O Brexit não é questão de pernas
Tabloide britânico causa indignação com capa sobre as pernas de May e Sturgeon
A fotografia bem valia uma capa. Duas mulheres líderes reunidas para decidir o futuro de suas nações: Theresa May, primeira-ministra britânica, e Nicola Sturgeon, a ministra-chefe da Escócia, que quer um referendo de independência para desvincular-se da saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit. Mas o jornal sensacionalista britânico Daily Mail destacou em sua capa desta terça-feira um suposto duelo de pernas. Com um jogo de palavras, afirmou em sua manchete que o Brexit não importa, mas, sim, o “legs (pernas)-it). Uma capa que causou indignação entre políticos e em outras mídias do país.
“É 2017. As decisões de duas mulheres vão determinar se o Reino Unido continua existindo. E a notícia de capa é sobre as suas extremidades inferiores. Obviamente”, ironizou a parlamentar trabalhista Yvette Cooper em sua conta do Twitter.
A manchete da capa não foi tudo. O artigo no interior do jornal tem como título: “Suas melhores armas? Essas pernas!”. Nele, a colunista Sarah Vine opina que Sturgeon é mais charmosa com as pernas cruzadas, ”em uma clara tentativa de seduzir”.
It's 2017. Two women's decisions will determine if United Kingdom continues to exist. And front page news is their lower limbs. Obviously pic.twitter.com/AMp0YvtISa
— Yvette Cooper (@YvetteCooperMP) March 27, 2017
O líder do oposicionista Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, criticou que uma capa como essa possa ser publicada em pleno 2017. “O sexismo tem de ficar relegado à história. Que vergonha, Daily Mail”, escreveu.
Para María Ángeles Cabré, diretora do Observatório Cultural de Gênero na Espanha, esse episódio é uma amostra a mais de que não se rompeu o teto de vidro para as mulheres, esse limite invisível que explica porque ainda é uma raridade que haja uma mulher no poder. “Há setores que ainda esperam que as mulheres que estão em cargos de responsabilidade sirvam como decoração. E claramente não é assim”, lamenta, por telefone.
It's 2017. This sexism must be consigned to history. Shame on the Daily Mail. pic.twitter.com/V3RpFSgfnO
— Jeremy Corbyn (@jeremycorbyn) March 27, 2017
Cabré lembra que na Espanha julgaram o físico de deputadas da CUP (Candidatura de Unidade Popular, um partido da esquerda e independentista da Espanha) ou de Inés Arrimadas, do Cidadãos. Que isso Aconteça no Reino Unido, acrescenta, onde há uma longa tradição de mulheres em cargos de poder, como a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher e a própria rainha Elizabeth II, só demonstra que o sexismo ainda é generalizado. “O termômetro nos diz que estamos mais atrasados do que pensávamos”, lastima.
A capa do Daily Mail foi qualificada de “imbecil”, “ofensiva” e “sexista” por outros políticos britânicos. Foi criticada pelo jornal britânico The Guardian e a rede norte-americana CNN, que tentou entrar em contato com os editores do tabloide, sem obter resposta.
A publicação também foi motivo de chacota de usuários das redes sociais, que modificaram a imagem, por exemplo, para pôr fotografias das pernas de políticos homens, como Corbyn e o ex-primeiro-ministro David Cameron. O ex-editor do Guardian Alan Rusbridger publicou uma histórica foto dos líderes da Segunda Guerra Mundial Josef Stalin, Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill na conferência de Yalta, em 1945, com o comentário “lindas pernas”.
Depois da onda de críticas, o jornal tentou moderar sua capa nas edições impressas mais tarde. Segundo The Guardian, acrescentou uma observação para indicar que o artigo interno é o “veredito” de sua colunista de amenidades Sarah Vine sobre a reunião entre May e Sturgeon.
Nice pins. #legsit #newspaperoftheyear #nevermindbrexit pic.twitter.com/hXdK1KbrN2
— alan rusbridger (@arusbridger) March 27, 2017
Este escândalo lembra o ocorrido em 2008 na imprensa sensacionalista alemã, quando a chanceler Angela Merkel escolheu um vestido decotado para ir à ópera de Oslo. Os tabloides usaram manchetes como “Merkel mostra o peito” ou “Merkel exibe um decote” ao lado das fotografias de seu vestido de noite. Um alvoroço sobre o qual a chanceler apenas disse estar “um pouquinho surpresa”.
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