Elogio à tortura, dupla moral e enrolados na Justiça em nove votos na Câmara
Nove votos que simbolizam o dia que o Brasil se olhou no espelho e viu refletido o Congresso
O Brasil se olhou no espelho durante a votação da admissão do processo de impeachment de Dilma Rousseff. E o reflexo que viu foi a imagem do Congresso mais conservador eleito desde 1985. Apesar da acusação contra a presidenta versar sobre crime fiscal, uma enxurrada de votos foi justificada em homenagens às famílias dos parlamentares, em discursos na maioria das vezes contra a esquerda e em elogios chocantes à ditadura militar. Também, muitos dos que se disseram indignados com a corrupção enfrentam eles próprios (ou seus familiares) problemas na Justiça. “É de chorar de vergonha!”, afirmou o expresidente do Supremo, Joaquim Barbosa, em seu twitter, nesta terça, sobre a sessão da Câmara deste domingo. Barbosa recomendava a seus seguidores uma matéria que a revista Economist escreveu listando as motivações dos parlamentares na hora do voto. Abaixo, conheça um breve histórico de nove votos que ficaram para a história do Brasil.
Jair Bolsonaro (PSC - RJ)
“Perderam em 1964, perderam em 2016. Contra o comunismo, contra o Foro de São Paulo. Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi o pavor de Dilma Rousseff.”
Militar da reserva e velho conhecido dos brasileiros na política, Jair Bolsonaro é a cara da direita mais raivosa do país. Suas posições são bem conhecidas: defende a ditadura militar, diz que o Brasil vive à beira de um golpe comunista e persegue homossexuais e mulheres. Em 2014, por exemplo, disse à deputada Maria do Rosário (PT), que não a estuprava porque ela não merecia. Em 2008, falou que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”.
Ao dedicar seu voto ao coronel Brilhante Ustra, contudo, conseguiu chocar ainda mais. Ustra foi chefe do Doi-Codi, principal órgão de repressão da ditadura militar, em São Paulo, e primeiro militar condenado a pagar uma indenização a familiares de um jornalista vítima da repressão. Segundo diferentes relatórios, o coronel foi responsabilizado por centenas de desaparecimentos, sequestros e sessões de tortura que incluíam choques elétricos, estupros, espancamentos e introdução de animais vivos, como ratos e baratas, em orifícios dos torturados.
“Um dia ele [Ustra] me pegou, me despiu, me colocou em pé numa poça d'água, ligou fios no meu corpo e, pessoalmente, chamou uma tropa para fazer uma sessão de declamação de poesia”, disse o vereador de São Paulo, Gilberto Nalini (PV), em depoimento à Comissão da Verdade. Nunca será demais lembrar: foi em memória do torturador Ustra, que Bolsonaro, virtual candidato à presidência em 2018, votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff.
Eduardo Bolsonaro (PSC - SP)
“Pelo povo de São Paulo nas ruas com o espírito dos revolucionários de 32, pelo respeito aos 59 milhões de votos contra o estatuto do desarmamento em 2005, pelos militares de 64, hoje e sempre, pelas polícias, em nome de Deus e da família brasileira, é sim. E Lula e Dilma na cadeia.”
Em sua primeira legislatura, Eduardo Bolsonaro foi eleito para a Câmara dos Deputados na esteira da popularidade de seu pai, Jair Bolsonaro. Entre suas propostas na Câmara estão projetos que tratam da carreira policial e posse de armas, e outros que tentam suspender a ampliação de direitos a gays e transexuais. Em suas entrevistas, tem reafirmado os pontos de vista do pai: elogio à ditadura militar, repúdio a homossexualidade e misoginia. Em 2014, poucos dias depois de ser eleito deputado federal, foi flagrado em um palanque de uma manifestação contra Dilma Rousseff portando uma pistola na cintura. Ao EL PAÍS, disse que não via problema nisso, já que ele é policial, escrivão da Polícia Federal: “Eu sempre ando armado mesmo”.
Hidekazu Takayama (PSC - PR)
"Contra a ladroeira, contra a imposição e a esquerda desse partido que quer transformar esse Brasil numa ditadura de esquerda, por Sergio Moro, pelo Paraná, pela minha família!"
O pastor evangélico Takayama escolheu se posicionar contra a corrupção em seu discurso, mas ele próprio é alvo de investigação. O deputado do Paraná tem um processo contra si aberto no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2011, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, denunciou Takayama por suposto desvio de verbas públicas em um escândalo que ficou conhecido como “caso gafanhoto”, que envolve funcionários fantasmas e pagamentos ilegais na Assembleia Legislativa do Paraná. Ao longo de seus quatro mandatos na Câmara dos Deputados, tem sugerido projetos como a obrigação de serviço de capelania em instituições públicas e privadas – ignorando a laicidade da Constituição brasileira. E, recentemente, em um episódio de grande repercussão no Congresso, acabou se envolvendo numa troca de sopapos com o motorista do senador Delcídio do Amaral e teve de ser socorrido em uma maca.
Wladimir Costa (PSC - PA)
“Um colega nosso falou que se nós cassarmos a presidente Dilma Rousseff, ele vai se mudar do Brasil. Eu já comprei a passagem dele. Sem volta! Sai daqui, porque nós vamos cassar o Brasil em nome do Pará.”
Difícil escolher o que foi mais notável na atuação de Wladimir Costa durante as sessões destinadas ao processo de impeachment: seu discurso confuso que defendeu a cassação do Brasil; a bandeira do Pará à lá Superman amarrada nas costas; o canhão de confetes que disparou simulando o “tiro no coração” que o Governo Federal, segundo ele, deu nos brasileiros; ou, por fim, o simples motivo de ele estar lá presente. É que em 2015, Wlad, como é conhecido, não esteve em 105 das 125 sessões da Câmara. Segundo o site Congresso em Foco, as ausências foram justificadas “em decorrência de recomendações médicas para tratamento de procedimentos cirúrgicos na coluna vertebral”. Em 2011, contudo, o mesmo site mostra que ele foi campeão de uma lista ainda mais indefensável: a de deputados faltosos sem justificativa. De um total de 48 ausências, 29 não foram explicadas. Para finalizar, em apenas um de seus problemas no Judiciário, Wlad teve seus bens bloqueados pela Justiça do Pará no começo deste ano. O parlamentar é acusado de liderar um esquema de desvio de verbas.
Marco Feliciano (PSC - SP)
"Com ajuda de Deus, pela minha família e pelo povo brasileiro, pelos evangélicos da nação toda, pelos meninos do MBL, pelo Vem pra Rua. Dizendo que Olavo tem razão senhor presidente, dizendo tchau para essa querida, e dizendo tchau ao PT, partido das trevas, eu voto sim!"
Ao lado de Jair Bolsonaro, o pastor evangélico Marco Feliciano é um dos parlamentares mais polêmicos da Câmara dos Deputados, seja pela sua atuação no Congresso, seja pelas opiniões que expressa em entrevistas e pregações. Em um discurso recente na igreja, por exemplo, Feliciano disse de forma performática e emocionada que a França é alvo de ataques jihadistas por ser um dos países mais liberais do mundo e, entre outras coisas, ter sido um dos primeiros a lutar pela legalização do aborto e defender a “liberdade sexual”.
Feliciano teve sua prestação de contas da eleição de 2014 desaprovada pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). Na Câmara, quando foi eleito para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, em 2013, articulou em favor da aprovação de um projeto que previa a “cura gay” e que acabou arquivado ao chegar ao plenário da Câmara. “Estamos vivenciando a maior de todas batalhas contra a família brasileira, e a igreja está sendo bombardeada pelas mentiras insinuadas por grupo de bandeira LGBT (gays, lésbicas, bissexuais e travestis), que planeja dividir e destruir nossas igrejas e famílias, usando a política e a discriminação como arma”, escreveu recentemente no Facebook. Hoje contrário a Dilma, Feliciano foi um dos pastores evangélicos que pediam votos a ela em 2010 para ajudar a elegê-la.
Nilson Leitão (PSDB - MT)
"Pela nossa pátria unida, já que o Brasil é um só e ninguém vai nos dividir, eu voto sim."
Quando fala de pátria unida, talvez Leitão não tenha em mente a população indígena que vive no Brasil. Em um processo que corre em segredo de Justiça, o parlamentar é investigado por suspeita de atuar contra índios. Segundo reportagem do G1, o Ministério Público aponta que Leitão seria um dos integrantes de uma organização criminosa que teria se juntado para evitar o processo de retomada da Terra Indígena Maraiwarséde, no Mato Grosso. Além disso, em 2013 o deputado, que está em sua segunda legislatura na Câmara dos Deputados, se livrou de duas acusações no STF por prescrição de crimes. As ações eram decorrentes da operação Sanguessuga da Polícia Federal, que investigava propina a parlamentares em troca de emendas destinadas à compra de ambulâncias e materiais hospitalares.
Raquel Muniz (PSD - MG)
"O meu voto é pra dizer que o Brasil tem jeito, e o prefeito de Montes Claros mostra isso para todos nós com a sua gestão".
Deputada eleita por Minas Gerais e neófita na política, Raquel Muniz está em sua primeira legislatura e, em um ano e meio de mandato, ainda não tinha se destacado. Contudo, ao embarcar no clima de elegias a familiares, que tomou conta da sessão do impeachment, acabou ganhando fama nacional. Durante seu discurso – um dos mais aplaudidos pelos deputados favoráveis ao impeachment – Raquel saudou seu marido, Ruy Adriano Borges Muniz, prefeito de Montes Claros, como um exemplo de gestão. No dia seguinte a homenagem, ele foi preso por uma operação da Polícia Federal, acusado de prejudicar o funcionamento de hospitais públicos da cidade para favorecer um hospital particular, pertencente a ele e seus familiares.
Genecias Noronha (SD - CE)
“Pelos mais de 221.000 votos que em mim acreditaram, em nome do meu Parambu, por meu Ceará e por todos os brasileiros, voto sim pelo impeachment.”
Líder da bancada do Solidariedade na Câmara dos Deputados e, ao lado de Paulinho da Força, um dos principais articuladores de votos favoráveis ao impedimento de Dilma Rousseff, Noronha é um dos citado no livro Os Bem$ que os Político Fazem. Na publicação, o jornalista Chico de Gois, mapeia casos de enriquecimento após eleições. Segundo Gois, o patrimônio de Noronha pulou de 98.800 reais, em 2000, quando foi eleito prefeito de Parambu (CE), para 4,6 milhões de reais em 2010, 10 anos depois.
Vinícius Gurgel (PR - AP)
"Por novas eleições, porque trocar seis por meia dúzia não resolve, eu me abstenho."
Com apenas 37 anos, exercendo seu segundo mandato consecutivo na Câmara de Deputados pelo Amapá, Vinícius Gurgel vem de uma família de políticos de Macapá, a capital do estado. Em seu currículo, ostenta o recorde nacional de despesas de campanha, por ter gasto R$ 110 reais por voto nas últimas eleições. Preferiu se abster na votação do impeachment de Dilma na Câmara, "porque trocar seis por meia dúzia não resolve", demonstrando grande insatisfação com a situação do país. Porém, ele mesmo é alvo de dois inquéritos que apuram crimes contra a ordem tributária, de dois outros inquéritos que apuram crimes eleitorais e também de uma ação movida pelo Ministério Público por compra de votos. Gurgel é conhecido por fazer parte da "tropa de choque de Cunha", por ser um forte defensor do presidente da Câmara. O PR era um dos partidos da base de Dilma, embora nem sempre votasse com o Governo.
Com informações de Camila Moraes.
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