Suprema vontade: caso Lula explicita como STF navega ao sabor da conjuntura
Uma em cada quatro ações na Corte não tem julgamento concluído na mesma sessão, mas no impeachment houve jornadas maratônicas
Uma das marcas da sessão do Supremo Tribunal Federal que deu salvo-conduto ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi a pressa em parte dos ministros para encerrar o julgamento, mesmo sem analisar o mérito do habeas corpus preventivo pedido pela defesa do petista. Dois deles, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, alegaram que tinham compromissos pessoais ou que a extensão dos trabalhos feria o regimento interno da Corte. Nesta sexta-feira, a presidenta do órgão, Cármen Lúcia, foi além e, em entrevista à rádio Jovem Pan, disse que os trabalhos foram suspensos para evitar a exaustão dos ministros – mesmo que na próxima semana nenhum deles tenha de dar expediente em Brasília por causa dos feriados da Semana Santa. Por essa razão, mesmo que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região mande Lula começar a cumprir sua pena de 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, ele estará protegido pelo menos até o dia 4 de abril, conforme decidiram os ministros.
Apesar de ser mais comum do que se imagina, a suspensão dos trabalhos não ocorreu em várias outras ocasiões, como durante a análise de alguns casos do mensalão ou do rito do impeachment de Dilma Rousseff, em dezembro de 2015. Ou seja, quando querem, os ministros terminam os trabalhos. “A decisão de suspender uma sessão é arbitrária. Não há uma regra que defina o tempo de duração de cada julgamento ou se ele será concluído em uma mesma sessão que iniciou”, explicou Ivar Hartman, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do projeto Supremo em Números.
Interromper um julgamento antes de sua conclusão, como no caso do habeas corpus de Lula, ocorre em 26% dos processos pautados para o plenário. Os dados constam de uma pesquisa realizada por Luiz Fernando Esteves, que é mestre em direito público e professor no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET-RJ). Este pesquisador analisou 684 processos pautados pelo STF entre setembro de 2016 e dezembro de 2017 e concluiu que quase a metade deles (49%) não é sequer julgado. E os 25% restantes são analisados em uma mesma sessão.
As razões para as suspensões são diversas. Podem ser porque não deu tempo de concluir sua análise ou porque algum ministro pediu vistas do processo. Nesse cenário, cria-se um clima de incerteza constante no tribunal. “Essa suspensão influencia na criação de uma certa insegurança. Não existe um parâmetro muito claro do que será incluído na pauta ou quando ele será incluído”, analisou o pesquisador Esteves.
Desde que assumiu a presidência do STF, em setembro de 2016, Cármen Lúcia estabeleceu a prática de publicar pautas mensais. Antes, elas eram semanais e os advogados eram intimados às pressas para irem até Brasília acompanhar um processo que talvez nem fosse julgado. Apesar da tentativa de previsibilidade, não são raros os casos em que um ou outro processo “fure a fila”. E essas mudanças de última hora têm contribuído para um clima hostil entre os ministros da Corte. Na sessão da quinta-feira passada, ao menos dois deles cobraram maior “previsibilidade” da presidenta. Hoje, estão no acervo do Supremo 43.630 processos.
Outro ponto que tem sido criticado entre especialistas que estudam o cotidiano do STF é o tempo de duração dos votos dos ministros. Enquanto advogados e membros do Ministério Público tem 15 minutos para fazerem suas sustentações orais, os ministros podem falar o tempo que quiserem. Se entenderem que devem ficar lendo os seus votos, recheados de argumentos jurídicos e históricos por duas horas, podem fazê-lo. Não há uma regra que os impeçam. Esses longos votos influenciam na demora em se concluir um julgamento.
“Não há necessidade nenhuma de falar por horas. A não ser para alimentar os egos. Os votos poderiam apenas serem apresentados de maneira escrita e debatidos no plenário. Se uma pessoa não consegue transmitir sua mensagem em 15 ou 20 minutos, alguma coisa está errada”, ponderou o professor Hartman. Para que isso ocorresse, era preciso estar determinado no regimento interno da corte.
Se não bastassem as longas argumentações no plenário, os ministros trabalham em Brasília como se segunda ou sexta-feira não fossem dias úteis. As sessões de julgamentos colegiados no STF ocorrem apenas de terça a quinta. Sendo que toda terça-feira, os ministros que também atuam no Tribunal Superior Eleitoral têm de se dividir entre as duas cortes. Tudo previsto na legislação.
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