Wolney Oliveira: “O cinema de ponta dos últimos anos no Brasil é o do Nordeste”
Diretor do Cine Ceará fala sobre a importância de produções fora do eixo Rio-São Paulo
O cineasta cearense Wolney Oliveira se mostra orgulhoso. O Cine Ceará, festival de cinema do qual ele é diretor-executivo, chegou à 27ª edição neste ano, com uma programação diversa, iniciada no sábado com o impactante filme chileno Uma mulher fantástica. Além da exibição de filmes ibero-americanos, o festival tem a função de atrair os olhos para a região Norte e Nordeste do Brasil. Na entrevista abaixo, ele elogia o desempenho internacional dos filmes nordestinos nos últimos anos e defende as políticas que destinam verba para a descentralização da produção brasileira.
Pergunta. No festival do ano passado, você falava muito em crise como problema para a captação de recursos. Como está 2017?
Resposta. Bem pior. Para você ter uma ideia, o Cine Ceará tradicionalmente acontecia em junho, mas no início deste ano nós tomamos a decisão de definitivamente colocar o festival no segundo semestre, no mês de agosto, porque se fosse em junho, a gente não ia conseguir viabilizar financeiramente o evento. Outra coisa importante na decisão de mudar a data é que, como [o festival de] Berlim é em março e [o festival de] Cannes é em maio, os filmes que participam deles só vão decidir as estratégias de lançamento deles bem mais lá na frente. Foi o que aconteceu com Uma mulher fantástica. Foi uma decisão acertada porque conseguimos fazer uma bela seleção dos longas, uma das melhores até agora, e conseguimos fazer a captação de verbas sem baixar o nível do festival.
P. De maneira geral, qual é a expectativa do audiovisual para o próximo ano?
R. Por incrível que pareça, apesar da crise, não só política, mas econômica, o audiovisual, em relação à produção de longas-metragens e à produção de minisséries é uma das poucas áreas que não está em crise.
P. Por quê?
R. Porque na cultura, o audiovisual é uma das classes mais organizadas. Não existe a Agência Nacional da Música ou das Artes Plásticas, mas existe a Agência Nacional de Cinema (Ancine). E por um motivo fundamental: a atividade se financia através dela mesma. Com a criação da Condecine [Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional], por exemplo, hoje, quando você compra um aparelho celular, uma porcentagem do que você paga vai para a Ancine. Qualquer comercial que seja exibido também deixa um valor para a agência. A arrecadação total é alta, cerca de 1,3 bilhão de reais. Do valor, obrigatoriamente 30% devem ser gastos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mas a Ancine não estava cumprindo este percentual. Hoje isso mudou, mas, ainda assim, a agência não normalizou através de uma instrução normativa, para que fique no papel esta divisão. Essa é uma das coisas que pedimos ao Ministério da Cultura (Minc): a criação de uma IN [instrução normativa]. Sobre a mudança no comando do Minc, houve uma tentativa de acabar com o ministério, mas se recuou. Aí tentaram colocar a filha do [presidente do PDT, que ficou conhecido na época do Mensalão] Roberto Jefferson [a deputada Cristiane Brasil, do PTB], que eu nem vou comentar. Depois tentaram colocar um suplente de um deputado estadual da Paraíba, grande defensor da vaquejada como ação cultural. No final, foi Sergio Sá Leitão, que tem um currículo na área do audiovisual, trabalhou com Gilberto Gil...
P. A expectativa é boa então?
R. É boa. Tanto é, que, recentemente, a secretaria do audiovisual lançou vários editais. Um deles para os festivais de cinema, algo que não acontecia há muito tempo. Os festivais tiveram poder de voz para pedir à Ancine que se crie uma linha no futuro, talvez no ano que vem, para financiamento dos festivais de cinema e dos eventos do mercado. É uma atividade que cresceu mais do que a indústria farmacêutica, então merece esta atenção.
P. Então tem este fator, de ser uma atividade que se autoalimenta, financeiramente falando, mas também de ser organizada....
P. Exatamente. E tem uma coisa importante, agora falando do Cine Ceará, que é um dos poucos festivais no Brasil que se preocupa com a questão política do audiovisual brasileiro, principalmente em relação à descentralização. Nós criamos em 2012 o que batizamos de APCNN, que é a Associação dos Produtores e Cineastas do Norte de Nordeste. Na época, o ministro Gilberto Gil batizou de APCNENEM, que é a ampliação da APCNN, com a entrada do Centro-Oeste. São 20 Estados mais o Distrito Federal, por isso querermos legalizar os 30% que são nossos, pela lei. Por causa destes investimentos é que tem gente hoje filmando minissérie no Amapá, no Acre, em diversos Estados da nossa região. E com todo o respeito ao Rio e São Paulo, que são os maiores produtores e que logicamente vão continuar sendo, porque a indústria está lá, mas o cinema de ponta dos últimos anos é o cinema do Nordeste, é Aquarius [Kleber Mendonça Filho, 2016], é Boi Neon [Gabriel Mascaro, 2015], é o O Grão (Petrus Cariry, 2007], são os filmes que saíram do Nordeste. Se você fizer uma pesquisa nos últimos 10, 15 anos da presença do cinema brasileiro nos festivais, você vai ver que o desempenho ou o aproveitamento do cinema do Nordeste é o melhor do Brasil.
P. Uma mulher fantástica, filme que abre a edição deste ano do Cine Ceará, é bastante impactante. Como foi a escolha deste longa para abrir?
R. É um filme impactante, mas que já vinha com a carreira de ter ganho o Urso de Prata em Berlim, e também o Teddy. Além disso, o Chile já é um cliente assíduo do Cine Ceará, porque nós tivemos aqui Violeta se fue a los cielos [André Wood, 2012], tivemos O Clube [2015], do Pablo Larraín, que é sensacional e ganhou [no festival de] Berlim e no Cine Ceará. A primeira coisa que a gente prioriza é a qualidade do filme. A curadoria é neste sentido, de trazer os melhores filmes, de preferência que eles já tenham tido uma carreira em outros festivais, mas isso não é determinante. Outro ponto é de tratar de um filme de um país ibero-americano que nunca tenha chegado no Brasil ou no Ceará.
P. Neste ano, há dois longas cubanos na programação. O que norteou a escolha deles?
R. Um, da nova geração, é o do Carlos Lechuga, com Santa & Andres [2016]. Este filme foi censurado em Cuba, não passou no Festival de Havana. Eu disse "o filme que mais me interessa em Cuba é aquele que eu não vi ainda. Se foi censurado é porque é bom".
P. Foi censurado por quê?
R. Na minha visão aconteceu o seguinte: poucos dias depois de Fidel morrer, o filme começou a fazer carreira internacional. E como tem uma crítica ao regime, eles não quiseram selecionar. Isso é uma posição deles, que eu respeito. Mas aqui, nós selecionamos este filme, e o de Fernando Pérez, o cineasta cubano vivo mais importante depois de Gutiérrez Alea, com Últimos dias em Havana. Pela primeira vez temos dois filmes cubanos. Tentamos selecionar um filme português que estava em Cannes mas não conseguimos. Neste ano não temos nenhum filme de Portugal e nem da Espanha. Dos filmes brasileiros nós temos dois: o Malasartes, uma superprodução do Paulo Morelli, o filme brasileiro com mais efeitos especiais da história, e Pedro sob a cama [Paulo Pons, 2017], que é um filme de baixo orçamento, sobre a relação de pais e filhos.
P. O Chile está sendo o país homenageado deste ano aqui, e no Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo, também foi. É o novo momento do cinema chileno?
R. O Chile, apesar de ser um país pequeno, que não produz tantos filmes como produz o Brasil ou o México, tem aproveitamento que é um dos melhores no contexto ibero-americano. Produz pouco, mas a repercussão internacional desta produção pequena é gigante. Por exemplo, o Peru produz cerca de dez longas por ano. Mas o sucesso destes dez longas no cinema internacional às vezes é maior do que o sucesso de 100 longas produzidos no Brasil.
P. Isso se dá a quê? Mais investimento, melhores estratégias, é uma questão de qualidade?
R. Existe um grupo pequeno de pessoas que produzem os longas lá, e com isso existe uma união no cinema chileno no sentido de viabilizar as produções. Por outro lado, eu acho que a melhor escola de roteiro da América Latina é a Argentina. Em 2014, quando homenageamos a cinematografia argentina, trouxemos o Daniel Burman como homenageado e na conversa seguinte eu perguntei pra ele por que os roteiros argentinos eram tão bons. A Argentina é um dos países que tem mais escola de cinema no mundo. São mais de 100 escolas de cinema, é impressionante. Mas ele me disse que não, não era por isso. Ele me disse é porque na Argentina se lê muito. O livro é muito barato, você compra em qualquer lugar. Então eu acho que no Chile também se lê muito.
P. Qual será o país homenageado do ano que vem?
R. Ainda não está definido, estamos entre Colômbia e Cuba.
A reportagem viajou a convite do Cine Ceará.
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