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A brasileira Verónica Stigger e outras 19 vozes essenciais para entender a América Latina em 2018

Lista de autores do continente com menos de 40 anos inclui também o brasileiro Santiago Nazarian Seleção do Hay Festival de Cartagena é janela aberta ao que se une e distancia essa geração

Pep Boatella

Gabriel García Márquez terminou de escrever Cem Anos de Solidão quando tinha 39 anos. Essa é a idade de corte estabelecida para a seleção de talentos literários latino-americanos promovida pelo Hay Festival e que será apresentada em Cartagena das Índias na semana que vem. Falar sobre a lista, denominada Bogotá 39, é uma espécie de exercício de numerologia. São 39 escritores de ficção que ainda não completaram 40 anos. São de 15 países. Seus nomes foram anunciados em maio, 10 anos depois da primeira edição do festival. Eles representam, de alguma forma, uma geração. Algumas das melhores mentes dessa geração. 39 propostas para continuar a ler.

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Entre eles estão o cubano Carlos Manuel Álvarez; os colombianos Felipe Restrepo Pombo (diretor da revista Gatopardo), Giuseppe Caputo e Juan Cárdenas; os mexicanos Valeria Luiselli e Emiliano Monge; os argentinos Samanta Schweblin e Mauro Libertella; os peruanos María José Caro, Claudia Ulloa Donoso e Juan Manuel Robles; o dominicano Frank Báez; o equatoriano Mauro Javier Cárdenas; o chileno Gonzalo Eltesch. Foram escolhidos por um júri composto pelos escritores Leila Guerriero, Carmen Boullosa e Darío Jaramillo e fazem parte de uma antologia que propõe “celebrar a boa literatura” e refletir a diversidade das letras latino-americanas.

Qualquer seleção desse tipo levanta questões e convida a formular hipóteses sobre suas linhas de força e a natureza dos escolhidos. A antologia Bogotá 39 não pretende ser um cânone, algo que, por definição, só pode existir a posteriori. Sugere uma conversa geracional em que se destacam os laços, as ligações pessoais, o registro em primeira pessoa, a narrativa autobiográfica e a literatura das pequenas coisas, mas também a violência, os ambientes urbanos, a ideia de fronteira ou a busca da representação política por meio de códigos não convencionais.

O esforço não é novo. Existe uma história da literatura latino-americana contada à base de listas e gerações. Do quase omnipresente boom dos anos sessenta até a reação de McOndo, materializada em uma antologia publicada em Santiago em 1996. Existe outra compilação, de 1997, Líneas Aéreas, e a editora Páginas de Espuma reúne narrativas desde 2002 em sua série Pequeñas Resistencias. E se em 2010 a revista Granta escolheu 22 jovens narradores em espanhol, a Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL) promoveu no ano seguinte o programa Los 25 secretos mejor guardados de América Latina e, em 2016, o Ochenteros, uma abordagem estética delimitada pela década de nascimento dos escolhidos. Nessa discussão crítica, a Bogotá 39 pretende ser uma hipótese para o futuro, assim como a primeira seleção, que acertou em muitos dos nomes que ousou lançar.

“A lista é um pouco uma aposta. Mas eu não acho que seja fechada, definitiva. Se tivesse pensado que aspirava a uma lista canônica, não teria podido dar um único voto. Se apenas uma pessoa no júri tivesse mudado, teria sido diferente”, explica Guerriero. Jaramillo considera, no entanto, que alguns nomes são indiscutíveis. Um deles é a mexicana Valeria Luiselli, nascida em 1983 e radicada em Nova York. “Embora alguns anos atrás eu teria dito que não existe uma nova geração, à medida que os anos passam é verdade que existe uma conversa muito viva de autores que escrevem na mesma língua. Eu a tenho de modo constante e profundo com gente da minha idade”, continua. “Algumas dessas pessoas [da lista] eu nunca vi, mas li”. E essa forma de comunicação gera um diálogo, mesmo não sendo literal em alguns casos, sobre a diversidade poética, as formas, o interesse em como abordar a atualidade, inclusive as reflexões sobre a circulação de livros em espanhol entre os dois lados do Atlântico.

Cárdenas: “Essa geração recupera o interesse pelas vanguardas históricas e pela tomada de posição”

A antologia Bogotá 39 será publicada em colaboração com 14 editoras independentes. E é exatamente o papel desempenhado por alguns pequenos selos que está começando a agitar o setor. Essa lista corresponde, afirma José Hamad, “a algo muito importante que revela uma mudança de paradigma”. O trabalho de editoras como a mexicana Sexto Piso – à qual Hamad acaba de se juntar como editor depois de anos trabalhando como caçador de talentos literários –, a argentina Eterna Cadencia ou a chilena Laurel está contribuindo para uma espécie de emancipação dos narradores latino-americanos. “Tradicionalmente, era preciso passar por Barcelona ou Madri para obter legitimidade”, continua Hamad. Agora “há apenas cinco autores nessa lista que foram originalmente publicados na Espanha”. Além disso, apenas metade deles era encontrada até agora nas livrarias espanholas. As editoras independentes deram o primeiro passo para competir em seus territórios com os grandes grupos. Um fenômeno que abre a porta para a descentralização e que representa uma guinada em relação ao passado recente.

“Um número significativo deles saiu de escolas universitárias de criação literária”, continua Jaramillo. Eles se dedicam ao ofício de escrever em diferentes campos, do jornalismo à edição, passando pela produção audiovisual ou o teatro. Vários deles já publicaram seus trabalhos patrocinados por grandes grupos. A Random House tem oito autores na lista, embora apenas dois tenham publicado seu primeiro livro por essa editora. E há 13 mulheres. O júri rejeitou as quotas pré-estabelecidas. “Nunca pensamos em quantos homens e quantas mulheres tínhamos de incluir”, diz Jaramillo, embora a proporção feminina no elenco final seja maior do que a inicial. Finalmente, diz Guerriero, prevaleceu a “liberdade de critério de cada um”.

“Acredito que a nossa geração recuperou duas coisas que tinham perdido prestígio e eram vistas com desconfiança nas gerações anteriores: o interesse pelas vanguardas históricas ou pelas áreas pouco exploradas da tradição e da tomada de posição política”, argumenta Juan Cárdenas. “O que é impressionante é que isso não significou que possamos ser enquadrados em um espaço ideológico fechado ou em uma estética precisa. Basta comparar Emiliano Monge com Eduardo Rabasa e estes dois com Giuseppe Caputo para ver que estamos no mesmo território, mas fazendo coisas muito diferentes”. Este último fala de violência em um país como a Colômbia, devastado por mais de meio século de conflito armado, desvinculando-a do imaginário coletivo e apresentando um dilema ético e estético: “Como podemos estar perto da representação da violência sem criar mais violência?”, pergunta.

“Os 39 que estão na lista poderiam ser perfeitamente outros 39, e isso aponta uma qualidade muito grande do que está sendo escrito no continente”, diz Felipe Restrepo Pombo. “Os autores do boom tinham vínculos, foram reunidos por Carmen Balcells, foi um projeto editorial e literário. Aqui vivemos em diferentes países, vivemos muito longe e acho que temos preocupações diferentes. Juan Gabriel Vásquez, que fez parte da primeira seleção da Bogotá 39 com Daniel Alarcón, Guadalupe Nettel ou Junot Díaz, descreve graficamente esse fosso entre gerações, embora o faça com a ressalva de que se trata de uma aproximação. “Uma das maneiras de explicar nossa distância em relação ao boom é a mudança da grande-angular para o microscópio. A maior fatia do boom era formada por romances que eram um grande afresco de uma situação”. Com o passar do tempo, muitos começaram a lançar mão da primeira pessoa, do ponto de vista. Para Vásquez, entrar na lista significou iniciar uma conversa com outros autores. “O que é fantástico na descoberta é quanto as diferenças nos unem, quanto a atomização dos gostos, a diferença de interesses nos une”.

Vásquez: “Uma maneira de explicar nossa distância em relação ao ‘boom’ é a mudança da grande-angular para o microscópio”

Outro narrador incluído em 2007, Ricardo Silva, considera que algo mudou na década que existe entre uma lista e a outra: a revolução das redes sociais, que representa uma mudança de paradigma para a comunicação e, ao mesmo tempo, curte quem escreve em relação ao julgamento, muitas vezes gregário, do público. “Vivemos e escrevemos em uma época de imediatismo”, acrescenta Restrepo Pombo sobre esse feedback instantâneo oferecido pelas redes.

Gabo, por outro lado, teve de esperar quase um ano para que a editora Sudamericana publicasse as histórias de Buendía em Buenos Aires. Foi em junho de 1967. Mas então o Prêmio Nobel já tinha completado 40 anos.

Bogotá 39 / 2017

Fabrizio Mejía Madrid (México)

Rolando Menéndez (Cuba)

Santiago Nazarian (Brasil)

Guadalupe Nettel (México)

Andrés Neuman (Argentina)

José Pérez Reyes (Paraguai)

Ena Lucía Portela (Cuba)

Pilar Quintana (Colômbia)

Santiago Roncagliolo (Peru)

Ricardo Silva Romero (Colômbia)

Verónica Stigger (Brasil)

Karla Suárez (Cuba)

Ivan Thays (Peru)

Antonio Ungar (Colômbia)

Leonardo Valencia (Equador)

Juan Gabriel Vásquez (Colômbia)

Jorge Volpi (México)

Carlos Wynter Melo (Panamá)

Alejandro Zambra (Chile)

Slavko Zupcic (Venezuela)

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