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“Vamos nos arriscar a ir aos Estados Unidos, não podemos voltar”

Separação de famílias na fronteira dos Estados Unidos ainda não funciona como dissuasão para os que fogem da violência e da miséria

Pablo Ximénez de Sandoval
Rafael Castillo, Georgina Ayala e seus filhos, na segunda-feira em um albergue de Tijuana, onde esperam para atravessar aos Estados Unidos.
Rafael Castillo, Georgina Ayala e seus filhos, na segunda-feira em um albergue de Tijuana, onde esperam para atravessar aos Estados Unidos.P.X.S.

É preciso algo mais do que Donald Trump para amedrontar Rafael Castillo. Em 2 de maio, na hora da refeição, terminou seu trabalho colhendo limões em um campo de Apatzingán, Michoacán, no México. Depois de cumprimentar seus pais, se dirigia para casa quando recebeu uma ligação: “Acabam de matar seus irmãos”. Pistoleiros atiraram em dois de seus irmãos na frente de seus pais. De noite, caminhonetes com homens armados esperavam-no em sua casa. Uma amiga de sua esposa comprou-lhes imediatamente passagens de avião a Tijuana para eles e seus três filhos, onde chegaram com a roupa do corpo no dia 3 de maio.

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Castillo, de 44 anos, contou sua história na segunda-feira, acompanhado de sua esposa, Georgina Ayala, e seus filhos no refúgio Juventud 2000, um dos que abrigam imigrantes em Tijuana que esperam atravessar a fronteira. Eles fogem da violência em Michoacán, outros das quadrilhas de El Salvador, outros simplesmente da miséria. Em mais de 50 tendas de campanha em um galpão com teto de alumínio, 107 pessoas aguardavam na segunda-feira sua vez de se apresentar no posto de entrada de San Ysidro, Califórnia, e pedir aos Estados Unidos que lhes deem uma oportunidade. Vêm famílias completas. Existem dezenas de crianças.

Essas famílias chegam à fronteira com os Estados Unidos em um momento em que o país tenta dissuadir a imigração atacando as crianças. O Governo de Donald Trump, através do promotor geral, Jeff Sessions, ordenou que todos que tentarem atravessar ilegalmente sejam acusados criminalmente (até agora eram processados por via administrativa). Isso se chama “tolerância zero”.

A consequência é que os imigrantes são enviados à prisão antes de ser deportados e, como qualquer adulto em prisão preventiva, não podem ficar com seus filhos, que passam à custódia dos serviços sociais do Governo. Na prática, o Governo dos EUA está separando as famílias para dissuadir a chegada de imigrantes, segundo confissão própria. O país se encontra submerso em uma grave polêmica, no mais alto nível político, sobre os direitos humanos dos imigrantes.

Carmen, Josué e seus três filhos, na segunda-feira em Tijuana. São salvadorenhos e esperam pedir asilo nos Estados Unidos.
Carmen, Josué e seus três filhos, na segunda-feira em Tijuana. São salvadorenhos e esperam pedir asilo nos Estados Unidos.P. X. S.

É cedo para saber se a dissuasão está funcionando. Mas em Tijuana, na segunda-feira, não. “Vamos correr o risco. Não podemos voltar para Michoacán. Vamos ver o que acontece”, diz Castillo. “Voltar é se entregar” aos assassinos, acrescenta Ochoa. Em teoria, essa famílias farão o que o promotor geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, diz que todo mundo que quer entrar no país precisa fazer. Devem se apresentar a um posto de entrada e expor seu caso para pedir asilo. Não pensam em atravessar ilegalmente, disseram na segunda-feira. Alguns advogados de imigrantes, entretanto, indicam que não têm nenhuma garantia de que continuarão juntos do outro lado, assim como ser deportados juntos.

Por esse mesmo refúgio de Tijuana passou no começo de maio parte da chamada caravana imigrante, um grupo de 400 pessoas que chegaram juntas da América Central. Fizeram o mesmo que centenas de pessoas a cada dia, expor seu caso na guarita e pedir asilo. Alex Mensing, assessor legal e coordenador do mencionado grupo de imigrantes, afirma que em seis casos as crianças foram separadas de seus pais sem explicação por parte da polícia de imigração. Uma das razões para isso pode ser que a polícia acredite que não sejam uma família real (um protocolo para descobrir coyotestraficantes de pessoas – que estejam fazendo isso com crianças). “Todos estavam com certidões de nascimento das crianças e declarações juramentadas”, afirma Mensing. A quantidade de famílias separadas após entrar ilegalmente é incomum, afirma.

A margem de interpretação das leis de asilo e de imigração é muito ampla, e o Governo dos Estados Unidos está decidido a reduzir essa discricionariedade obrigando a aplicar sempre a possibilidade mais restritiva. “Não há nenhuma garantia de que essas famílias de Tijuana não sejam separadas”, diz Alex Mensing, apesar de entrarem no país exatamente como Jeff Sessions pediu-lhes que o façam.

Humberto Solán e suas três filhas, na segunda-feira em Tijuana.
Humberto Solán e suas três filhas, na segunda-feira em Tijuana.P. X. S.

Mesmo se a separação não for definitiva e eventualmente a família se reunir, devem saber que os adultos podem ficar “de 8 a 10 meses” presos esperando uma decisão enquanto as crianças ficam separadas sob a custódia dos serviços sociais. Há quem não suporta e pede que seja deportado, afirma. Da caravana que entrou em 5 de maio, 50 adultos continuam presos e separados de seus filhos.

As histórias dos imigrantes revelam pelo menos dois fatores que fazem com que a dissuasão não funcione. Primeiro, que alguns realmente passam com seus filhos e ficam juntos. E mandam fotos ao outro lado que enchem de esperança os demais. A outra, que tudo o que fica para trás é pior. Carmen, que leva em seus braços sua filha Amber, de 10 meses, fugiu de seu bairro de San Salvador porque um membro da quadrilha Mara 18 colocou seus olhos nela e a ameaçou de morte caso não cedesse aos seus caprichos. Está em Tijuana com seu marido, Josué, e seus três filhos para pedir asilo. Ela ouviu sobre a política de Trump. “Não me faz mudar de opinião. Se meus filhos ficarem lá (e ela for deportada) tenho a esperança de voltar a vê-los. Em meu país só a morte me espera”.

“A grande maioria sabe”, da separação das famílias, diz José María García Lara, diretor do albergue. “Apesar disso, têm a intenção de atravessar”. Até os que sabem que seu caso não dá direito a nenhuma proteção e se afastam de Tijuana por muitos quilômetros para tentar entrar ilegalmente. “Eles se importam mais pela necessidade de segurança que têm do que o que pode acontecer-lhes. Eu estou resignado. É assim. Imagine que sua família estivesse em risco, essa seria a forma lógica de pensar de qualquer um”.

Como diz Alex Mensing, a dissuasão “funcionaria se pudéssemos fazer coisas a eles que fossem piores do que aquilo de que estão fugindo. Mas então, o que queremos ser? Piores do que as quadrilhas?”.

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