‘Todo poderoso’ de Hollywood é demitido por suspeita de abusar de atrizes
Histórias de assédio sexual do produtor Harvey Weinstein, impulsionador da carreira de Quentin Tarantino, choca o cinema norte-americano
Sexo e Hollywood. Qualquer um esfregaria as mãos. Sexo, Hollywood e Harvey Weinstein, o produtor e distribuidor de cinema mais poderoso do mundo fora de um grande estúdio. Palavras importantes. Carne de manchetes por todo o mundo. Até o presidente Donald Trump decidiu dar sua opinião sobre o escândalo no sábado, 7 de outubro: “Conheço Harvey Weinstein há muito tempo, não me surpreende nem um pouco”. O ataque faz sentido: durante décadas Weinstein foi um dos grandes arrecadadores de fundos para as campanhas democratas, servindo de apoio no cinema aos Clinton e Barack Obama. Malia Obama, a filha mais velha do ex-presidente, chegou a ser estagiária em sua empresa no ano passado. Vários senadores e congressistas enviaram as doações feitas pelo produtor a ONGs que lutam contra os abusos sexuais. Na noite de domingo, o que restava do conselho de administração da The Weinstein Company, presidido por seu irmão Bob, anunciou sua demissão. Agora ninguém parece saber nada de Harvey Weinstein, impulsionador da carreira de Quentin Tarantino e produtor de filmes como Shakespeare Apaixonado, O Artista e A vida é bela.
A tempestade desabou na quinta-feira, quando o The New York Times publicou uma longa reportagem sobre a face oculta de Weinstein como predador sexual. Entre os detalhes, que em pelo menos oito ocasiões, desde meados dos anos noventa até 2015, o produtor fez acordos extrajudiciais com suas vítimas de assédios e abusos. Uma secretária, três assistentes, atrizes, modelos... Outras tiveram a coragem de levar a diante o processo judicial. Ashley Judd conta no jornal nova-iorquino como durante a filmagem de Beijos que Matam Weinstein marcou com ela uma reunião de trabalho no hotel Península em Beverly Hills. Lá Judd encontrou o produtor que, vestido somente com um roupão, lhe propôs uma massagem no pescoço e se queria observá-lo enquanto tomava banho. Judd conseguiu fugir da armadilha, mas algumas assistentes do cineasta não. Entre as que assinaram os contratos de confidencialidade, estão a atriz Rose McGowan, que recebeu 100.000 dólares (315.000 reais) em 1997, e a modelo italiana Ambra Battilana, a última que o denunciou, em 2015.
Após a publicação da história, Weinstein emitiu um comunicado em que pedia desculpas por seu comportamento, confessava estar em terapia e afirmava: “Estou tentando fazer as coisas de uma melhor maneira, mas sei que ainda me resta um longo caminho”. Por fim, anunciou que se retira temporariamente da presidência de sua empresa The Weinstein Company, que a partir de agora é dirigida somente por seu irmão Bob.
Mas esse afastamento do cinema não calou a história. No The New York Times, Judd diz: “Até agora falávamos disso entre nós, vítimas, mas é hora de se tornar público”. Muitos membros da indústria do cinema estão desde sexta-feira enfatizando: como é possível que algo que toda a indústria conhecia não tenha vindo à luz antes? Nenhuma vítima pensou que ao se calar estava permitindo que continuasse com seus abusos? A mesma McGowan escreveu no Twitter: “Mulheres de Hollywood, onde vocês estão? Seu silêncio é ensurdecedor”. Das grandes estrelas de Hollywood, somente Jessica Chastain, Brie Larson, Lena Dunham e o diretor Judd Apatow entraram no debate, apoiando Judd e McGowan. Mais apoios vieram da classe, de bons atores como Mark Ruffalo, America Ferrara, Thomas Sadoski, Amber Tamblyn, Ellen Barkin e Seth Rogen. O resto, silêncio.
Weinstein criou com seu irmão Bob a Miramax em 1979. Nesse percurso conseguiram mais de 80 Oscars
Lisa Bloom, uma das advogadas de Weinstein, especializada também em casos de assédio sexual, disse em uma declaração na quinta-feira que seu cliente “nega muitas das acusações por serem claramente falsas”. E que planejavam processar o jornal. No sábado, Bloom anunciou pelo Twitter que renunciava ao seu cargo, sem dar mais explicações. Na noite anterior o conselho de administração da The Weinstein Company – formado por nove membros dos quais três se demitiram, outro se negou a assinar e Harvey não foi convocado – criticou os primeiros passos da estratégia de Bloom. A empresa anunciou então (48 horas antes de demiti-lo) que apoiava Weinstein em sua retirada temporária e que abriria uma investigação interna sobre os fatos, porque entre as vítimas estão executivas da empresa, como Lauren O’Connor.
Curiosamente, O’Connor já elaborou um relatório interno em 2015 sobre o assédio a ela e a outras colegas. Outra demonstração da suposta hipocrisia de Weinstein, que colocou um ponto final na investigação ao mesmo tempo em que continuava com sua imagem de apoiador da causa feminista, produzindo um documentário de O’Connor sobre abusos sexuais em campus universitários e participando em 2017 de marchas de mulheres em janeiro em protesto pela posse de Trump. Durante o final de semana apareceram mais vítimas de abusos. Conforme disse ao The Huffington Post, Lauren Sivan, uma apresentadora de notícias, há dez anos foi obrigada pelo produtor a ver como ele se masturbava em um restaurante. Liza Campbell, roteirista e artista, contou no Sunday Times como há 20 anos o produtor a convidou para tomar banho com ele, e que conseguiu escapar do quarto do hotel Savoy, para onde foi chamada quando anunciou que sairia da empresa.
Weinstein (Nova York, 1952) sempre navegou por mares de controvérsias. Com seu irmão Bob, criou a Miramax – nome que funde os dos seus pais, Miriam e Max – em 1979, com a qual revolucionaram o cinema indie nos anos 80. Após vender a empresa a Disney (atormentados pelas dívidas), foram despedidos dela em 2005 e fundaram a The Weinstein Company. Nesse percurso conseguiram mais de 80 Oscars e por volta de 350 indicações aos prêmios de Hollywood, incluindo os filmes estrangeiros que distribuíram nos EUA. Seu nome está por trás do sucesso de O Artista, A Vida É Bela, O Tigre e o Dragão, Cinema Paradiso, O Paciente Inglês, A Dama de Ferro e Shakespeare Apaixonado, que lhe valeu, como produtor, o único Oscar conquistado por ele mesmo. Os Weinstein impulsionaram as carreiras dos diretores do cinema indie dos anos oitenta, como Steven Soderbergh, Quentin Tarantino (seu menino prodígio) e Kevin Smith, que acabou lhe virando as costas porque Weinstein se considera um cineasta, e Smith acabou farto de suas pressões. Em Hollywood o produtor é conhecido como O Punidor e Harvey Mãos de Tesoura, por sua tendência a remontar os filmes que importa aos EUA sem consultar os diretores.
A Academia de Hollywood mudou várias vezes suas regras para impedir suas agressivas campanhas nos Oscar. Ele próprio esteve por trás da promoção às estatuetas de Meryl Streep, Kate Winslet, Penélope Cruz, Jennifer Lawrence e Gwyneth Paltrow (aquele que ela ganhou de Fernanda Montenegro). Apesar disso, há dois anos em uma visita a Madri disse: “O importante não é o marketing, mas os filmes”. Hoje, em seu retiro temporário que a Variety diz ser definitivo, precisará de sua melhor campanha de promoção.
O que realmente importa no cinema
Harvey Weinstein conta que sua paixão pelo cinema vem da infância: "Continuo sendo o rapaz que andava mais de três quilômetros até o cinema The Mayfair, em Flushing Meadows [Nova York], para ver os filmes dos grandes, [Claude] Lelouch, [Jean-Luc] Godard, [Jean] Renoir e do meu favorito, François Truffaut", contou ele ao receber a comenda da Legião de Honra francesa. Entretanto, um dos grandes inimigos de Weinstein, o jornalista e escritor Peter Biskind, refutou essa bonita história em 2004 em seu mítico livro Sex, Lies, and Hollywood ("sexo, mentiras e Hollywood"), onde esmiúça as espertezas da Miramax e do festival Sundance. Nessa obra, o autor apresentava numerosos depoimentos que contradiziam essa educação cinéfila. Segundo Biskind, a Miramax e Sundance prostituíram econômica e artisticamente o cinema independente, que era a marca registrada desse estúdio – apesar de o próprio Weinstein sempre ter tido problemas com essa palavra: "Não acredito que alguém vá ao cinema porque o filme é independente", disse ele em Madri há dois anos. "É um rótulo que não vende tanto." E dava sua opinião sobre o que é mais importante: os filmes ou suas campanhas de marketing. "Realmente. É a típica história da imprensa: a magia da publicidade. Se não, o que vocês escreveriam? Que um filme é simplesmente bom? Essa é uma história chata. Sei do que estou falando, porque comecei como jornalista."
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