Trump rompe pacto nuclear com o Irã e reimpõe sanções
Presidente dos EUA divide o Ocidente e abre uma era de instabilidade na região mais explosiva do planeta
Donald Trump voltou a dar as costas ao mundo. No passo mais controvertido de seu mandato, o presidente dos Estados Unidos rompeu o acordo nuclear com o Irã e reimpôs “em máximo nível” e de forma imediata as sanções contra a República Islâmica. De pouco serviu a pressão combinada da França, Alemanha e Reino Unido. Tampouco o freou o risco de que Oriente Médio despenque pela ladeira nuclear. Porta-estandarte do isolamento, Trump decidiu fraturar o Ocidente e abrir uma era de instabilidade na região mais explosiva do planeta. “Minha mensagem é clara: os EUA não lançam ameaças vazias”, afirmou.
Trump volta à sua origem. O ponto de partida que nunca abandonou. Alimentar o voto radical e destruir o legado de Barack Obama. Esse é o algoritmo que define seus movimentos. Não é acaso nem imprevisibilidade. Trata-se de cumprir a doutrina da América Primeiro, muito antes que manter a sintonia internacional. Ocorreu com a saída do Pacto contra a Mudança Climática, com o Acordo Transpacífico, com o degelo com Cuba, com o veto aos muçulmanos, com os dreamers… E agora aconteceu com o Irã.
“O acordo se baseava numa gigantesca ficção: que um regime assassino desejava só um programa nuclear pacífico. Se não fizéssemos nada, o maior patrocinador mundial do terrorismo obteria em pouco tempo a mais perigosa das armas”, disse Trump.
O solavanco é planetário. O acordo, alcançado em 14 de julho de 2015 em Viena, foi forjado após dois anos de negociação. Seu objetivo imediato era desativar durante pelo menos uma década o acesso iraniano à bomba atômica, em troca de suspender as sanções econômicas que asfixiavam o regime. Mas no longo prazo representava um passo muito mais importante. Demonstrava que dois inimigos acérrimos, depois de 35 anos arreganhando os dentes, podiam dar as mãos e rebaixar a tensão nuclear. O texto era avalizado também por outras cinco potências (China, Rússia, França, Reino Unido e Alemanha) e servia como um estabilizador frente às pressões contínuas de Israel e Arábia Saudita, cuja desconfiança com relação a Teerã nunca desapareceu.
Tudo isso fica agora em situação precária. O acordo nuclear não tem mecanismo de saída, e ao reativar as sanções os EUA rompem unilateralmente o que foi assinado. O resultado é difícil de calcular. O Irã pode abandonar o pacto alegando seu descumprimento por Washington e reiniciar o programa nuclear. E sobre os aliados se abate a ameaça das penalizações. Além de castigar o banco central iraniano, um pacote aprovado pelo Congresso em 2012 dificultava extraordinariamente as operações financeiras nos EUA por parte de quem mantivesse transações com a República Islâmica. Algo que fizeram nos últimos anos países muito amigos de Washington, como a França (a petroleira Total lidera um consórcio que anunciou investimentos em gás no valor de 4,8 bilhões de dólares).
O dano é amplo, e os perdedores são muitos. Talvez o único ganhador seja, por enquanto, Israel. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu sempre viu a pretendida paz nuclear como uma ficção. Não lhe serviu que o Irã cumpra escrupulosamente os termos do acordo. Nem que o enriquecimento de urânio e plutônio tenha sido bloqueado, que as instalações para isso fossem fechadas, e que a maior parte do combustível atômico do Irã tenha sido retirada do seu território. Para Netanyahu, o texto não coloca um ponto final ao programa atômico, apenas o adia em busca de uma recuperação econômica que permita retomá-lo com mais força.
Trump, já como candidato e hoje mesmo, adotou este argumento como seu. Em campanha, definiu o pacto como “o pior do mundo”, e sempre que teve ocasião o atacou em público. Em outubro passado, decidiu não validá-lo em sua revisão quadrimestral e deixou ao Congresso a tarefa de determinar seu futuro. Foi um primeiro golpe, embora não definitivo. A Câmara e o Senado, chegando a hora, o devolveram intacto, e em janeiro Trump novamente pôs o relógio em marcha à espera de renegociar o texto. Foi esse prazo que se esgotou nesta semana.
Neste tempo, Trump e seus falcões quiseram deixar seus adversários de mãos atadas. Para isso, como repetiu nesta terça o presidente, exigiram reabrir o acordo e que este incorporasse três alterações: a revogação de uma cláusula que permite reiniciar o programa nuclear, a inclusão de limites ao programa balístico e restrições à ingerência “terrorista e desestabilizadora” de Teerã na região, especialmente Síria e Iêmen.
Essa renegociação foi rejeitada pelos demais signatários e propiciou movimentos de alta diplomacia por parte da França Alemanha e Reino Unido. Quem mais avançou nessa linha foi o presidente francês, Emmanuel Macron, que durante sua recente visita de Estado ofereceu manter o acordo com vida enquanto se negociava outro sobre mísseis e estabilidade regional. A proposta não convenceu Trump.
Diante do próprio Macron, o presidente norte-americano qualificou o Acordo de Viena como “ridículo, demente e ruinoso”. Seu ataque, em plena lua de mel com o presidente francês, recordou a guinada que a Casa Branca empreendeu desde que a ala moderada foi substituída por um grupo de falcões capitaneados pelo secretário de Estado Mike Pompeo, quem, como o mandatário, deu crédito às acusações israelenses de que o Irã teria retomado em segredo seu programa nuclear.
Essa radicalização ideológica situa a ruptura do acordo em um ciclo político que vai além do Oriente Médio e alcança a negociação com a Coreia do Norte. Para os radicais, a sacudida em Teerã permite a Trump mostrar sua força diante de Kim Jong-un e lhe exigir um acordo rigoroso. O próprio Trump apontou isso em seu discurso: “Os EUA não lançam ameaças vazias. Quando prometo algo, mantenho, e agora mesmo Pompeo se dirige à Coreia do Norte. Esperamos alcançar um pacto”.
É uma interpretação que os democratas não compartilham. Para eles, a saída pulveriza a credibilidade dos EUA. “Depois disto, quem pode confiar nos acordos internacionais que os Estados Unidos negociam?”, perguntou-se Ben Rhodes, um dos cérebros do pacto.
Não é uma opinião isolada. A maioria dos especialistas considera que, com a ruptura, a Casa Branca demonstra que qualquer acordo, acima do seu próprio cumprimento, deve se submeter antes à doutrina do América Primeiro. Não é só que o magnata republicano polarize os seus cidadãos. Polariza o mundo. Aumenta a cisão com os aliados, reabre a instabilidade nuclear no Oriente Médio e confere um espaço privilegiado à narrativa israelense. Rompidas as pontes, os Estados Unidos se isolam, e o planeta se torna mais inseguro. Esse é, por enquanto, o legado de Trump.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Mais informações
Arquivado Em
- Acordo nuclear iraniano
- Benjamin Netanyahu
- Emmanuel Macron
- Mike Pompeo
- Tratado nuclear
- Programa nuclear Irã
- Segurança nuclear
- Donald Trump
- Tratados desarmamento
- Armas nucleares
- Estados Unidos
- Tratados internacionais
- Energia nuclear
- América do Norte
- Relações internacionais
- Armamento
- Defesa
- América
- Relações exteriores
- Energia