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Funcionários de empresas da Carne Fraca tinham acesso ao sistema de informação do Ministério

Uma empregada da BRF trabalhou num escritório do MAPA no Paraná para acelerar a liberação dos certificados sanitários dos frigoríficos sem que eles fossem fiscalizados

Mercado da BRF em São Paulo, em março.
Mercado da BRF em São Paulo, em março.PAULO WHITAKER (REUTERS)

Os pormenores da apuração judiciária da Operação Carne Fraca desvendaram o conluio permanente entre fiscais e empresas em três estados do Brasil – Paraná, Minais Gerais e Goiás – para permitirem aos produtores de carne driblarem os controles sanitários. Muitas vezes os certificados eram feitos pelas próprias empresas, que depois os levavam às residências dos fiscais para assiná-los sem nenhuma fiscalização. Além disso, a Justiça Federal de Curitiba verificou pelo menos três casos nos quais funcionários das empresas investigadas tinham acesso ao sistema de informação do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). 

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Num desses casos, uma funcionária da empresa BRF chegou a trabalhar num escritório do MAPA no Paraná para fazer os certificados sanitários nos próprios computadores do serviço de fiscalização. O episódio foi apurado graças ao grampo telefônico de uma conversa entre o fiscal Daniel Teixeira e Roney Nogueira dos Santos, gerente de Relações Institucionais e Governamentais da BRF, um dos principais personagens no esquema. Teixeira, cujas denúncias sobre as irregularidades na Superintêndencia Federal de Agricultura do Paraná permitiram começar a investigação policial, ligou para Roney com o objetivo de reclamar da presença da funcionária da empresa no escritório do MAPA:

Daniel Teixeira. Na verdade, o que acontece é o seguinte, cara: é que nego bota ela sentada no computador para fazer as coisas pros fiscais, cara. Aí eu fui, dei, dei um esporro no cara que fez isso.

Roney. Quem é o cara?

D.T. É o Felisberto, né [Felisberto Luiz de Andrade, fiscal do MAPA no Paraná, um dos acusados na Operação Carne Fraca]

R. Ah,tá.

D.T. Porque, na verdade, ele não poderia nem ter deixado ela usar nem ter mandado ela usar. Imagina eu vou chegar lá na BRF, passo na roleta lá, sento no teu computador e começo a fazer as coisas pra você lá. Não existe isso. E ali a rede interna pega tudo, de todas as empresas, tudo. Então ele teve acesso a toda a concorrência. JBS o cacete a quatro. (...)

R. Mas ele tava ali junto com ela, não tava?

D.T. Não, não. Ela ficou numa sala lá sozinha fazendo. Entendeu?

R. Ah tá.

D.T. Porque ele foi atender outra empresa, "não, você vai fazendo aí". Abriu o sistema e deixou ela trabalhando no sistema. Aí foi que eu falei: não, não é assim. Nem acompanhando pode. Entendeu? O problema todo é o seguinte: ela tá acostumada a vir aqui, né, senta ali, faz as coisas no sistema logada como ele. Ele dá a senha dele pra ela trabalhar. Isso é que é foda. Até o nosso sistema. E ai aprova tudo, sai com tudo aqui aprovado. Isso é uma vergonha, isso.

Além desse incidente, o relatório judicial verificou mais dois casos de funcionários de empresas do esquema que tinham acesso remoto aos sistemas do Ministério. Um deles era Flávio Evers Cassou, que depois de trabalhar mais de quinze anos na inspeção do MAPA no Paraná, passou em fevereiro de 2015 para a empresa Seara Alimentos. Os grampos telefônicos desvendaram que pelo menos durante um ano após deixar o serviço público, Flávio continuou tendo acesso aos sistemas do Ministério com perfil de usuário próprio. A Justiça Federal apurou que Flávio possuía um contato especial "praticamente em regime de parceria" com Maria do Rocio Nascimento, chefe do Serviço de Inspeção de Produto de Origem Animal do MAPA no Paraná.

A empresa BRF pagou em 2011 uma viagem à Europa de Maria Rocio para que ela conseguisse aprovar um procedimento que garantiria o aumento da velocidade de abatimento das aves, "o que geraria enorme ganho financeiro" à empresa, segundo o relatório. Cinco anos depois, quando começou a investigação criminal, a chefe do MAPA no Paraná pediu à empresa que providenciasse um recibo falso para tentar demonstrar que a viagem foi paga pela companhia.

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