de transferência de renda inaugurado por Lula será, mais uma vez, um tema comum às duas campanhas. Mas, no Nordeste, o capitão enfrenta o desafio de fazer com que as pessoas acreditem em suas propostas. Sua rejeição ali é a maior: de 49%, segundo o último Ibope.  “Quando eu comecei a receber o Bolsa Família, minha vida melhorou”, afirma Janaína Veríssimo de Deus, 43, moradora da Ilha de Deus, uma comunidade pesqueira no coração do Recife. “E se Bolsonaro for eleito, ele vai acabar com isso”, acredita. Ela e os cinco filhos vivem dos 330 reais que recebem todo mês do programa, além do que conseguem com a pesca de sururu, um pequeno molusco muito popular no Nordeste e que rende, em meses bons, no máximo 100 reais.

Para Janaína, a conta é simples. “Haddad é o candidato de Lula”, diz, assim como responde grade parte do eleitorado mais humilde da região. “E Bolsonaro fala mal de nordestino”, afirma, sem saber especificar o que, exatamente, o candidato havia falado sobre seus conterrâneos. “Não lembro o que foi, mas muita gente aqui estava comentando que ele fala mal de nordestino e de empregada doméstica. Eu já fui empregada doméstica, sei como é".

O medo de retrocessos sociais com a chegada de outro partido no poder foi muito explorado pelo PT na campanha de 2014 e persiste na memória dos eleitores que mais necessitam de assistência. Isso pode ser uma das razões pelas quais a cidade onde Haddad teve o maior percentual de votos (93%) foi Guaribas, no interior do Piauí. O pequeno município foi escolhido em 2003 como piloto para o programa Fome Zero e teve os primeiros beneficiados do Bolsa Família. Foi, inclusive, no Piauí, o Estado onde o petista teve a maior votação em percentual de votos (63,4%). A de Bolsonaro se deu em Santa Catarina (65,8%).

Para Luciana Santana, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a estratégia do capitão de tentar garantir a permanência dos programas sociais pode lhe render alguns votos a mais na região. “Há uma chance dele crescer um pouco até o final do segundo turno porque há uma estratégia muito clara de se aproximar um pouco mais da realidade do Nordeste”, diz. “E no interior dos Estados, muitas famílias são dependentes não só do Bolsa Família como também outros programas sociais do Governo Federal”.

Por outro lado, ela acredita que os eleitores de Haddad podem frear esse avanço por meio do combate às notícias falsas. “Agora no segundo turno, existe uma militância contrária [a Bolsonaro] que está tentando frear sua influência, desfazendo os boatos criados no primeiro turno que reverteram votos para ele”, diz. “O que vai garantir segurar o crescimento de Bolsonaro é essa militância que tem freado as fake news. Só não acho que há tempo suficiente para que essa resistência se reverta numa melhoria considerável da situação Haddad”, pondera. A campanha de Bolsonaro, muito mais emocional, em oposição à campanha racional de Haddad, também conta vantagem para o capitão, dizem alguns marqueteiros.

Ainda para Luciana Santana, a influência exercida pelas igrejas evangélicas colaborou para o avanço do opositor ao PT na região. "O eleitorado que Lula perdeu no Nordeste foi muito influenciado pela igreja", afirma. No país, 70% dos praticantes da religião afirmam preferir Bolsonaro. Do outro lado, a tentativa de Haddad de criar uma frente ampla do campo progressista naufragou. Até o momento, ele não recebeu nenhum apoio consistente de figuras influentes na área. Ciro Gomes (PDT), o único nordestino na disputa no primeiro turno, declarou, por meio de nota, um discreto e frio apoio ao petista após ficar em terceiro lugar na eleição.

A busca por aliados que possam segurar o petista entre o eleitorado nordestino ainda não decolou. Coordenadores de sua campanha afirmam que "está prevista" alguma viagem de Haddad ao Nordeste, mas não dizem quando e nem para onde seria. Se no primeiro turno o ex-prefeito paulistano foi o candidato que mais esteve no Nordeste, até agora ele ainda não colocou os pés e nem a cabeça para fora de São Paulo, onde tem, basicamente, gravado programas, atendido à imprensa e tentado costurar possíveis apoios.

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