Muito além do Super Bowl: futebol americano cresce em audiência e praticantes no Brasil
Final da NFL marca encerramento da temporada nos EUA, enquanto, em solo brasileiro, o esporte não para de ganhar popularidade e novos adeptos
Um touchdown de 61 jardas de Stefon Diggs, já com o cronômetro zerado, depois de um passe milagroso do quarterback Case Keenum, definiu a vitória do Minnesota Vikings contra o New Orleans Saints e os colocou na final da Conferência Nacional. Os Vikings, entretanto, perderam por 38 a 7 para o Philadelphia Eagles na decisão, que, por sua vez, classificou o time da Pensilvânia para o Super Bowl LII. Do outro lado, estará o campeão da Conferência Americana: o New England Patriots, comandado por Tom Brady e Bill Belichick, a dupla mais vitoriosa da história da NFL que busca seu sexto troféu Vince Lombardi. Este vocabulário parece algo distante da cultura do público brasileiro, tão acostumado a gols e bolas redondas, mas está cada vez mais presente na realidade de quem busca esportes para assistir em canais pagos; de setembro a fevereiro, período em que acontece a temporada de futebol americano profissional nos Estados Unidos, uma parte cada vez mais relevante da audiência da TV fechada se concentra nesse peculiar esporte.
Segundo dados fornecidos pela ESPN, emissora responsável no Brasil por transmitir ao vivo todos os jogos da temporada de NFL, a audiência do esporte cresceu 78% de 2014 para este ano. O auge veio na final da temporada passada, o Super Bowl LI, disputado entre Patriots e Atlanta Falcons. Conforme diz um informativo publicado pelo canal, a partida, que contou com uma virada épica da equipe de Tom Brady e transmissão ao vivo em algumas salas de cinema do país, fez com que a ESPN liderasse a audiência dentro da TV por assinatura: mais de 754 mil pessoas assistiram ao jogo, com cada telespectador acompanhando 1h32 minutos em média do evento. “A NFL é muito importante para a gente porque o resultado [de envolvimento do público] é sempre muito bom”, explica o diretor de inteligência de mercado do canal, Flávio Pereira. “Foi nosso melhor Super Bowl da história em várias plataformas e no cinema”.
Flávio exemplifica o sucesso através de campanhas criadas pela ESPN, que “sempre ‘explodem’ o social media”. Rômulo Mendonça, um dos narradores da NFL na emissora, diz que a participação é cada vez mais intensa. “A hashtag utilizada nas transmissões naturalmente vai para o topo das mais utilizadas no Twitter sem muito esforço. É uma ação espontânea.”
O consultor de marketing e gestão esportiva, Amir Somoggi, liga essa ação espontânea a uma característica do público da NFL: “Quem vê futebol americano hoje no Brasil são jovens muito ligados às redes sociais”, diz. “Além disso, a maioria da audiência também tem alto poder aquisitivo, já que a ESPN faz parte dos pacotes mais caros de TV paga, e está descontente com o futebol brasileiro, buscando algo para balancear sua atenção, como foi o UFC há uns anos”. É relevante, também, o fato da fase decisiva da NFL acontecer entre dezembro e janeiro, época em que o futebol costuma estar de férias no Brasil.
Somoggi, entretanto, faz ressalvas em relação ao aumento recente da popularidade do futebol americano no país. “É um fenômeno que não pode ser descartado, até porque esses jovens construirão o futuro esportivo do país”, diz. “Mas eles são uma parcela cada vez mais significante de um público bem específico. Comparado a outros esportes, pensando em toda a população, não está nem entre os dez [esportes] mais populares”. O consultor aponta que o entretenimento, a competitividade entre as equipes, os ídolos e o trabalho de mercado da liga são alguns dos fatores responsáveis para que a NFL cresça dentro deste público.
Longe de alcançar a popularidade do futebol no Brasil, o esporte americano ainda não compete com outras modalidades tradicionais por aqui, como vôlei e basquete. “O público de NFL não afeta o público de NBA, por exemplo. Conseguimos bons resultados com o basquete mesmo em canais diferentes”, explica Flávio Pereira – a ESPN também transmite a liga americana de basquete no Brasil. Para Rômulo, o crescimento da influência da NFL no Brasil “é um fenômeno que demonstra ter fôlego para avançar na medida em que o público se acostuma ainda mais com as regras básicas”, mas que “não ameaça os esportes tradicionais”. “Futebol americano é uma cultura nova”, diz Amir Somoggi, explicando que a novidade dificulta o entendimento de quem assiste. “É preciso educar o público sobre o esporte antes de popularizá-lo”. Segundo o consultor, as específicas regras de um jogo da NFL selecionam o público de um modo que as do basquete e vôlei, mais inerentes ao brasileiro, não fazem.
Mais espectadores, mais praticantes
“O aumento da procura pela prática do esporte com certeza vem influenciada pela [maior audiência da] NFL”, comenta Ricardo Trigo, presidente do Corinthians Steamrollers, uma das equipes de futebol americano no Brasil. Consequência do conhecimento cada vez maior a respeito do esporte, o número de praticantes segue a tendência do número de espectadores. “O esporte está crescendo muito”, afirma Ítalo Mingoni, consultor da Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA), “de forma que a Confederação tem a preocupação de fazer investimentos para que isso aconteça de modo ordenado, sustentável e efetivo”.
A CBFA divide as modalidades masculina e feminina nas categorias full pad (ou tackle) e flag – o primeiro é caracterizado pelas regras semelhantes às do esporte usadas nos EUA, enquanto no segundo, além da quantidade de jogadores ser menor, há menos contato e o ataque é parado quando uma fita (flag) presa à cintura do atleta é retirada pelo defensor. No BFA (Brasil Futebol Americano), primeira divisão da categoria full pad masculina e considerada a principal competição do esporte no país, são 32 times divididos pelas conferências Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Sudeste. “Temos cerca de 3.000 atletas ativos no BFA”, diz Ítalo, além de 2.854 na divisão de acesso, que também conta com 32 times. As competições nacionais mais antigos de futebol americano no Brasil, Torneio Touchdown e Liga Brasileira de Futebol Americano, não ultrapassavam mais de dez equipes em seus primeiros anos, 2008 e 2009.
A estrutura, entretanto, ainda tem a melhorar. “Pela prática do esporte ser muito nova no Brasil, podemos dizer que os times estão atingindo a maturidade agora, por meio da experiência e aprendendo com os erros”, completa Helton Generoso, presidente do São Paulo Storm, equipe fundada há 11 anos. O Storm, assim como o Steamrollers, disputa a BFA. “O que nós percebemos é que o pessoal tem se interessado em praticar cada vez mais cedo”, diz Helton. Ricardo Trigo concorda: “Vemos principalmente crescer nas crianças essa vontade de assistir e aprender o esporte”.
Mais envolvidos no meio prático do esporte, os presidentes também comparam o sucesso do futebol americano com futebol, basquete e vôlei. “Tenho esperança de que venha concorrer com o futebol da bola redonda e cair realmente no gosto da massa brasileira”, afirma Trigo. Helton é menos otimista, argumentando que toda criança nasce com uma bola (redonda) no pé no Brasil. “Mas a nossa expectativa é rivalizar com outros esportes que fazem sucesso por aqui, como o vôlei e o basquete”.
Ítalo Mingoni, por fim, ressalta o trabalho feito pela CBFA nas categorias de base do país, fomentando o desenvolvimento do esporte e o surgimento de atletas que repitam o exemplo de Cairo Santos, kicker brasileiro que jogava no Kansas City Chiefs e hoje está no Chicago Bears, duas renomadas franquias da NFL. “Já tem pessoas de fora de olho em jogadores novos com condições de jogar por faculdades no exterior. Não só kickers, mas receivers”. E garante: “Nos próximos cinco ou dez anos, muita gente vai olhar com carinho para o futebol americano do Brasil”.
A estratégia da NFL no Brasil
O futebol americano profissional dos Estados Unidos não está inserido no mercado brasileiro apenas através da ESPN, emissora que transmite seus jogos. A NFL tem também, desde os playoffs de 2016, uma parceria com uma agência de marketing esportivo carioca que cuida de suas redes sociais no país. "A liga contratou uma agência brasileira para fornecer aos fãs locais um conteúdo específico em sua língua", informa a assessoria da NFL. "Nós testemunhamos um crescimento explosivo na audiência do público brasileiro em nossas redes sociais; podemos dizer que a NFL está muito feliz com os números apresentados". Diante da euforia, Flávio Pereira alimenta a expectativa de ver um jogo da liga em território brasileiro, como já aconteceu em Londres e no México, dois outros grandes mercados de futebol americano. "Já conversamos algumas coisas [com a NFL] e eu gostaria muito de ver um jogo desses [aqui]. Claro que é difícil; tem que ser muito interessante para eles e para os jogadores". Enquanto a NFL não vem para cá, os brasileiros vão para lá: na semana que antecede o Super Bowl, foi divulgado pela StubHub, mercado de ingressos americano, que o Brasil foi o quarto país – fora os Estados Unidos – que mais comprou ingressos para o jogo (3,5%), atrás de Canadá (58,3%), México (24,3%) e Austrália (4,2%).
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