As divergências do ‘vagão rosa’
O projeto de lei, que prevê carros preferenciais para mulheres em trens e metrôs do estado de São Paulo, é vetado por Alckmin
O projeto de lei do vagão rosa, como foi denominado o vagão exclusivo para as mulheres em trens e metrôs de São Paulo, foi vetado hoje pelo Governo do estado. A medida, questionada por alguns coletivos que se mobilizaram para pedir o veto, foi considerada segregacionista. "Desde o início não vi com bons olhos o projeto. Acho que segregar, separar, não parece ser o caminho adequado", disse o Governador Geraldo Alckmin durante a coletiva de imprensa esta tarde no Palácio dos Bandeirantes, em nota divulgada pelo gabinete. Outras razões sustentam o veto. Segundo Alckmin, para coibir o assédio e motivar a denúncia mais seguranças mulheres foram contratadas e há câmeras de vídeo instaladas em todas as estações e em "mais da metade dos trens".
“Temos que aprender a conviver, a cidade deve ser compartilhada por todos. Segregar é um retrocesso”, defende Anna Livia Arida, advogada e diretora da ONG Minha Sampa. Para o autor da proposta, o deputado Jorge Caruso (PMDB), se tratava apenas de uma “proteção” para as mulheres que não sabem lidar com o abuso e têm dificuldade para se defender quando o mesmo ocorre no transporte público.
O projeto de lei, que foi protocolado no começo do ano passado, tinha até o próximo dia 14, quinta-feira, para ser sancionado pelo Governador Geraldo Alckmin, já que foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado em 4 de julho. Caso entrasse em vigor, as empresas responsáveis pelos trens e metrô no Estado teriam 90 dias para adaptar o serviço, ainda que não estivesse definido no projeto a quantidade exata de vagões exclusivos para mulheres. “No mínimo um vagão por trem”, dizia o texto. O deputado contou que a Secretaria de Transportes Metropolitanos havia emitido um parecer contrário à medida, alegando que seria difícil de implementar, mas que estava confiante na aprovação.
Se levarmos em consideração o número de usuárias do metrô, é ineficiente implementar essa lei” Anna Livia Arida, advogada e diretora da ONG Minha Sampa
Baseado na experiência do Rio de Janeiro, onde o vagão rosa funciona há oito anos, o deputado fez a proposta para que o mesmo ocorresse em São Paulo. Na capital carioca, a lei foi considerada inconstitucional pelo Ministério Público do Estado, pelo direito de ir e vir dos cidadãos sem levar em consideração o gênero, uma tese que foi derrubada pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2008. Em Brasília, que adotou o vagão em metrôs no ano passado, a inconstitucionalidade também foi uma questao debatida, mas prevaleceu o carro exclusivo para mulheres.
“É uma adaptação à realidade. As mulheres têm dificuldade de entrar nos trens em horário de pico e temos homens com problemas de convivência que se aproveitam da situação do transporte público”, disse Caruso, em referência à superlotação do transporte da capital paulista. No entanto, uma das críticas é que criar um vagão exclusivo por trem não resolveria o problema exposto pelo deputado. A Companhia de Transporte Metropolitano da cidade informou que a participação feminina no Metrô corresponde a 58% do número de passageiros, enquanto os homens são 42%, de uma população que varia entre 3,5 e 4 milhões de usuários diários. “Se levarmos em consideração o número de usuárias do metrô, é ineficiente implementar a lei”, expõe Arida.
Onde encaixaríamos um transexual então? Em qual vagão?” Haydée Svab, do PoliGen, o núcleo de extensão de estudos de gênero da Politécnica da Universidade de São Paulo
Até mesmo quem está a favor dos vagões, como o Movimento Mulheres em Luta, tem suas ressalvas sobre o projeto de lei que previa sua implementação. Para Camila Lisboa, coordenadora nacional do MML, são três pilares que devem funcionar em conjunto para que a medida tenha sentido. “Ações de conscientização, incentivar as mulheres a denunciar e protegê-las. Com essa lei, apenas cumprimos o último quesito”, explica. Lisboa não concorda com o termo “segregação”. “Quem segrega é o machismo, com a humilhação a que submete as mulheres. Antes da segregação tem a violência, a violência sexual que as mulheres sofrem todos os dias”.
Ações de conscientização, incentivar as mulheres a denunciar e protegê-las. Com essa lei, apenas cumprimos o último quesito” Camila Lisboa, coordenadora nacional do Movimento Mulheres em Luta
Para o sociólogo Gustavo Venturi, especialista em gênero e diversidade sexual do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo, a medida “nem vai resolver o problema nem seria positivo para a sociedade”. Segundo ele, há uma questão de fundo mal resolvida: o machismo. “É um desconhecimento dos governantes sobre esta causa e reforça a ideia de que as mulheres são as responsáveis pelos ataques, então diz a ela que deve ficar separada para não sofrer determinado tipo de violência e de assédio”, afirma. A solução, para ele, é trabalhar de outra forma. “Um dos caminhos é a educação. Outros seriam as políticas de acolhimento de vítimas e contar com profissionais preparados para lidar com agressões deste tipo” no transporte público.
Ana Carolina Andrade, ativista do coletivo RUA – Juventude Anticapitalista, é partidária de um diálogo educativo para conscientizar a população, já que “ao invés de ensinar as meninas a fazerem tudo para não serem estupradas, a sociedade deveria ensinar os homens a não estuprar”.
E há ainda uma outra questão, definida como “paradigma heteronormativo” pela ativista Haydée Svab, do PoliGen, o núcleo de extensão de estudos de gênero da Politécnica da Universidade de São Paulo. “Onde encaixaríamos um transexual então? Em qual vagão?”. Andrade compartilha a reflexão e acrescenta: “A sociedade não enxerga a trans como mulher. Temos medo que elas sofram como um grupo que já é segregado. Vão apenas reforçar o preconceito, pois elas podem ser barradas”. Svab considera a medida vetada simplista, apesar de que, segundo uma pesquisa do Datafolha divulgada em abril, 73% dos paulistanos estavam a favor da implementação do vagão rosa no transporte público da capital. “É uma questão muito mais profunda, de mudança de cultura. Você sai do ônibus ou do metrô e continua sofrendo assédio”, lamenta.
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