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Ultraconservadores continuam sua batalha contra o aborto na Europa

Grupos que se opõem aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres aumentam a ofensiva. Polônia e Eslováquia discutem leis mais severas sobre a interrupção da gravidez

Manifestação em Varsóvia contra a reforma que propõe endurecer ainda mais a lei do aborto na Polônia, em março.
Manifestação em Varsóvia contra a reforma que propõe endurecer ainda mais a lei do aborto na Polônia, em março.Getty Images
María R. Sahuquillo

Há anos os movimentos ultraconservadores de todo o mundo tomaram o corpo da mulher como campo de batalha ideológico. E encorajados pela deriva dos Estados Unidos, onde têm conseguido várias vitórias desde a chegada de Donald Trump ao poder, e em estado de alerta pelo avanço da onda do feminismo global que sacode tudo, as organizações antidireitos na Europa aumentaram sua ofensiva. O direito ao aborto está ameaçado em vários países da Europa do Leste, como Polônia e Eslováquia, onde os grupos antidireitos se mobilizam para combater o avanço dos direitos sexuais e reprodutivos. Agora, depois do fracasso de sua campanha contra a legalização do aborto na Irlanda, lutarão para que a nova lei seja a mais rigorosa possível e que o caminho das mulheres para ter acesso ao benefício seja complexo.

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Esse é o caso da Polônia, o país da UE com a lei mais restritiva, depois de Malta –onde o aborto é totalmente proibido– e por pouco tempo agora a Irlanda, onde os cidadãos decidiram legalizá-lo em um referendo histórico. No Gigante do Leste, onde esses grupos utraconservadores são muito fortes e são apoiados pelo Governo ultracatólico e nacionalista pela força da Igreja, o aborto só é permitido em caso de estupro, risco grave para a saúde da mulher e anomalias fetais graves. Lá, essas organizações lideraram um projeto de Lei e Justiça (PiS) de iniciativa popular que está sendo estudado pelo Executivo para proibir essa intervenção em casos de má formação fetal. Algo que na prática implica que a Polônia deixaria de realizar abortos, já que 96% dessas intervenções são feitas nessa situação: cerca de mil por ano.

A lei é tão severa na Polônia que as mulheres são obrigadas a viajar para o exterior para fazer um aborto, mesmo que estejam enquadradas em um dos casos legais; ou a recorrer a um aborto clandestino, muitas vezes com pílulas compradas pela Internet ou no mercado ilegal. Uma realidade que custou à Polônia várias condenações do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que simplesmente ignorou-as. Em 2015, a mobilização popular e a pressão internacional obrigou o Governo polonês a retirar outra proposta para reduzir os direitos das mulheres, um exemplo que as organizações de mulheres e grupos de direitos civis esperam repetir com esta nova tentativa de restringir direitos.

Mulheres portam cabides (faz anos usavam-se em abortos clandestinos) em uma manifestação em Varsóvia em março.
Mulheres portam cabides (faz anos usavam-se em abortos clandestinos) em uma manifestação em Varsóvia em março.JANEK SKARZYNSKI (AFP/Getty Images)

Na Espanha, o Governo de Mariano Rajoy também teve que retirar um projeto de lei que endurecia a lei atual, que permite que as mulheres abortem sem justificar a decisão até a 14ª semana de gravidez. Depois das manifestações em massa das mulheres, a lei não foi adiante –mas apenas um parágrafo que diminuía os direitos das menores de 16 e 17 anos– e o então ministro da Justiça, Alberto Ruiz Gallardón, renunciou.

Tais casos não impedem esses grupos de lutar. Na Eslováquia, onde a lei permite o aborto sem explicações até a 12ª semana– uma 'lei de prazos', como na maioria dos países da UE–, o partido radical e neonazista Kotleba propôs no Parlamento a limitação dessa intervenção apenas a casos de estupro, risco para a vida da mulher ou quando forem detectadas anomalias fetais graves. Organizações ultracristãs e alguns deputados conservadores apoiam a iniciativa no país do Leste, de 5,4 milhões de habitantes, onde um bom número de polonesas aborta e onde são praticadas mais de 6.000 interrupções por ano.

"Aumentou o ataque aos direitos fundamentais na Europa, onde as organizações ultraconservadoras ganharam força e influência graças ao fato de disporem de fundos", diz a deputada conservadora sueca Ulrika Karlson, presidenta da União Interparlamentar. Fundos, por outro lado, provenientes de doações particulares que são opacas e difíceis de quantificar. Além disso, embora esses lobbies não sejam muito numerosos, têm grandes financiadores e apoiadores-chave nos legislativos nacionais e do Parlamento Europeu, como também aponta Neil Datta, secretário-geral do Fórum Europeu de População e Desenvolvimento e um dos principais especialistas em grupos antidireitos da Europa, em sua análise Restabelecer a ordem natural.

Judicializar o debate

Entidades como Hazte Oír (Espanha), Ordo Iuris (Polônia), La Manif pour Tous (França) e In the Name of the Family (Croácia), estão bem conectadas entre si –e fundaram a iniciativa europeia Uno de Nosotros– e com organizações similares nos Estados Unidos. Sua estratégia sobre direitos reprodutivos é semelhante em todos os países: tentam endurecer as leis por meio de projetos de lei de iniciativa popular ou judicializar o debate para fazê-lo por meio da jurisprudência, nacional ou europeia.

Esta última possibilidade é usada na Noruega e na Suécia, onde o panorama social e político torna quase impossível reverter no Parlamento os direitos conquistados há décadas. Por isso, essas organizações usam outra estratégia e denunciaram os dois países no Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Alegam que as autoridades não garantem a proteção à objeção de consciência dos profissionais de saúde. Em um dos casos que chegou a julgamento, esses grupos de pressão afirmam que a Suécia discriminou uma parteira que se recusou a participar de tudo que estava relacionado às interrupções voluntárias da gravidez. Na Noruega, esses grupos exigem que um médico de família tenha o direito de se recusar a prescrever anticoncepcionais. Seu foco é a Espanha, onde obtiveram uma vitória histórica quando o Tribunal Constitucional reconheceu o direito de um farmacêutico de não vender a pílula do dia seguinte por objeção de consciência.

Manifestação contra a ratificação do Convênio de Istambul em Zagreb, o passado março.
Manifestação contra a ratificação do Convênio de Istambul em Zagreb, o passado março.AFP/Getty Images

Com essas manobras pretendem se aproximar do caso da Itália, onde, apesar da lei –que permite o aborto–, é muito difícil para as mulheres terem acesso ao benefício. Lá, 70% dos médicos se recusam a praticar essas intervenções, alegando que é contrária à sua consciência (e atinge 90% em algumas regiões). E a Itália, apesar das sentenças do Tribunal de Estrasburgo, não corrigiu sua lei para garantir o direito das mulheres a interromper a gravidez, o que gera importantes problemas de saúde pública.

A batalha sobre o aborto, além disso, não é a única desses grupos antidireitos. Também atacam o direito das mulheres ao acesso a exames médicos –como ultrassonografias–, à contracepção e à igualdade de gênero. Nos últimos meses, por exemplo, estão pressionando para impedir a assinatura da Convenção de Istambul, para a prevenção e luta contra a violência sexista, na Bulgária, Croácia e Polônia, que ainda não a assinaram. Por enquanto, depois da mobilização, conseguiram que o Governo búlgaro se recusasse a ratificá-la.

Também conseguiram vitórias importantes na Croácia e na Eslovênia para deter as leis de casamento igualitário e equiparação de direitos para casais do mesmo sexo. Seu objetivo agora é a Romênia, onde depois de um projeto de lei de iniciativa popular dessas organizações será votada em um referendo a mudança da Constituição para explicitar que o casamento "é a união entre um homem e uma mulher".

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