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Uma noite de cólera no coração de Madri

"Queremos que o bairro queime e que todo mundo fique sabendo”, grita um manifestante. O protesto ocorreu por conta da morte de um vendedor ambulante

Foto: atlas | Vídeo: Víctor Sainz
Julio Núñez

O esqueleto de uma motocicleta continuava cheirando a pneu queimado quando, no começo desta madrugada, um grupo de manifestantes se dirigia à praça Nelson Mandela pela rua Mesón de Paredes, no bairro de Lavapiés, em pleno centro de Madri. No seu caminho, iam gritando insultos à polícia, culpando-a pela morte de um vendedor ambulante ocorrida horas antes, em meio a uma operação de repressão ao comércio informal. “Justiça!”, “Assassinos!”, “Filhos da puta!", clamavam. Na tarde desta quinta-feira, Mame Mbaye, um senegalês de 35 anos, morreu em decorrência de uma parada cardiorrespiratória na rua del Oso. Nesta sexta-feira, a Prefeitura de Madri afirmou que os agentes não chegaram a perseguir o homem antes de sua morte, como relataram várias testemunhas e um colega do vendedor.

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No trajeto da manifestação, cerca de 20 contêineres de lixo queimavam, diante da estupefação de alguns moradores que passavam por ali. “Não tirem fotos, chamem os bombeiros”, pedia uma mulher a um jovem. “Queremos que o bairro queime e que todo mundo fique sabendo, pelo que aconteceu nesta manhã”, respondeu o rapaz, de nacionalidade espanhola. Mbaye, na verdade, morreu por volta das 17h (13h em Brasília).

Na praça Nelson Mandela, mais de 50 magrebinos danificavam a vegetação, quebravam uma cabine telefônica e queimavam as bicicletas públicas. Alguns transeuntes gritavam em seu idioma natal para que não fossem tão violentos e que deixassem de atirar paralelepípedos nas vitrines da praça. Em Lavapiés, 50% da população é de origem estrangeira, e esse é considerado o bairro mais multicultural de Madri, com a maior concentração de associações e movimentos comunitários na capital espanhola.

“Por favor, as árvores não. São para as crianças”, reclamava uma mulher, aos prantos, dirigindo-se a jovens que saltavam sobre algumas delas. “As crianças? Uma pessoa acaba de morrer e você se preocupa com as plantas?”, recriminava um dos manifestantes, com o rosto coberto. Alguns participantes, que se negavam a ser gravados, se armaram com pedras e caminharam em direção à praça Lavapiés. “Você acha que eu não gostaria de viver como você? Precisei fugir do meu país. Não faço mal a ninguém, só vendo roupa, e se a polícia me vê me agride. Por quê? Se você vier ao meu país nós te recebemos com os braços abertos, não com socos”, dizia um mantero (como são conhecidos os vendedores ambulantes na Espanha) a uma moça.

“Que merda de país”, dizia um manifestante. “Merda de país, não. Merda de políticos. Olhe, tem mais brancos do que negros se manifestando. Muita gente está conosco”, retrucou outro. Vários encapuzados quebraram os vidros de uma agência bancária e roubaram vários objetos, como uma televisão e alguns extintores. “Não gravem. Depois vocês contam o que bem entenderem”, gritou um jovem enquanto disparava um pouco de espuma numa câmera de televisão. “Sempre são os mesmos que arrumam confusão nas manifestações. Depois colocam a culpa no pessoal do bairro e nos imigrantes que estamos aqui pacificamente”, gritava um homem em frente ao banco.

“Já chega de maus tratos. Estamos cansados. Estamos reivindicando nossos direitos. O que a polícia fez é totalmente injusto em pleno século XXI. É ilegal e racista. As autoridades espanholas são cúmplices”, declarou um homem magrebino aos jornalistas. Por volta de meia-noite, os agentes começaram a entrar na praça, e a maioria dos manifestantes se dispersou. Alguns deles continuaram atirando pedras do outro extremo da rua Sombrerete, que faz esquina com a rua Amparo, enquanto a tropa de choque da polícia disparava balas de borracha, até que finalmente a manifestação se dissolveu por completo.

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