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O ‘choque de marketing’ da primeira semana de Doria em São Paulo

Prefeito lota agenda de aparições públicas e investe em imagem de "trabalhador", vitoriosa na campanha

Doria em ação de varrição
Doria em ação de varriçãoFernando Bizerra Jr.

Ao final da primeira semana da administração de João Doria (PSDB) em São Paulo, uma sensação ficou no ar: o repertório do prefeito, até agora, foi o mesmo do candidato. Não à toa, a agenda oficial cumpriu à risca a imagem do “João Trabalhador” – conceito exitoso usado durante a corrida eleitoral para distanciar Doria da figura de um milionário hedonista e aproximá-lo da de um batalhador incansável, um self made man. Ainda na posse, no último domingo, pediu desculpas adiantadas às esposas de seus secretários, pois eles “vão ter de trabalhar muito”. Na manhã seguinte, segunda-feira, no primeiro ato como prefeito empossado, vestiu roupa de gari e saiu para varrição na avenida Nove de Julho. Passados só seis dias, neste sábado, repetiu a dose. Dessa vez, varreu nas calçadas da avenida Paulista e foi tietado por passantes e pela atriz global Regina Duarte, conhecida por fazer campanha para quadros tucanos.

Reforçando a impressão de que as figuras de prefeito e candidato ainda não se separaram, todos os passos de Doria, desde que assumiu, continuam sendo divulgados em suas redes sociais sob as hashtags de campanha: #AceleraSP e #JoaoTrabalhador. O cientista político Claudio Couto, professor da FGV-SP, avalia que a estreia do novo prefeito revela uma conexão forte com a imagem de gestor e trabalhador incansável presente nas eleições, mas também mostra que ele, que se dizia um não político, está fazendo algo velho na política: criando factoides e ações de marketing para imprimir uma marca.

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Para relembrar dois eventos simbólicos da semana. Na segunda-feira, ante centenas de câmeras da imprensa, vestiu-se de gari ao lado de todo seu secretariado e empunhou uma vassoura. Varrer mesmo, pouco varreu. Mas, com o gesto, deu início ao programa Cidade Linda, focado em mutirões de zeladoria e limpeza urbana em pontos específicos da cidade, além de prometer que toda semana estará nas ruas ao lado dos garis. No mesmo dia, instituiu uma multa de até 400 reais para secretários que se atrasarem para reuniões. O tributo foi apelidado pela imprensa de “lei Soninha Francine”, já que a ideia surgiu depois de um atraso de 40 minutos da nova secretaria de Assistência Social para a varrição. 

“O Cidade Linda remete ao programa Belezura da Marta Suplicy, lançado em 2004, que prometia resolver os problemas estéticos da cidade, e a multa para atrasos lembra os famosos bilhetinhos que Jânio Quadros despachava diariamente cobrando integrantes de seu gabinete”, comenta Couto. Desse modo, argumenta, Doria segue passos velhos na política. “E não é que haja algo de fundamentalmente errado nisso, ele é um comunicador e está se aproveitando disso. Está tentando criar uma marca para sua administração e acho natural que seja assim, a questão é o choque do marketing com a política real”, diz.

Segundo o jornal Valor, enquanto Doria e seu secretariado participaram da ação de varrição na praça 14-Bis, região central da cidade, a alguns quilômetros dali, no bairro da Mooca, zona leste, cerca de 70 moradores de rua foram hostilizados e tiveram seus pertences levados por um caminhão da prefeitura. O padre Julio Lancelloti, defensor de direitos humanos e ligado às causas da população de rua, entrou em contato com a administração que disse não compactuar com a ação e não saber de onde a ordem para ela partiu. Além disso, na própria praça 14-Bis, um grupo de moradores de rua foi transferido para uma quadra esportiva debaixo de um viaduto que, dias depois, apareceu cercada com uma tela verde. Em nota, a prefeitura disse que a tela foi instalada para proteger as pessoas que foram realocadas, mas não disse como ela ajudaria na proteção delas.

Marketing x Política real

“Qual é a política pra valer? A do marketing da varrição ou a de expulsar e esconder os moradores de rua? A zeladoria em uma cidade é muito importante, mas não pode atropelar outras coisas”, comenta Couto. Para Marco Antônio Teixeira, professor de Gestão Pública da FGV-SP, Doria ainda não desceu do palanque, mas está criando uma expectativa que provavelmente voltará em forma de cobrança em breve. Ele cita o próprio projeto Belezura, de Marta, como um exemplo de ação pouco fundamentada, dirigida a fazer mais barulho do que ser efetiva, que acabou tendo um impacto negativo para a ex-prefeita. “São Paulo é uma cidade muito complexa, o problema de manutenção é grave, mas não será resolvido desse modo”, diz.

Para além da zeladoria urbana, outras questões já mostraram que irão bater às portas da Prefeitura nas próximas semanas. Uma manifestação do Movimento Passe Livre contra os reajustes acima da inflação na integração do sistema de ônibus e trens, além do aumento no valor do bilhete mensal, já está marcada para quinta-feira (12). Doria havia prometido em campanha que não mexeria nas tarifas de transporte público. Há também o caso do prefeito regional (novo nome para subprefeituras) da Sé, Eduardo Odloak, que foi afastado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, enquadrado como ficha suja. A Prefeitura diz não concordar com a decisão e que a Secretaria Municipal de Justiça irá recorrer, mas o confronto é uma amostra dos nós que o novo prefeito terá de desatar em um futuro próximo.

De segunda à sábado, recheando a agenda de compromissos, Doria ainda fez uma visita surpresa a uma prefeitura regional da zona leste; inaugurou nova iluminação para a ponte estaiada, na Marginal Pinheiros, que classificou como cartão postal da cidade; prometeu zerar (ou pelo menos se aproximar muito disso) as filas de exames médicos e de vagas em creches, em 90 dias e um ano, respectivamente; passou alertas para pichadores, prometendo que nessa administração eles não terão sossego; na sexta, foi a vez de convocar a imprensa e secretários para anunciar um emprego para o irmão do ambulante Luiz Carlos Ruas, espancado até à morte dentro do metrô na semana no Natal, e, por fim, varreu, ou tentou varrer, de novo as calçadas da cidade. Para Teixeira, por enquanto os holofotes são do prefeito, mas ele acredita que a exposição também trará uma intensidade de cobrança maior da sociedade e imprensa.

“Na primeira semana o Doria não precisou fazer política e negociar. Por enquanto ele geriu a cidade como um gestor privado. Mas se vestir de gari, criar multas e fazer visitas de surpresa não vai bastar para resolver as questões e conflitos que aparecerão”, diz Teixeira. Ele lembra que a partir de agora começa, de fato, a relação com os vereadores, com os secretários, com a imprensa e com as parcelas da sociedade que, eventualmente, irão discordar de suas decisões. Como conclusão da semana, os analistas lembram que uma das críticas feitas ao antecessor de Doria, Fernando Haddad (PT), era exatamente o fato de pouco se comunicar, de pouco fazer marketing. Daqui para frente, a questão, então, pode muito bem residir na balança entre a propaganda e a política real.

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