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Um século de registros mostra que o rio Amazonas está se descontrolando

As cheias se tornaram cinco vezes mais frequentes e mais intensas nas últimas décadas

Crescida do rio em Itacoatiara, no estado de Amazonas, em 2009.
Crescida do rio em Itacoatiara, no estado de Amazonas, em 2009.Jochen Schöngart
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O rio mais longo e caudaloso do planeta está escapando do controle. Há três décadas, o ciclo natural de cheias e secas do Amazonas vem se acelerando: ambos os fatos ocorrem cada vez mais. Especificamente, registros iniciados no começo do século XX mostram que a frequência das enchentes extremas é cinco vezes maior que antes. Embora não seja o único fator, o aquecimento global provocado pelos humanos parece estar por trás.

Desde 1903, todos os dias o nível das águas do rio Negro (um dos principais afluentes do Amazonas) é medido na sua passagem pelo porto de Manaus. Rio abaixo, à altura da localidade de Óbidos, faz-se o mesmo desde 1970. Aqui, já no curso principal do Amazonas, o rio se estreita a 1.700 metros de largura. Com esses dois registros, um grupo de pesquisadores pode acompanhar a evolução do ciclo de enchentes e secas nesta imensa artéria de água.

Os resultados do estudo, publicados na Science Advances, mostram que os eventos extremos são cada vez mais frequentes. Sejam as cheias, com altas de até 20 metros no nível do rio em Manaus, e reduções na cota dos 13 metros, o ciclo se acelerou. Entretanto, enquanto as secas aumentam de forma quase linear, as cheias se multiplicaram por cinco. Até a segunda metade do século passado, a frequência de secas e cheias ocorria quase em paralelo, com um evento extremo a cada 20 anos. Agora, as cheias ocorrem a cada quatro anos.

O rio Negro, na sua passagem por Manaus, chega a alcançar uma profundidade superior a 29 metros durante as cheias

Mais ainda, as subidas extremas do nível da água, além de mais frequentes, se tornaram também mais intensas: tendem mais vezes a alcançar a cota de 29 metros, e por mais tempo. Por exemplo, nos episódios de 2009 e 2012, o pico da água superou os 20 metros, levando 70 dias para recuperar os níveis normais. No caso das secas, esse aumento da intensidade dos eventos não foi observado.

“O incremento de secas severas na bacia amazônica tem monopolizado a atenção dos pesquisadores, Entretanto, o realmente destacável desse registro de longo prazo do rio é o aumento na frequência e intensidade das cheias. Com poucas exceções, houve elevações extremas na bacia amazônica todos os anos entre 2009 e 2015”, disse o autor principal do estudo, Jonathan Barichivich, da Universidade Austral do Chile.

A causa das cheias está no céu. Há uma relação quase mecânica entre precipitações e a dinâmica do ciclo hidrológico do Amazonas. Assim, deve estar nas nuvens a explicação do progressivo descontrole do rio. Segundo o estudo, o aumento dos eventos extremos estaria sendo influenciado pelo fortalecimento da circulação de Walker, um complexo sistema de circulação de correntes atmosféricas movido pelas diferenças de temperatura e pressão do ar na seção tropical do Pacífico e, por outro lado, pelo aquecimento das águas no lado oposto, no oceano Atlântico. A dinâmica desses ares determina o padrão de chuvas sobre o Amazonas, influindo em fenômenos como a oscilação térmica El Niño e em todo o clima do planeta.

A causa poderia estar na alteração das correntes atmosféricas sobre o Pacífico e o Atlântico

O professor da escola de geografia da Universidade de Leeds (Reino Unido) e coautor do estudo comenta: “Este drástico aumento das enchentes é provocado por mudanças nos mares circundantes, em especial o Pacífico e o Atlântico e sua interação entre eles. Devido a um forte aquecimento do oceano Atlântico e o esfriamento do Pacífico no mesmo período, observam-se mudanças na circulação de Walker, o que afeta as precipitações sobre o Amazonas”.

Quanto às causas, os investigadores não têm muita certeza. Boa parte deste padrão pode ser decorrente de uma variabilidade natural que pode operar em períodos muito longos, superiores ao início dos registros em 1903. Mas a mudança climática, com seu aquecimento global, está afetando os padrões da circulação atmosférica global, e a circulação de Walker faz parte dessa espécie de correia transportadora de ar que governa o clima.

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