Reta final do impeachment na Câmara tem guerra de nervos e informações
Somados, projeção do Governo e oposição sobre total de votos de cada lado ultrapassa número de deputados da Casa
A Câmara dos Deputados do Brasil tem 513 deputados. São eles que definirão o futuro da presidenta Dilma neste domingo. Para aprovar o impeachment, é necessário o voto de 342 deles, ou dois terços da Casa. Para derrubar o processo, o Governo precisa reunir 171 votos. Mas, a poucas horas da votação aberta que começa na parte da tarde, os dois lados trabalham com números que ultrapassam a realidade. Os apoiadores do impeachment alegam ter 368 deputados ao seu lado, enquanto os governistas garantem que tem 200 contra o processo de impedimento de Dilma Rousseff. A soma de placares propagandeados até agora ultrapassa em 55 a quantidade de parlamentares que podem votar sobre a questão.
A oposição a Dilma diz que os governistas contam com 126 votos, o que representaria uma vitória folgada para os pró-impeachment. Nem por isso eles descuidaram um minuto de fazer corpo a corpo para evitar traições de última hora. O mesmo vale para os pró-Dilma. Nos corredores, desde quinta-feira, era comum ver deputados petistas abordando colegas de outras legendas que ainda estavam indecisos e perguntarem: "o que você precisa para votar com a gente?". Da mesma forma, representantes de movimentos pró-impeachment pressionavam esses parlamentares a declararem logo seus votos.
Os procedimentos para a votação na Câmara do impeachment de Dilma começaram na manhã de sexta-feira em clima de euforia para a oposição e de derrota para os governistas. O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) projetava ao EL PAÍS 380 votos pelo impedimento no domingo. Ele teve de enfrentar uma longa fila para se inscrever como orador favorável ao impeachment neste sábado, e conseguiu apenas o 90º lugar numa lista de 170. Do outro lado, não havia a mesma disputa para se inscrever entre os 79 que pretendem defender Dilma da tribuna. Mas o clima mudou ao longo do dia.
Apesar da confiança ostentada por opositores do Governo como o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), que já falava na tarde de sexta sobre as prioridades de um futuro Governo Michel Temer, as informações de que a atuação de governadores como Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começavam a mudar votos acendeu um alerta na bancada do impeachment.
As principais perdas nas contas de quem é a favor do impeachment foram os votos de Waldir Maranhão (PP-MA) e de Clarissa Garotinho (PP-RJ). Maranhão atendeu a um pedido de sua base e decidiu votar contra o impeachment. No caso dele o que pesou foi a política local. Adversário da família Sarney, o deputado disse que não poderia estar do mesmo lado que ele nesta luta – Roseana Sarney, ex-governadora do Estado, e filha do ex-presidente José Sarney, faz campanha pela queda de Dilma. Já Clarissa, que também é a favor do impeachment, teve de tirar uma licença médica. Por conta do estágio avançado de sua gravidez, ela foi proibida pelo seu médico de viajar do Rio de Janeiro para Brasília.
Decidido a permanecer em São Paulo durante a votação de domingo, Temer mudou de ideia e voltou a Brasília. "Não falei com ele, mas houve uns ataques muito grandes e ele voltou para reagir", disse na manhã deste sábado o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). As negociações para Temer regressar à capital federal aconteceram até durante a madrugada. Enquanto um grupo de deputados discursava na tribuna, outros pediam para se reunir pessoalmente com o vice-presidente assim que fosse possível. A romaria ao Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice, voltou a ocorrer no sábado.
O pretexto da sua vinda seria também uma contraofensiva ao discurso de Dilma que o atacou frontalmente. Num vídeo divulgado no perfil da presidenta no Facebook Dilma diz que "o que está em jogo são as conquistas sociais e os direitos dos brasileiros". "Vejam quem está liderando esse processo e o que propõem para o futuro do Brasil. Os golpistas já disseram que, se conseguiram usurpar o poder, será necessário impor sacrifícios à população brasileira", diz a presidenta no vídeo, aludindo ao áudio vazado de Temer. Inicialmente, o Planalto iria ocupar a rede nacional de rádio e televisão para veicular defesa da presidenta Dilma Rousseff, mas abortou a ideia temendo implicações legais.
Neste sábado, Temer foi ao Twitter se defender: "Leio hoje nos jornais as acusações de que acabarei com o bolsa família. Falso. Mentira rasteira. Manterei todos os programas sociais". O vice-presidente da República aproveitou para passar outras mensagens, como a defesa da Lava Jato e a unificação dos brasileiros. “Só sairemos da crise se todos trabalharem pelo Brasil, não pelos seus interesses pessoais", escreveu.
Enquanto emissários de Temer e Dilma articulavam, os boatos seguiam. Estaria Eduardo Cunha pensando em adiar a votação de domingo para evitar a derrota do impeachment que os governistas preveem? Em resposta às especulações, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) atravessou o plenário da Câmara neste sábado alardeando que o movimento Vem pra Rua já contava 345 votos pelo impeachment, três a mais do que o necessário para abrir o processo de impeachment que então seguirá para o Senado, caso consiga a votação necessária. Como lembrou, contudo, o chefe do Gabinete pessoal de Dilma, Jaques Wagner, "não existe vitória antecipada" na política. É por isso que os dois lados seguem atuando. E espalhando boatos.
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