Escócia vê independência como caminho para continuar na União Europeia
Os escoceses ainda estão digerindo sua expulsão da UE e exploram meios para manter papel internacional
A alguns passos do monumento em homenagem ao escritor escocês Walter Scott, em Edimburgo, uma garota morena e vestida com um kilt (saia típica) toca uma gaita de fole, instrumento símbolo da nação. Sua música inunda todo o cenário. É uma manhã iluminada e na capital da Escócia, e o jardim que rodeia a torre em memória ao ícone da literatura nacional está lotado. Ali, e em toda a Escócia, os cidadãos começam a digerir o resultado do referendo que consagra a separação do Reino Unido da União Europeia (UE). O Brexit, como diz a professora aposentada de 72 anos Geena Miller, enquanto aproveita para tomar um pouco de sol durante o evento, “os expulsa” de um clube do qual a maioria deseja continuar a fazer parte. No total, 62% dos escoceses apoiaram a permanência. E, em Edimburgo, onde vive Miller, 74,4% votaram para ficar na UE; uma das porcentagens mais altas do país. “É muito ruim para a Escócia, somos uma nação pequena e queremos continuar sendo europeus. Temos que continuar sendo europeus. E se isso significa sair de Reino Unido, que assim seja”, afirma.
O Brexit não resultou apenas no divórcio com a UE, como também colocou sob os holofotes um país completamente dividido e jogou lenha na fogueira dos movimentos independentistas. No sábado, a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, que convocou uma reunião de urgência em seu Gabinete, insistiu que um referendo sobre a independência de seu país é uma opção clara, e anunciou que fará todo o possível para “proteger o lugar da Escócia na UE”. Sturgeon – que também é líder do Partido Nacionalista Escocês (SNP) - solicitará conversações imediatas com Bruxelas para explorar todas as possibilidades, e já formou uma equipe de peritos que vão analisar que caminho seguir. Falta saber, agora, qual será a resposta da UE e dentro de que margens a nação poderá atuar.
Diante desse contexto, agora é preciso dirimir se esse plano de ataque ativado no sábado pelo Governo escocês incluirá, ou não, uma nova consulta popular sobre a independência do país. Apesar de o SNP ser maioria no Parlamento, ele não conta com o apoio da oposição formada pelos conservadores e pelos trabalhistas. Além disso, o último referendo sobre o tema ainda é muito recente, já que faz apenas dois anos que 55% escoceses votaram por não se separar de Reino Unido, contra 44% que estavam a favor da independência.
Dave Kelly acredita que um novo referendo é estritamente necessário. “O que aconteceu é mais um exemplo de que os escoceses sempre são ignorados, de que, na Inglaterra, não escutam nossas vozes. É injusto”, afirma o contador de 36 anos de idade. Ele sustenta que seus votos contam menos, e que a desvinculação da UE é uma situação “imposta”. Para falar a verdade, a Inglaterra - e Gales -, com uma população de 54,8 milhões de habitantes e onde o Brexit ganhou, com 53,4% dos votos, marcou o destino dos 5,4 milhões de escoceses. Mas, no referendo, os votos das quatro nações que compõem o Reino Unido valem a mesma coisa.
Apesar dos desejos de Kelly, uma nova consulta não está prevista a curto prazo. Primeiro, porque o procedimento requer percorrer um largo caminho burocrático e legal, não só por parte do Parlamento escocês, mas também pelo de Londres que, diante do pedido formal da Escócia, deve convocar um novo referendo. Além disso, o Governo e o SNP estudam, agora, se o sentimento de independência dos escoceses se fortaleceu, já que de acordo com pesquisas, desde 2014, havia mudado pouco. Ou seja, é preciso averiguar se o Brexit causou tamanha reviravolta a ponto de influenciar a opinião de muitos dos cidadãos que votaram por continuar no Reino Unido porque isso significava ser membro da UE. Como é o caso de Miller, a professora aposentada que afirmou que, apesar de ter votado pela permanência no Reino Unido em 2014, agora não repetiria seu voto em outro referendo.
Esse também seria o caso de Malcolm Chisholm, membro do partido trabalhista e ex-ministro de Saúde escocês. "Acredito que muita gente que votou 'não' antes agora está mudando de opinião para o 'sim", declarou ao jornal Financial Times. "Eu provavelmente votaria pela independência agora", afirmou. E essas palavras descrevem bem o clima do momento. Inclusive o tabloide escocês Daily Record, que durante a campanha do referendo, em 2014, foi neutro, no sábado, publicou que Sturgeon, além de ter índices muito altos de popularidade, tem razão ao defender a realização de uma segunda consulta popular sobre a independência.
Assim, o descontentamento dos escoceses em relação ao Brexit poderia ser um bom combustível para impulsionar sua separação do Reino Unido. Beth Clark acredita, entretanto, que este não é o momento adequado para realizar o referendo. “Devemos esperar a que as pessoas comecem a notar os efeitos de não estar na EU, a que as empresas comecem a ter problemas comerciais e as economias a serem afetadas… Teriam que fazer a pergunta daqui a dois anos, quando tivermos saído de verdade da UE. Tudo isso é muito triste, o futuro deveria ser mais aberto ao mundo; e não menos”, defende a administradora de 55 anos de idade, originária de Kirkcaldi, enquanto fotografa a gótica torre negra em homenagem Walter Scott, autor de obras como Waverley e Ivanhoe. Outra figura não poderia ser mais adequada às suas palavras: o grande escritor romântico (1771-1832) foi o primeiro, em sua época, a ter uma carreira internacional e também o principal responsável pelo fato de a nação escocesa imprimir suas próprias libras. Scott é um verdadeiro símbolo de uma Escócia mais aberta ao mundo.
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