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Sabesp ainda esconde a identidade dos maiores consumidores de água

A companhia divulga o volume consumido pelos 523 grandes clientes, com base na Lei de Acesso à Informação, mas não detalha quem são e nem as tarifas privilegiadas que pagam

María Martín
Um boneco de Geraldo Alckmin toma banho durante protesto.
Um boneco de Geraldo Alckmin toma banho durante protesto.Victor Moriyama (Getty Images)

A companhia de saneamento básico de São Paulo enviou, após pedido baseado na Lei de Acesso à Informação, o volume de água consumido e o número total dos clientes que são beneficiados pelos contratos de demanda firme que privilegiam com grandes descontos os maiores consumidores da cidade. A Sabesp, porém, não forneceu os nomes desses clientes nem o preço que eles pagam por cada metro cúbico. Até hoje, só é conhecido o consumo e a tarifa aplicada a 294 desses beneficiários, após EL PAÍS publicar uma lista parcial da própria Sabesp.

Nesta nova lista incompleta há 523 clientes sem identificação, que consomem juntos uma média de mais de 2,25 milhões de metros cúbicos por mês. Esse consumo é equivalente ao gasto mensal de 144.600 famílias de quatro membros e se trataria de 3,88% do total da água faturada pela Sabesp no município de São Paulo, tendo em conta dados fornecidos pela própria companhia à CPI municipal que investiga os contratos da estatal com a prefeitura.

A manutenção dos contratos de demanda firme – desenhados em 2002 para impedir que os consumidores comerciais e industriais optassem pelo uso de poços privados ou caminhões-pipa – entraram na pauta da pior crise de água que já viveu São Paulo. O próprio ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira afirmou em entrevista a este jornal que “existem motivos de força maior para rever” esses contratos e especialistas em recursos hídricos, como o professor José Galizia Tundissi, defendem que a Sabesp deveria renegociar os contratos. “Não há dúvida de que essa negociação deve ser considerada no ápice da crise. Não é questão de que seja justo ou injusto, mas a conta da água deve ser para todos", afirmou Tundissi em entrevista ao El PAÍS. "Quem gasta mais deveria pagar mais," disse.

A companhia, porém, não tem se manifestado nessa direção. O principal gesto nesta discussão foi oferecido ao Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) que, após uma marcha de mais de 10.000 pessoas contra a falta de água na última quinta-feira, foi recebido pelos chefes da Casa Civil e Militar do Governo de Geraldo Alckmin. Após o encontro, o movimento saiu com o compromisso de uma reunião nesta semana com o diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massato, onde será discutida a logística para distribuir caixas de água na periferia, a construção de poços artesianos, o envio de caminhões-pipa e a avaliação dos contratos de demanda firme.

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Apesar do pedido, a Sabesp negou-se a informar as tarifas aplicadas a esses beneficiários que, ao pagarem menos à medida que consomem mais, seguem a lógica contrária à imposta aos clientes comuns, que pagam mais se mais consomem. Para conhecer o preço que esses grandes consumidores pagam pela água, a companhia remete à tabela oficial onde aparecem as tarifas dos clientes de demanda firme. Nela, informa-se que quem consome de 500 a 1.000 m3 por mês gasta 11,67 reais por cada m3, enquanto quem ultrapassa os 40.000 m3 paga 7,72 reais. Os dois valores são menores  que os aplicados a clientes comuns, cujas tarifas industriais e comerciais são de 13,97 reais por cada metro cúbico.

Os preços oficiais dessa tabela, porém, diferem dos publicados por este jornal baseados em uma lista enviada pela companhia à CPI municipal. Nessa lista, onde aparecem o volume, a tarifa aplicada e o nome de 294 desses clientes, há contratos beneficiados com tarifas de 3,41 reais por m3, como a fábrica de celulose Viscofan. O shopping Eldorado, outro desses grandes consumidores, paga 6,27 reais por cada metro cúbico, valores menores aos informados na tabela oficial. Procurada, a Sabesp não explicou por que esses dados não batem, antes do fechamento da reportagem.

Na lista publicada pelo EL PAÍS, a Viscofan era a campeã do consumo com um gasto de 60.000 m3/mês, o equivalente à quantidade de água utilizada por mais de 3.800 famílias de quatro membros, considerando que cada um deles gaste 130 litros por dia. Nesta nova lista, quem mais gasta atinge os 98.322 m3/mês, o consumo mensal de mais de 6.300 famílias.

Dos 523 nomes, há 101 clientes que consomem de 5.000 a 100.000 metros cúbicos por mês; 118 cujo consumo encaixa entre os 2.000 e os 5.000 m3/mês; e 304 clientes que gastam de 500 m3/mês – o consumo mínimo para assinar esses contratos – a 2.000 m3/mês.

Medidas de contenção

Até março de 2014, o modelo dos contratos incentivava ainda mais o consumo. Até a data, ele poderia ser comparado ao de um pacote de telefonia e internet, em que o cliente paga um valor cheio por um volume (de dados ou de água) acordado previamente. Se usava menos água, portanto, pagava o mesmo valor, mas se ultrapassava a quantidade contratada pagava uma diferença.

Com o agravamento da crise hídrica, a Sabesp modificou essa obrigatoriedade de consumo mínimo, liberou os clientes a usarem fontes alternativas de água e os incluiu no programa de multas pelo aumento de consumo até os mananciais se recuperarem.

Com essa liberação, 70% dos clientes adotaram fontes alternativas e reduziram seu consumo com a companhia, segundo o documento enviado à Câmara.

A companhia não inclui seus clientes fidelizados no Programa de Redução de Consumo – que premia com 30% de desconto quem economizar 20%. Assim, uma grande redução do consumo não significaria necessariamente um grande alívio na conta desses clientes.

A Sabesp ainda está no prazo para responder ao recurso interposto na Corregedoria Geral da Administração pela Agência Pública por conta da negativa da estatal de divulgar informações sobre esses clientes. O veículo pediu duas vezes os dados completos de esses contratos à Sabesp por meio da Lei de Acesso à Informação e a companhia negou apelando à privacidade dos seus clientes.

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