23 fotos
O que ler na América? Os correspondentes do EL PAÍS no México, Brasil, Estados Unidos, Argentina, Colômbia e Peru propõem uma lista de leituras com alguns dos livros mais sugestivos publicados recentemente no continente Abril de 1982. Pedro tem 18 anos, mas não está fazendo o serviço militar, obrigatório nessa época na Argentina. Um pedido de adiamento para não interromper seus estudos em Letras fez com que não viajasse para tomar parte na Guerra das Malvinas e ficasse encarregado da casa, junto com Fátima, a esposa de seu pai, o tenente-coronel Augusto Vidal. O pai, sim, viajou para “lutar pela pátria”, sem saber que em sua ausência sua família abriria a pior das frentes de batalha. A relação entre um pai e um filho, à qual ao típico choque geracional se somam profundas diferenças ideológicas, e a brutal disputa por um amor impensado reduzem 251 páginas a apenas um suspiro. A história, além do mais, toca no nervo íntimo mais argentino, ambientada em um contexto de crise de identidade, como o que despertou a Guerra das Malvinas.- RAMIRO BARREIRO Alfaguara Por que alguém que matou decide tirar a própria vida? Ou na realidade não queria fazer isso e alguém o impeliu a tomar essa decisão? A notícia de vários suicídios de repressores da última ditadura argentina (1976-1983) deu origem a No Pidas Nada (Alfaguara), o último romance policial do jornalista e escritor Reynaldo Sietecase (Rosário, 1961). O protagonista, Luca Gentili, começa uma investigação jornalística em Buenos Aires sobre essas mortes e viaja para o Rio de Janeiro seguindo os passos de dois ex-militares foragidos. Em paralelo, um conhecido advogado portenho investiga o general Martín Belziuk, acusado de assassinar os pais de uma deputada argentina. Ambas as histórias se entrelaçam para trazer à tona uma trama de cumplicidades sinistras tecida entre os dois países vizinhos e que se mantém depois da queda dos regimes que impuseram o terror nos anos 70. -MAR CENTENERA. Alfaguara A tênue linha entre a ficção científica e a realidade é o cenário em que se sente mais cômoda Liliana Colanzi (Santa Cruz de la Sierra, 1981), uma das escritoras jovens mais originais da Bolívia. Colanzi vivem em Ithaca, Nova York, e leciona na Universidade Cornell, mas o Norte não a fez perder o sussurro dos povos originários do Sul e os modos mais característicos da literatura latino-americana. O livro reúne oito contos que vagueiam entre a morte, o “além” e essas vozes indígenas que todo o tempo lutam para abrir um lugar no avassalador empuxo da modernidade. - FEDERICO RIVAS MOLINA. Eterna Cadencia O Drible, de Sérgio Rodrigues, publicado em 2013 começa descrevendo o lance antológico de Pelé sobre o goleiro uruguaio Mazurkiewicz, na semifinal da Copa do Mundo de 1970. É, segundo Murilo Filho, cronista de futebol fictício, o gol mais bonito nunca feito do futebol. A partir do lance, Rodrigues narra a história conflituosa entre o cronista esportivo e seu filho, Murilo Neto, que detesta futebol. O esporte não é o tema do romance, mas mais um personagem, que dá liga à passagem do tempo e expõe os problemas de relacionamento entre pai e filho, além das mudanças históricas brasileiras: da ditadura à redemocratização. O autor, que tem oito livros publicados, e colabora na imprensa brasileira com crônicas e reportagens, ganhou o Prêmio Portugal Telecom de 2014, pelo romance O Drible. / ANDRÉ DE OLIVEIRA Companhia das Letras Órfãos do Eldorado foi a primeira novela e uma das publicações mais recentes de Milton Hatoum, que hoje é reconhecido como um dos autores mais importantes do Brasil. O livro, que se passa numa cidade à beira do rio Amazonas, narra a história de Arminto Cordovil, um velho tido como louco pela população local. A vida de Cordovil, contudo, revela-se como um retrato de uma região e de uma época em que a extração da seiva da árvore seringueira – que é usada na produção de borracha – motivou uma espécie de corrida ao ouro no Brasil. Durante os anos em que extrativistas afluíam para o interior da floresta em busca de riqueza, a Amazônia, com todos os seus mistérios, foi vista, mais uma vez, como uma espécie de Eldorado, terra prometida. Hatoum, nascido em Manaus, é autor também de outros livros já clássicos como Dois Irmãos e Relato de Um Certo Oriente. A.O. Companhia das Letras Ponciá Vivêncio é o livro mais aclamado de uma das escritoras negras mais conhecidas hoje no Brasil. No romance, Conceição Evaristo traça a história de Ponciá – mulher, negra, pobre e descendente de escravos africanos – sua identidade, seus sonhos e desencantos. Através da trajetória da personagem, que sai do interior em busca de outra vida na cidade grande, mas acaba vivendo em uma favela, desenrolam-se questões como o racismo brasileiro e violência de gênero. A escritora, que também é autora de livros de contos e poesia, tem como marca da sua obra a condição da mulher negra no país. Não por acaso, ela própria tem sua trajetória de vida marcada pela questão: cresceu em uma favela pobre em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, e foi empregada doméstica até concluir seus estudos. Hoje, é uma militante ativa no movimento negro e vive no Rio de Janeiro. - A.O. Host Publications A Resistência rendeu ao seu autor, Julián Fuks, um dos mais prestigiados prêmios literários do Brasil, o Jabuti, na categoria romance. Encaixar o livro em apenas um gênero, contudo, tem sido uma preocupação para críticos e jornalistas, uma vez que a história narrada é, de certa forma, a própria história familiar do autor. Em 1977, um ano depois do golpe militar na Argentina, seus pais militantes políticos e seu irmão mais velho se exilaram no Brasil. Foi nessa transição pessoal que o escritor buscou as bases para o A Resistência, seu terceiro romance. A obra, para além da questão de classificação – se é uma ficção ou auto-ficção – serve como um retrato das marcas mais íntimas que as ditaduras de direita latino-americanas deixaram. Companhia das Letras Imaginem o bairro de uma cidade à beira mar, um universo distante dos lugares típicos caribenhos onde a precariedade e a noite servem de pano de fundo para narrar uma relação paterno-filial, a solidão, os limites do amor, a homossexualidade e as consequências da desigualdade. Com uma prosa rápida e precisa, ao mesmo tempo carregada de símbolos, Giuseppe Caputo (Barranquilla, 1982) é um dos jovens autores que estão revolucionando a narrativa colombiana. Em maio entrou na lista Bogotá 39, uma espécie de cânone de escritores latino-americanos com menos de 40 anos apresentado pelo Hay Festival.- FRANCESCO MANETTO Random House Yolanda Reyes (Bucaramanga, 1959) explora a complexidade de um assunto que tem pairado na atualidade da Colômbia nas últimas décadas: a adoção e a busca das origens. Que representa para uma criança ter um nome novo, neste caso inspirado em um verso de García Lorca, a partir dos cinco anos? O relato tem duas vozes: a de Belén, uma pequena editora de Madri, e a de Federico, fotógrafo, que regressa à Colômbia para decifrar seu passado. – F.M. Alfaguara Em 5 de junho passado Cem Anos de Solidão completou meio século. Em torno de seu autor, Gabriel García Márquez, se edificou um universo literário, crítico e jornalístico paralelo. Para comprovar isso basta viajar a sua cidade natal, Aracataca, e falar com os moradores. Conrado Zuluaga, que durante décadas centrou seus estudos em Gabo, prefere abordar sua vida a partir de suas obras, de suas palavras: um convite rigoroso à leitura e à busca não somente de seus romances e memórias, mas de todos os seus vestígios escritos. -F.M. Conrado Zuluaga (Luna Libro) Em meio à proliferação de publicações sobre o processo de paz entre o Governo de Juan Manuel Santos e a organização guerrilheira colombiana FARC, o trabalho de Alfredo Molano oferece uma vantagem substancial: o olhar direto, o conhecimento profundo do ocorrido e a análise histórica. Esse cientista político e jornalista nascido em 1944 é um dos grandes historiadores do conflito armado que acaba de terminar depois de mais de meio século. A Lomo de Mula é uma compilação de 12 textos, publicados originalmente pelo jornal El Espectador. – F.M. Alfredo Molano (Aguilar) Em 20 de fevereiro de 1862, em meio à Guerra Civil Americana, Willie Lincoln, terceiro filho de Abraham e Mary Todd Lincoln, morria aos 11 anos de febre tifoide. George Saunders (Amarillo, 1958) elabora em torno do drama do presidente a ficção histórica Lincoln in the Bardo, o esperado primeiro romance deste fenômeno do relato curto, gênero que o consagrou com Dez de Dezembro (Companhia das Letras, 2014). Saunders – formado em engenharia de minas e professor de escrita na Universidade de Siracusa– é uma das vozes mais originais da literatura norte-americana. Emotivo, de humor negro, audaz na forma, Lincoln in the Bardo é o mágico perfil fabulado com raiz histórica da tragédia familiar de um homem mergulhado na grande carnificina fraticida de uma nação. | PABLO DE LLANO George Saunders (Random House) Agora que Trump colocou a Flórida na moda, com sua mansão Mar-a-Lago, a ocasião é insuperável para se conhecer melhor o “Estado mais estranho da América”, como o define o repórter Craig Pittman em seu hilariante livro Oh, Florida!: How America’s Weirdeste State Influences the Rest of the Country. Trump não é de modo algum o mais extravagante desta península em que as notícias de acontecimentos superam com folga o absurdo, onde uma pessoa pode fingir um infarto em um shopping center para roubar uma Barbie ou um tubarão morrer em um acidente de trânsito. Povoado a uma velocidade vertiginosa -1,8 milhão de habitantes em 1940, 20 milhões hoje–, o Estado da Flórida, número um nas listas de fraude fiscal, roubo de identidade e tráfico de comprimidos contra a dor, é ao mesmo tempo um ímã, um exuberante paraíso natural e um campo de batalha eleitoral capaz de decidir a presidência dos EUA. Pittman consegue uma combinação excelente entre a gargalhada e a informação sobre um lugar cuja primeira bandeira estatal trazia um lema que era em si uma declaração de intenções: Let us Alone (Deixem-nos em paz). | PABLO DE LLANO Craig Pittman (St. Martin’s Press) No século XXI, a caneta analítica de Joan Didion se tornou um escalpelo que dissecava sua própria dor e, desde então, cada publicação era um prazer literário, mas também uma viagem milímetro a milímetro por um sofrimento que, embora em momentos se tornasse luminoso, era, no final das contas, sofrimento. Essa etapa em sua carreira se reverteu este ano com South and West: From a Notebook, uma atípica publicação de textos inéditos de 1970, quando empreendeu duas viagens opostas e complementares pela Califórnia e o Sul dos EUA. A vigência de suas observações sobre um país dividido, cheio de comunidades isoladas até quase a autossuficiência, e a variedade de entrevistas, anotações naturalistas e experiências vividas em primeira pessoa tornaram a associar Didion ao grande jornalismo. / MATEO SANCHO Joan Didion (Knopf Publishing) As memórias de El Jefe servem para se saber onde beijou e bebeu pela primeira vez, onde quiseram dar-lhe um chute no traseiro e como foi seu primeiro acidente de moto, mas também permitem percorrer a América de macacão azul, viajar no tempo aos bairros operários de Nova Jersey nos anos 50, o fechamento das indústrias têxteis, o racismo interiorizado, os distúrbios, a violência... A autobiografia de Bruce Springsteen é um relato evocador de muitos dos temas sobre os quais os Estados Unidos estão se perguntando com o fenômeno de Donald Trump. Escrito em um estilo muito pessoal –maiúsculas, reticências....–, contém detalhes íntimos, como a luta contra a depressão e a difícil relação com o pai. / AMANDA MARS Random House As misérias da vida literária serviram ao autor mexicano para retratar com insuperável ironia e sarcasmo o dia a dia dos escritores por intermédio, geralmente, de Arturo Murray, uma espécie de alter ego igualmente mordaz. Autor, entre outros, de La Fila India (A Fila Indiana – Océano, 2013) e Méjico (Océano, 2015), La Vaga Ambición, seis contos nos quais impera a convicção de que escrever é necessário, consolida Ortuño como um dos melhores contistas hispânicos da atualidade, e não só de seu país. / | JAVIER LAFUENTE Antonio Ortuño (Páginas de Espuma) A violência, onipresente no México de hoje, também no de ontem e no de anteontem, pelo menos, permeia os 11 contos de La Superficie Más Honda, de Emiliano Monge. Não se trata somente da violência dos decapitados ou das valas comuns. Há outra violência, se é que seja possível dividi-la em categorias, como a miséria ou o silêncio, que devora os personagens dos relatos de Monge; a que, de fato, o escritor insiste que mais o interessa. / J. L. Emiliano Monge (Random House) Em setembro de 1973, José Emilio Pacheco publicava sua primeira coluna semanal no jornal Excélsior condenando o assassinato de Salvador Allende no Chile e comparando sua resistência com a dos “invencíveis mapuches”, que nunca se renderam ante os conquistadores espanhóis. Em janeiro de 2014, o último dia de sua vida, dedicou sua coluna à morte de seu amigo e também poeta Juan Gelman. Mais de quatro décadas contando ao México a cultura do México e do mundo. De Víctor Hugo a Jack o estripador, passando por Borges e Lázaro Cárdenas. Sem algazarra nem confete, com a precisão e rigor sintético que também empregava em sua poesia o Prêmio Cervantes 2009. - DAVID MARCIAL PÉREZ José Emilio Pacheco (ERA) Depois de três décadas governando o México com o punho e a espada, acossado por uma forte crise econômica e uma pujante burguesia liberal e nacionalista, em 1908 Porfirio Díaz aceitava em uma entrevista o jogo democrático de partidos para as eleições seguintes. Dois anos mais tarde, não cumpriu a promessa. Foi o estopim da Revolução. Aos 81 anos, o militar mexicano partia para o exílio europeu. Os últimos fragmentos de sua vida íntima, além da política, sua complexa relação com os EUA e sua chegada a essa Europa que tanto o fascinara concentram a última obra de Rafael Tovar y de Teresa, diplomata e historiador mexicano e ministro da Cultura até sua morte no ano passado. –D.M.P. Rafael Tovar y de Teresa (Taurus) Com cerca de 30.000 exemplares vendidos, A Distância Que Nos Separa (Verus, 2017) tornou Renato Cisneros (Lima, 1976) o autor peruano de maior sucesso da década. Com Dejarás la Tierra, Cisneros volta a escavar seu passado familiar, agora para retroceder até esses ancestrais que definem sua linhagem com seus acertos, mentiras, segredos e ambiguidades. O narrador chega à cidade do primeiro Cisneros, um sacerdote que pregava na região serrana peruana e teve sete filhos bastardos. -RAÚL TOLA Renato Cisneros (Planeta) Nos últimos três anos, o escritor peruano Alonso Cueto (Lima, 1954) se dedicou a romancear o fenômeno da violência política que assolou o Peru nos anos 80 e parte dos 90, deixando profundas fraturas emocionais e sociais. Com La Segunda Amante del Rey, Cueto volta ao universo dos afetos, preconceitos e costumes das classes abastadas limenhas, com sua frivolidade e suas meias verdades. Cueto disse que “o mexerico é o grande motor da vida limenha” e com este livro demonstra que também pode ser o ponto de partida para uma narração vibrante, que alimenta a ainda incipiente tradição do romance policial no Peru. –R.T. Alonso Cueto (Random House) Nada é o que parece; sempre há algo oculto, esgarçado, sórdido ou triste, coberto por uma pátina de aparências, convenções e obrigações. Basta atrever-se a querer ver, e para isso é preciso coragem. Estas parecem ser as premissas de Katia Adaui (Lima, 1977), que com este livro se consolida como uma das escritoras peruanas mais sutis e originais dos últimos anos. Aquí Hay Icebergs é um conjunto de relatos que permitem a Adaui explorar o pequeno e complexo mundo das relações familiares, cheias de sutilezas e contradições. E ela o faz com uma linguagem límpida e precisa, cuja aparente secura contrasta com as intensas pulsões subjacentes em cada história. – R. T. Katya Adaui (Random House) A ditadura de Alberto Fujimori chegou ao fim. Fartos da crise terminal vivida –com a economia quebrada e as ruas tomadas pela violência–, há dez anos que Francisco e Diego («El Chato») se foram. Todo esse tempo viveram uma longa noite de excessos e confusão entre Nova York e a Europa. No regresso se deparam com uma sociedade em plena decomposição, onde a corrupção, a brutalidade e o caos são a norma. Com esse romance finalista do Prêmio Herralde, Diego Trelles (Lima, 1977) volta a cutucar as duas obsessões que revisita com maior insistência: a escrita e a violência. – R.T. Diego Trelles (Anagrama)