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Sebastián Rodriguez | Advogado do Center for Reproductive Rights

“Existem fundamentos legais para que o Supremo legalize o aborto no Brasil”

A partir desta sexta-feira, STF realiza audiências públicas para tratar sobre ação do PSOL que pede pela descriminalização do procedimento até o terceiro mês de gravidez em todos os casos

Mulheres pela descriminalização do aborto fazem ato no Rio, em março de 2016.
Mulheres pela descriminalização do aborto fazem ato no Rio, em março de 2016.Fernando Frazão (Ag. Brasil)
Felipe Betim

O direito das mulheres a fazer um aborto legalmente até a 12ª semana de gravidez é um dos temas que mais divide progressistas e conversadores no Brasil — e no mundo. O Supremo Tribunal Federal se debruçará sobre o tema e realizará nesta sexta-feira, 3 de agosto, e na próxima segunda, 6, uma audiência pública com o objetivo de ouvir especialistas, instituições e organizações nacionais e internacionais envolvidos com o tema. Um dos que estarão presentes é Sebastián Rodríguez, advogado para a América Latina e o Caribe do Center for Reproductive Rights, uma ONG que atua judicialmente em cortes constitucionais e internacionais em casos envolvendo os direitos reprodutivos e das mulheres. "Existem fundamentos legais para que o Supremo legalize o aborto em todos os casos", garante ao EL PAÍS.

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O Supremo analisará a ação protocolada em 2017 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pela Anis - Instituto de Bioética a partir da história de Rebeca Mendes, uma brasileira que fez um aborto legalmente na Colômbia —onde há restrições para o procedimento, que no entanto é permitido, desde 2006, caso represente um perigo para a saúde física ou mental da mulher. Pedem para que os artigos 124 e 126 do Código Penal brasileiro que criminalizam o aborto sejam considerados incompatíveis com a Constituição de 1988. A lei prevê que, caso feito ilegalmente, a mulher pode ser punida com uma pena de um a três anos de prisão, enquanto o médico responsável pelo procedimento pode pegar uma pena de até quatro anos.

"O Direito Internacional dos Direitos Humanos reconheceu e recomendou descriminalizar o aborto em todos os casos. Nesse sentido, nosso argumento é o de que, de acordo com o Direito Constitucional brasileiro, existe uma obrigação de incorporar vários estândares internacionais em seu ordenamento legal", explica Rodríguez. O objetivo da audiência pública desta sexta é que os ministros do Supremo escutem argumentos favoráveis e contrários a descriminalização e possam se valer de informações. "Faremos uma análise de como a jurisprudência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos [da OEA] pode ser aplicada no ordenamento jurídico nacional, assim como a jurisprudência da Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas". Não há previsão de quando o tema será votado.

Atualmente, o Brasil permite o aborto em três casos: quando a mulher sofre um estupro, quando o feto é anencéfalo ou quando a gestação representa um risco para a vida da mulher. Trata-se de uma legislação mais avançada que a de países como Nicarágua, que proíbe o aborto em qualquer caso. Ainda assim, a lei atual pouco fez para diminuir o número de procedimentos ilegais. Segundo a última Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), divulgada em 2016, cerca de 500.000 mulheres realizaram um aborto clandestino no ano anterior. Já o Ministério da Saúde fala de 9,5 milhões a 12 milhões de abortos inseguros —através de remédios, chás abortivos ou procedimentos em clínicas clandestinas— entre 2008 e 2017, os quais geraram um custo de quase 500 milhões de reais para o SUS, que não raramente tem que internar e tratar as mulheres que sofrem complicações após os procedimentos.

Um levantamento da Defensoria Pública do Rio de 2005 a 2017 mostra que a maioria das mulheres que respondem na Justiça são pobres, negras e com baixa escolaridade. São elas também as que mais morrem devido em procedimentos inseguros —ao menos quatro por dia, segundo dados de 2015 e 2016 do Ministério da Saúde— já que não podem arcar com os altos custos de uma clínica abortiva em boas condições.

Os países que legalizaram o procedimento atravessaram caminhos diferentes: passaram por plebiscitos e referendos (Portugal e Irlanda), por votações no Legislativo (Espanha e Alemanha) ou por decisões das cortes constitucionais (Estados Unidos e Canadá). Mesmo nos casos em que a população ou o Parlamento votaram a favor, foi preciso que os tribunais constitucionais referendassem a decisão. "O problema é quando você converte o tema em uma conversa política. Mas, ao fazer uma análise estrita do Direito, existe a jurisprudência comparada dos EUA, Canadá, Alemanha ou Portugal que dão peso aos argumentos legais e poderiam orientar os ministros do STF", argumenta Rodríguez.

No Brasil, o debate sobre o aborto no Congresso está engessado por uma classe política majoritariamente conservadora que, baseada em uma opinião pública também conservadora, não se atreve a levar adiante projetos de lei. Pelo contrário: em 2015, a bancada evangélica conseguiu aprovar em uma comissão da Câmara o Projeto de Lei 5069/13, de autoria do preso e condenado Eduardo Cunha (MDB), que dificulta o atendimento médico das mulheres vítimas de estupro. Os contrários a interrupção da gravidez se baseiam em questões morais e religiosas e argumentam que vida começa na concepção e que cabe protegê-la. Também dizem que a permissão poderia aumentar o número de aborto —os dados dos países que legalizaram o procedimento mostram justamente o contrário. Mas o debate vem se acirrando no Brasil, empurrado por um emergente movimento feminista no país e no mundo e pelas inúmeras manifestações, nas ruas e nos espaços de discussão, favoráveis a interrupção da gravidez. Argumentam que se trata de um tema de saúde pública e do direito da mulher a decidir sobre sua vida e seu corpo, além da evidência científica de que a vida só começa de fato após a 12ª semana de gravidez. Resta, portanto, a opção de levar o tema para o STF para que este decida.

"O importante é entender que a legalização do aborto nas 12 primeiras semanas é um assunto de saúde pública. Quem deve ter a voz nesse caso é o setor médico, com argumentos científicos. Se vamos ficar discutindo sobre quando começa a vida, existem muitas posições e não vamos sair disso", argumenta Rodríguez. "Nos EUA, a Corte Suprema reconhece que não vai se chegar a um consenso precisamente por causa de diferenças políticas sobre o direito a vida, e quando começa a vida. Nesse sentido, fez uma análise estritamente legal baseada no direito à privacidade e direito à cidadania, sobre se há os direitos humanos da mulher estão sendo feridos ou não", acrescenta o advogado.

Para ele, nem sempre o legislativo é o espaço mais adequado para se decidir sobre o assunto e acredita que cabe ao STF proteger os direitos das minorias. "A separação de poderes permite que o Supremo tenha o poder judicial para revisar a jurisprudência e determinar se trata-se de uma decisão política ou judicial", explica. "Quando estamos falando de uma decisão simplesmente política, não podemos falar que estamos num ambiente democrático. Porque se as pessoas a favor do aborto são uma minoria, essa minoria nunca será escutada no Legislativo. Então legalizar o aborto é uma questão de democracia, e o Supremo tem o trabalho de representar os interesses das minorias a partir de uma análise estritamente legal", acrescenta.

O STF vem sendo progressista em decisões do tipo, o que anima os defensores da legalização do aborto. Foi a corte que liberou as pesquisas com células-tronco embrionárias, em 2008, permitiu as uniões civis homoafetivas, em 2011, e legalizou o aborto de fetos anencéfalos, em 2012. Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça aprovou em 2013 uma resolução que obrigava os cartórios a realizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com base na decisão do Supremo dois anos antes. "A jurisprudência do STF é progressista e reconhecida globalmente, o que pode gerar uma corrente que pode chegar em outros países", diz Rodríguez. Uma corrente que, aliás, já existe: a Câmara dos Deputados da Argentina aprovou recentemente a legalização do aborto até a 12ª semana de gravidez —a decisão final cabe ao Senado, em 8 de agosto—, enquanto que a Irlanda liberou o procedimento em maio deste ano via referendo. Já o Chile, historicamente restritivo, igualou no ano passado sua legislação à brasileira. "Esperamos que o STF assuma sua liderança de maneira responsável, já que uma decisão negativa também pode gerar um precedente negativo em outros países", conclui o advogado.

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