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Ministério Público investiga contratos ‘premium’ da Sabesp

Promotores analisam se acordos com os maiores clientes têm impacto na crise

María Martín
Intervenção do Greenpeace contra os grandes consumidores.
Intervenção do Greenpeace contra os grandes consumidores.A. Penner (AP)

O Ministério Público do Estado de São Paulo analisa se os chamados contratos de demanda firme da Sabesp, que oferecem descontos de até 70% aos maiores consumidores de água, têm algum impacto na crise hídrica que vive São Paulo. A metrópole, submetida a cortes de água diários, depende hoje de obras de emergência para evitar um dos piores cenários no período de seca: um rodízio drástico de cinco dias sem água por dois com.

Os contratos premium da Sabesp foram desenhados para os clientes que gastam mais de 500.000 litros por mês e seguem a lógica inversa aplicada ao consumidor comum: quanto maior é o consumo, menor é o preço cobrado por cada litro de água. Há 539 clientes privilegiados que, embora paguem mais pela água que os consumidores residências, se beneficiam de um preço menor do que lhes corresponderia por sua atividade industrial ou comercial.

Inicialmente, a companhia chegou a enviar os documentos à Promotoria com todos os dados de interesse público riscados.

Os documentos, assinados desde janeiro de 2013 a abril de 2015, estão hoje nas mãos do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) que investiga a crise hídrica como um todo. A Sabesp apresentou os contratos no dia 30 de abril, 60 dias depois de ter recebido a requisição dos promotores. Inicialmente, a companhia chegou a enviar os documentos à Promotoria com todos os dados de interesse público (nome da empresa, consumo, tarifa aplicada, etc.) riscados.

Os promotores contam hoje com uma informação inédita, pois a falta de transparência tem sido comum na divulgação de informações sobre estes clientes. Até agora, a Sabesp não liberou, apesar dos inúmeros pedidos por meio da Lei de Aceso à Informação, o conteúdo desses contratos e, como na primeira tentativa com os Ministério Público, apenas abriu mão de um monte de folhas digitalizadas no seu site com milhares de grifos pretos.

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Entre os clientes premium há supermercados, shoppings, condomínios empresariais, indústrias e prédios institucionais. A fábrica Viscofan no Morumbi, que fabrica tripas de celulose para fazer salsichas e outros embutidos, é uma das campeãs de consumo, com 60 milhões de litros por mês. A tarifa combinada com a empresa é de 3,41 reais por metro cúbico, enquanto o resto de indústrias, sem contrato, paga 13,97 reais.

Embora a Sabesp afirme que todos os grandes clientes reduziram seu consumo no último ano, a estatal continua sendo questionada desde fevereiro sobre a importância de manter estes acordos em um cenário onde os bairros da cidade ficam até 20 horas sem água e acabou de ser aprovado um aumento da conta de 15,24%.

O próprio ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira, pai deste tipo de contratos, defendeu que, em um momento de crise como este, era necessário rever os contratos.

Não há uma resposta oficial. Um dos argumentos para defender esta política, considerada de fidelização, é que os descontos no fornecimento de água – mas também no tratamento de esgoto – evitariam um êxodo de indústrias, já castigadas pela crise, para fora de São Paulo. A razão fundamental, segundo um alto cargo da companhia, seria evitar que, com os contratos suspensos, os grandes consumidores, visando economizar, resolvam jogar o esgoto na rede pública sem o tratamento adequado. Por último, a companhia defende que as tarifas aplicadas a estes clientes acabam subvencionando as tarifas residenciais. Nenhuma destas hipóteses é defendida com dados ou estudos que as confirmem. O próprio ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira, pai deste tipo de contratos, defendeu em entrevista ao EL PAÍS que, em um momento de crise como este, era necessário rever os contratos.

A última vitória do Ministério Público durante a pior crise hídrica dos últimos 84 anos foi a liminar que obrigou à Sabesp a divulgar os índices negativos de armazenamento do Sistema Cantareira. Entre os mais de 50 processos em andamento, os promotores ajuizaram uma ação contra o uso da segunda parte do volume morto do sistema e investigam a cobrança indevida pelo ar fornecido ao consumidor como se fosse água.

Perguntas e respostas

O que são os contratos de demanda firme?

O que mudou nos contratos diante a crise?

Por que a Sabesp é questionada?

São contratos assinados entre a Sabesp e consumidores industriais e comercias que consomem mais de 500 m³/mês (500.000 litros). Eles oferecem descontos tanto no preço da água como no tratamento de esgoto e visavam evitar que os maiores consumidores de São Paulo procurassem fontes alternativas de água, como poços e caminhões-pipa, e formassem parte da rede pública. Os contratos são específicos para cada cliente: as empresas são obrigadas a contratar um volume fixo de água e a companhia calcula qual será o preço aplicado. Até a chegada da crise,  o cliente pagava o mesmo valor mesmo se o consumo fosse menor. Ou seja, economizar água não representava nenhuma vantagem econômica.

Embora tenha sido cogitado excluí-los, os clientes premium da Sabesp estão submetidos as multas por aumento de consumo, mas não recebem os bônus oferecidos por redução de consumo.

Foi liberado também o consumo mínimo de 500 m³ por mês, sendo que os contratos dos clientes que gastem menos que esse patamar não serão suspensos. Essa exceção, porém, só será considerada durante três meses, mas após esse tempo, a empresa será excluída do contrato.

Antes da crise, os contratos obrigavam a manter exclusividade com a Sabesp, mas a partir de fevereiro, a companhia permitiu também que os grandes clientes buscassem formas alternativas de consumo, o que levou a 70% deles a abrirem poços para o seu abastecimento.

Embora a Sabesp afirme que não estava assinando novos contratos em decorrência da crise, o Ministério Público tem informações de acordos até abril de 2015.

A Greenpeace focou suas ações durante a crise hídrica nos contratos de demanda firme. A organização, assim como outros coletivos e especialistas, pede a suspensão desses contratos como "um passo fundamental para o enfrentamento responsável da crise. Enquanto elas recebem esse estímulo para consumir mais, a população sofre com o racionamento não-declarado e dias sem abastecimento. Essa injustiça tem que acabar", afirma a ONG.

Outra das principais críticas feitas à companhia durante a gestão da crise é a falta de transparência. A primeira lista incompleta de clientes de demanda firme e seus respectivos consumos e tarifas foi publicada pelo EL PAÍS em fevereiro, mas a Sabesp não divulgou até hoje uma relação completa. Até na relação de dados mais detalhada, oferecida pela companhia, sempre falta, no mínimo, o nome dos clientes.

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