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Coluna
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Por que Lula já ganhou?

A tragicomédia judicial do domingo serviu para deixar mais a descoberto a fragilidade de todo o sistema jurídico brasileiro, que ameaça contagiar o restante das instituições

Juan Arias
Lula discursa no Fórum Social Mundial de Salvador (BA) em março deste ano
Lula discursa no Fórum Social Mundial de Salvador (BA) em março deste anoLUCIO TAVORA (AFP)
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O dia de ontem, 8 de julho, foi apelidado de “domingo da loucura judicial”. E é possível que seja lembrado como a data em que Lula ganhou uma batalha maior que a de sua libertação. Graças a tudo o que se mobilizou em torno de sua luta judicial, cuja condenação em segunda instância o impede de disputar as eleições presidenciais apesar de estar à frente nas pesquisas, o Brasil descobriu que seu sistema judicial está podre.

Foi a importância da figura política e mítica de Lula posta em discussão o que levou toda a cadeia jurídica, da primeira instância ao Supremo, a descobrir a urgência de uma reforma que não pode esperar mais, sob pena de uma convulsão social. Lula continua na prisão e é possível que novas condenação caiam sobre sua cabeça, embora ninguém seja capaz de profetizar seu futuro. O que é certo mesmo é que Lula, inocente ou culpado, fez ver que o rei supremo da Justiça está nu. Foi ele quem atiçou o fogo, e os ratos, que sempre existiram, começaram a sair de suas tocas.

Não foi um simples plantonista, entre ingênuo e malicioso, que provocou a tempestade, com seu desejo de não ficar atrás na corrida de egos que atravessa, por exemplo o Supremo. Se Dias Toffoli, por sua conta e risco, com uma decisão monocrática que contradizia a do colegiado do Supremo, tirou da prisão José Dirceu, condenado a 30 anos, por que ele não poderia libertar Lula?

A tragicomédia judicial do domingo serviu para deixar mais a descoberto, se possível, a fragilidade de todo o sistema jurídico brasileiro que ameaça contagiar o restante das instituições. O caso Lula poderá um dia ser estudado como o revulsivo que revelou que não dá mais para esperar a reforma da Justiça, a começar pelo Supremo, cada vez mais se revelando, com o espetáculo pouco exemplar do protagonismo dos altos magistrados, o ponto crucial de toda a insegurança política e até social que agita o Brasil.

Já não resta dúvida de que o espetáculo oferecido pelos ministros da alta corte chegou ao ápice. A guerra de egos entre os 11 juízes supremos é evidente até para os analfabetos do país. Hoje magistrados como Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Barroso e Carmem Lucia são mais protagonistas em nível popular que muitos atores das novelas, o que é uma aberração democrática.

Ou o Brasil recompõe a legalidade jurídica ou a crise política já em curso com ameaças de volta aos tempos obscuros do autoritarismo acabará se agravando. É nas águas da insegurança jurídica que melhor se reproduzem as bactérias de todos os totalitarismos.

Uma das tarefas mais urgentes do novo presidente da República será pôr ordem nos tribunais e mudar um Supremo que parece estar agindo mais na pequena política partidária do que na defesa da Constituição. É urgente uma reforma profunda da instituição que deveria ser a coluna mestra das demais instituições. É urgente renovar o sistema de escolha dos magistrados para que não acabem sendo meros seguidores de quem os nomeou. É urgente despojar o Supremo das funções meramente judiciais que o levam às vezes ao limite do ridículo, tendo que julgar um habeas corpus de um condenado por ter roubado um par de tênis usados. É urgente retirar-lhes a vaidade de que votos intermináveis e crípticos sejam televisionados. Se por um lado isso pode ser visto como uma abertura democrática, acaba sendo um caldo de cultura da vaidade dos togados.

É possível que sem o caso Lula, que ainda não sabemos como será resolvido pessoalmente, os reis do Supremo seguissem protegidos pela reverência de suas togas capazes de ocultar pequenas e mesquinhas misérias que acabam envenenando não só a política, como também a confiança na Justiça. Lula, embora através do paradoxo de sua condenação, está servindo para que todo o Brasil, dada a notoriedade de seu caso penal, esteja descobrindo que a deusa grega da justiça está arrancando a venda de seus olhos ficando livre para tentações inconfessáveis.

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