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A nova cozinha do Panamá

A rota dos restaurantes que protagonizam a cena gastronômica atual da capital panamenha

Álvaro Perrino nos fogões do restaurante Azafrán, na Cidade do Panamá.
Álvaro Perrino nos fogões do restaurante Azafrán, na Cidade do Panamá.
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A comida domina a Cidade do Panamá. Há tavernas descontraídas e locais tradicionais da vida inteira; pessoas que empurram carrinhos de onde distribuem os raspaos, ou raspadinhas; vida e desordem intrínsecos à capital panamenha. Nos últimos cinco anos, as propostas culinárias se multiplicaram. Uma proliferação tão prazerosa que faz esquecer a escassa projeção do país em termos de turismo e gastronomia.

O Panamá é comida criolla, chinesa e cantonesa. Há restaurantes gregos, árabes e kosher. E também cozinha francesa, espanhola, italiana e argentina. O Panamá é polvo afro-antilhano com leite de coco, lagostas e mandioca frita. É sancocho (tipo de sopa), roupa velha, carne na brasa, frituras e frutas, como mamões de tamanho descomunal.

Dessa efervescência emergiram vários chefs que rondam os trinta anos (alguns nem isso), estudaram e trabalhavam fora do Panamá, conheceram as tendências que garantiram a grandiosidade de outras cozinhas e, ao voltar, comprovaram que não precisavam de nada além do que havia aqui, em sua própria terra tropical. Além disso, compartilham receitas e realizam eventos em conjunto.

Prato do restaurante Manolo Caracol, na Cidade do Panamá.
Prato do restaurante Manolo Caracol, na Cidade do Panamá.

O início e o impulso

Esta nova geração de cozinheiros panamenhos tem o restaurante Manolo Caracol como referência pioneira, pois há 15 anos criou o primeiro menu degustação composto de ingredientes locais. Com o binômio imbatível Manolo Madueño e Dany Suaya à frente, duas figuras indescritíveis que escapam de qualquer tentativa de compreensão, o Manolo Caracol está há mais de uma década semeando e resgatando produtos que se acreditava extintos. “Foi uma questão de princípios e surgiu de maneira espontânea, Manolo e eu somos da brigada antiplástico”, diz Suaya, “não usamos, assim como não comemos nada industrializado, nada que tenha pesticidas”.

Guanábana toreta (um tipo de graviola), cedro, figo-da-Índia, corozo (fruto de um tipo de palmeira), inhame, entre muitos outros ingredientes, cultivados no interior do país ou comprados de produtores locais, são testados em receitas que mais tarde servirão em seu restaurante do Casco Viejo, no centro da cidade. Depois de um breve período de descanso, abrem de novo no próximo mês de julho.

Outro nome próprio da gastronomia local é Mario Castrellón e seu restaurante Maito. É o chef mais conhecido do Panamá, uma celebridade, e foi o primeiro da nova geração a apostar e trabalhar para que o país centro-americano tenha mais presença no exterior. Isso reconhecido por todos os colegas de profissão, além de ter empreendido outros projetos relacionados com o produto nacional.

Cozinheiro madrilenho no Panamá

O restaurante Azafrán é um dos mais desejados da capital. É dirigido pelo madrilenho Álvaro Perrino, que vive no Panamá há 16 anos, dois deles dedicados à cozinha do Azafrán. Perrino é testemunha e cúmplice desta ebulição gastronômica: “Você tem de entender o produto, o lugar onde está; agora é muito mais fácil que as pessoas aceitem um restaurante elegante de cozinha panamenha”.

Sua proposta é pessoal, sem pretensões, servida sob a inspiração de um bistrô parisiense: delicada, mas contundente. Joelho de porco com purê de batata-doce e banana, ou lagostins com molho de queijo manchego e jamón ibérico. Exemplos de sua proposta com ingredientes locais e outros batizados de “viajantes”.

“Com exceção da carne, o restante vem do mercado público. Evidentemente, tendo dois oceanos no Panamá, o marisco e o peixe procedem de alguns deles”, afirma. Perrino respeita a sazonalidade e elimina alguns alimentos fora de época de seu cardápio. Insiste em exigir uma pesca artesanal e educar o público para que também a siga.

Uma das criações de Hernán Correa no Riesen.
Uma das criações de Hernán Correa no Riesen.

Riesen, 100% panamenho

Fundado há três anos, o restaurante de Hernán Correa é o caso mais extremo. “Só utilizo produtos nacionais”, afirma, Correa, um tipo sério que quando ri contagia com sua gargalhada. O Riesen fica no térreo de sua casa familiar e é comum encontrar sua mãe atendendo os cientes. A experiência é completa. Pratos de argila, madeira, vasilhas perfeitamente imperfeitas ou cascas de algum alimento reutilizado. Objetos confeccionados por vários artesãos do país.

Em relação à comida, encontramos, por exemplo, churros de mandioca com ropa vieja e maracujá, apesar que sua predileção ser por polvo e língua bovina. “Me interessa o contraste de texturas entre alimentos. Não procuro um prato estético, mas funcional, quero guiar o cliente.” Em relação a técnicas, também se posiciona pelas mais tradicionais, como o defumado ou o assado à lenha.

Correa quer que o panamenho se torne tendência: “Nossa gastronomia continuará crescendo, porque há alimentos que ainda não foram descobertos. Temos a região de Darién, que é nosso Amazonas particular; imagine a quantidade de frutas e verduras que existem e ainda não sabemos nem que gosto têm”.

O chef José Olmedo Carles em seu restaurante Donde José, na Cidade do Panamá.
O chef José Olmedo Carles em seu restaurante Donde José, na Cidade do Panamá.

Donde José

José Olmedo Carles revela um traço-chave para entender sua cozinha. “Não é panamenha, mas fala do Panamá.” Em um país de passagem como este, o chef do restaurante Donde José acredita que a cozinha panamenha não seja feita com ingredientes unicamente nacionais. Talvez tenha descoberto essa percepção na Austrália, onde trabalhou no restaurante Attica, devoto do produto local, nativo e subutilizado. Foi testemunha da enorme diversidade gastronômica que surgiu naquele país oceânico, a ponto de afirmar que a cena de Sidney e Melbourne é, atualmente, a mais diversificada do mundo.

Está a pouco mais de dois anos à frente de seu restaurante, um pequeno espaço de 16 lugares e dois turnos. Olmedo conseguiu se transformar em uma das vozes da gastronomia nacional. Seu menu degustação consta de dez passos e cada um deles é precedido por uma pequena história. “É muito breve, não quero aborrecer o cliente”, diz, rindo, como ao tentar lembrar (sem sucesso) seu prato preferido: “Criamos mais de 250 desde que estamos aqui”.

Na cozinha do restaurante Íntimo, na Cidade do Panamá.
Na cozinha do restaurante Íntimo, na Cidade do Panamá.

Íntimo, de Chombolín

Com pouco mais de um ano, o restaurante Íntimo, de Chambolín, atraiu olhares e elogios de seus colegas. Este chefe de cozinha conseguiu o impulso final para tornar seu sonho realidade com uma campanha de crowdfunding. Aqueles que ajudaram a financiá-lo receberam um menu degustação por pessoa em troca. Hoje, ele também serve a la carte, sempre baseado – quase em 90% – em produtos panamenhos.

“Quero transformar esta limitação autoimposta em nossa virtude, encontrar a liberdade por meio dos produtos do país. Quero demonstrar que nossa cozinha é tão rica quanto a de qualquer outro lugar, ou até mais”, diz. Lembra como, durante o tempo em que trabalhou com Mario Castellón no Maito, iam ao restaurante desde produtores de queijos artesanais até criadores de patos; sempre ingredientes locais. A partir daqueles encontros, foi forjando seu projeto culinário que se transformaria, com o tempo, em seu restaurante.

Mais nomes, mais lugares

Com seus 28 anos, Luis Young trabalhou com Joan Roca, Martín Berasategui e Thomas Keller, entre outros. Sua primeira experiência no Panamá foi explorar a comfort food de alta qualidade, mas isso se tornou pequeno. “O Panamá, assim como parte do sul da Ásia, está na linha do Equador, e compartilhamos muitos ingredientes como o coco, tamarindo, castanha de caju, coentro e muitos outros, mas os preparamos de formas distintas”, comenta em relação a seu próximo projeto. Young está pesquisando a presença no Panamá da cozinha afroantilhana e da proveniente do sul da Ásia. O resultado será provado em seu novo restaurante, a ser aberto em breve.

O chef madrilenho Andrés Madrigal está há vários anos no Panamá e além de dirigir seu próprio restaurante criou diversos conceitos; seu ateliê é um deles. Também se destaca a recente abertura do Estudio Millesime, um clube gastronômico pelo qual passam grandes nomes internacionais, como os cozinheiros espanhóis Fernando Canales e Jesús Sánchez, ou em breve o peruano Diego Muñoz.

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