Circo e constrangimento na Câmara dos Deputados
Parlamentares votam o impeachment da presidenta entre cartazes, bandeiras e gritos
Os deputados brasileiros não gozam de grande reputação. 60% dos membros do Congresso têm processos pendentes com a Justiça, de acordo com a ONG Transparência Brasil. E a histórica sessão que neste fim de semana decide o futuro de Dilma Rousseff não ajuda exatamente a melhorar sua imagem.
A sessão da Câmara dos Deputados, vital para o destino de Dilma e do país, é marcada pela presença de cartazes, bandeiras e gritos. Faixas não: o polêmico presidente do Congresso, Eduardo Cunha, um dos alvos da Operação Lava Jato e pivô de uma série de denúncias, as proibiu no exato momento em que alguém levantou uma que dizia “Fora Cunha” bem atrás de sua cabeça.
O discurso contra a corrupção foi repetido quase como mantra pelos que defendem o fim do Governo Dilma. Frases como "fora roubalheira" foram gritadas no plenário, o que não deixa de soar um pouco irônico, já que sobre as costas de boa parte dos parlamentares recaem acusações de, justamente, delitos de corrupção.
Ao microfone, parlamentares —sobretudo os que votaram a favor do impeachment de Dilma— dedicaram seus votos aos seus Estados (cobertos com bandeiras como se assistissem a um jogo de futebol), às suas famílias, aos evangélicos, aos cristãos... até os corretores de seguro mereceram menção de um parlamentar. "À minha filha que está para nascer", disse um. "À minha esposa que está lutando agora pela vida", discursou outro. "Viva, Santa Catarina!", gritou um terceiro. Deus parece ter sido mais citado que a democracia, esta sim, que estava em jogo na noite deste domingo. "Que Deus abençoe o Brasil", repetiram vários parlamentares, numa sequência de vozes que, às vezes, pareciam dizer as mesmas frases.
No sábado, o deputado Wladimir Costa (do partido Solidariedade) foi a estrela por alguns minutos, quando comparou os políticos do PT envolvidos em casos de corrupção com os chefes do crime organizado. E em seguida, soltou uma frase de efeito: “O que Lula e Dilma fazem é um verdadeiro tiro de morte no coração, na alma do povo brasileiro”, gritou, e, de repente, disparou uma pistola de confetes coloridos. Curiosamente, o parlamentar foi o que mais faltou em 2015: das 125 sessões do ano passado, ele compareceu a apenas 20, segundo o jornal Extra. Em outro momento da sexta, foi Silvio Costa (PTdoB) quem ganhou protagonismo: “Quem quer tomar o poder é o PCC, Partido da Corja do Cunha. Esse canalha, bandido, ladrão já devia estar preso”, discursou aos gritos, ao defender o Governo Dilma.
Atuação para as câmeras
Trata-se de uma jornada longa e um tanto confusa. Para um espectador acostumado às sessões dos parlamentos francês ou espanhol, por exemplo, é uma gritaria incompreensível. A sessão deste fim de semana é a mais longa da história da Câmara, e os deputados tem que fazer o seu melhor para provocar, ter protagonismo, fazer com que o público preste atenção neles e ganhem aplausos. Não se trata de convencer ninguém: as negociações são feitas nos corredores. Conscientes de que a sessão é transmitida ao vivo pela televisão, deputados repetem monótona e veementemente, com um luxo de gestos, os mesmos argumentos: Dilma deve cair para o bem do país, gritam os opositores. Destituir Dilma em um julgamento político é golpe de Estado, clamam os cada vez mais escassos aliados do Governo. Em geral, ao lado, há sempre alguém que levanta um cartazinho para aparecer na tela, o que às vezes coincide com o que diz o deputado que está com a palavra, mas às vezes não.
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Foram dois dias, quase 40 horas de debate, e um terceiro dia dedicado somente à votação. Nas redes sociais, os brasileiros destacavam que nunca a Câmara trabalhou tanto, parando somente de madrugada. Houve interrupções muitas vezes, insultos em outras (“golpistas, machistas, filhos da ditadura”) e aconteceram até mesmo empurrões.
Os deputados tinham um tempo determinado para falar (uma hora para cada formação, que vários parlamentares do mesmo partido dividem). No sistema brasileiro, quando o tempo está se esgotando, ninguém avisa o deputado. O microfone é desligado subitamente e o parlamentar, que geralmente está entusiasmado, gesticulando muito, quase declamando, costuma ficar alguns segundos falando no vazio.
Um dos cartazes mais mostrados ultimamente é o que diz: “Tchau, querida”. Trata-se da frase que o ex-presidente Lula disse a Dilma para se despedir em uma conversa telefônica gravada e divulgada pelo juiz Sergio Moro, que investiga o caso de corrupção na Petrobras. A frase tem tido sucesso nas ruas. Mas a oposição se apropriou dela como um slogan para pedir o impeachment da presidenta. Não é de admirar que no debate tenha sempre um deputado tentando fazer com que seu cartaz apareça na televisão: “Tchau, querida”.
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Resultado na Câmara: aprovado o impeachment de Dilma
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