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Um ano após terremoto em Amatrice, 7.500 italianos continuam desabrigados

Sismo de 24 de agosto, que afetou 60 municípios, matou 299 pessoas no centro do país

Vista geral de Accumoli em 3 de agosto de 2017.
Vista geral de Accumoli em 3 de agosto de 2017.MASSIMO PERCOSSI (EFE)

“Este hotel não é minha casa.” Monica Valle pega um cigarro na bolsa e o acende lentamente. A primeira tragada acompanha doces lembranças: “Minha casa fica em Accumoli, moro debaixo do campanário.” Essa mulher de 50 anos, funcionária de uma empresa de material de construção, continua conjugando os verbos no presente, embora sua moradia tenha sido destruída pelo terremoto de 24 de agosto de 2016, que matou 299 pessoas no centro da Itália. Monica, seu marido, a filha e a sogra saíram correndo às 3h36 da madrugada e nunca mais voltaram. Salvaram a vida e perderam todo o resto. Depois disso dormiram uma semana no carro, 15 dias numa tenda da Defesa Civil e 11 meses em hotéis. Agora se viram em dois quartos do Hotel Marconi, em Grottammare, a 50 passos da orla do Adriático e a 80 quilômetros da sua “verdadeira casa”. Sentada numa poltrona de vime na entrada, sua tez pálida e o olhar cansado delatam que não é uma turista qualquer, e sim uma dos 7.500 desabrigados pelo terremoto que afetou 60 municípios no coração da península.

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A ressurreição dos centros afetados ainda é uma miragem. Muitas escolas tornaram a abrir, alguns restaurantes também, mas poucas indústrias. A população continua pulverizada. O chefe da Defesa Civil, Angelo Borrelli, calcula que “além das pessoas que as administrações mantêm em hotéis e em locais públicos, outras 40.000 procuraram alojamento por sua conta e recebem um cheque mensal para alugar apartamentos ou cômodos particulares”.

“Pode-se criticar os termos, mas deve-se evitar considerações simplórias”, diz Vasco Errani, encarregado pelo Governo de Matteo Renzi de coordenar os trabalhos de reconstrução. “Aquele território sofreu quatro sismos seguidos. Cada abalo piorou os danos e ampliou a área afetada. A averiguação dos danos, por exemplo, tiveram que ser reiniciadas três vezes”. A defesa civil inspecionou 200.000 edifícios e ainda faltam 14.000. “Pelo menos 41,6% deles ficaram impraticáveis”, estima Borelli. Famílias inteiras não voltaram a pisar em seus arredores: perderam a casa, a comunidade, os negócios. Para devolvê-las a seu território, estão sendo montados conjuntos de casas pré-fabricadas perto dos municípios destruídos. Das quase 4.000 encomendadas, só chegaram 500. “Não vejo a hora que nos entreguem uma. Só quero voltar”, diz Monica. Agita a mão no ar, na direção oposta ao mar. Anseio pela intimidade de um lugar só nosso”, suspira.

No hotel onde se alojaram havia 300 desabrigados até junho passado. Agora são cerca de 30. “Do café da manhã ao jantar sempre estamos com gente. Sinto falta da mesa da minha cozinha, onde nós quatro comíamos e falávamos do dia”. Por isso, depois do carro, da loja, do hotel, sonha com um contêiner de metal de 45 metros quadrados, dois quartos e um banheiro: a última parada da via crucis do desabrigado e o primeiro desejo de Monica, que todas as manhãs acorda às 5h30 para dirigir até seu escritório em Accumuli.

A estrada serpenteia em direção ao interior entre montanhas e vales verdes. A seus lados, de vez em quando, vê-se montes de pedras, colchões, poeira, carros esmagados. O que sobra de Arquata del Tronto, Pescara del Tronto, Accumuli, Amatrice... a litania dos vilarejos que o sismo transformou em cidades-fantasmas. Das 2,66 milhões de toneladas de escombros acumulados só foram retiradas 227.500, ou 8,6%, segundo a associação Legambiente.

Accumuli dorme em silêncio em cima de uma colina. A seus pés surge um punhado de contêineres que funcionam como prefeitura, correios, delegacia, farmácia, ambulatório médico. Paola Torrone, de 54 anos, vivia no centro. “Você não imagina o quanto era bonito”, emociona-se a enfermeira do hospital de Amatrice que agora trabalha neste ambulatório. “Os pacientes continuam com dificuldades por causa do susto do terremoto. Anseiam por sua casa, seu entorno, seus hábitos, mas têm pavor”. Marco Gloria, de 43 anos, concorda. É funcionário do correio, mas diz, ironicamente, mudou de trabalho. “Já me tornei um psicólogo”, brinca. As pessoas vivem espalhadas e frequentam esse vilarejo metálico e a agência provisória dos correios só para encontrar os antigos vizinhos, para conversar e desabafar. “Não há lojas, a água não é mais potável e é preciso dirigir 40 quilômetros para comprar um pão. Estamos muito cansados porque vemos que em um ano quase nada mudou”.

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