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Coluna
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“Perdi o emprego, mas NÃO a fé: me ajudem!”

A imagem daquele homem que vi no semáforo se cruzou com a afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que é melhor não ter feijão do que não ter fuzil

Manifestantes protestam contra a crise no Brasil, no centro de São Paulo, em meio a moradores de rua.
Manifestantes protestam contra a crise no Brasil, no centro de São Paulo, em meio a moradores de rua.NELSON ALMEIDA (AFP)
Juan Arias
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Foi ontem, sexta-feira, em uma rua cheia de tráfego em Niterói, a bela ex-capital do Estado do Rio de Janeiro. Quando meu táxi parou em um semáforo vermelho, apareceu um senhor de 60 anos com um cartaz gigante escrito à mão: “Perdi o trabalho, mas NÃO a fé: me ajudem”. Em suas mãos, tinha algumas bugigangas penduradas para vender.

Quando o semáforo abriu, ele voltou para a calçada. Nela, uma mulher tinha improvisado, sob uma lona, sua pequena loja para vender algo que não consegui ver. O que reparei é que ela se aproximou do senhor do cartaz para comprar algo. Talvez ela também tenha perdido seu emprego, como milhões de brasileiros, mas não sua dignidade, e faça o que pode para garantir a sobrevivência dela e de sua família. E soube ter alguns segundos de compaixão por quem, talvez como ela, perdeu o emprego, mas não a fé na vida.

A cena, que durou segundos, talvez tenha me impressionado mais porque eu estava voltando de uma operação na vista que me permitiu ver, de repente, os objetos e os rostos com uma nova luz, como a do primeiro dia da criação. Foi assim que pude ver nos olhos daquele homem, já idoso, não dor, nem raiva, nem resignação, mas sim firmeza e talvez esperança em tempos melhores, aos quais lhe conduziria a fé, que escreveu com maiúsculas que não tinha perdido.

Ao chegar em casa, embora ainda tivesse os olhos cheios de colírio, não resisti a dar uma olhada nos jornais para saber o que havia acontecido no Brasil e no mundo nas 48 horas em que não pude ler. E foi assim que a imagem daquele homem no semáforo se cruzou com a afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que é melhor passar fome do que não ter fuzil. Uma frase que resume melhor que qualquer outra a crueldade aninhada no coração do bolsonarismo de raiz.

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As palavras do capitão reformado, que ainda não se deu conta da responsabilidade que tem em suas costas de governar um país com 213 milhões de habitantes com o quinto maior território do mundo, onde cerca de 15 milhões de pessoas poderiam sair às ruas para confessar, como o senhor de Niterói, que perderam o emprego, mas não a fé, são um duro retrato do Brasil de hoje.

O presidente, na linguagem vulgar e soez que ofende a bela e doce língua portuguesa, disse assim ao rebanho de suas hostes fiéis: “Tem que todo mundo comprar fuzil”. E acrescentou: “Daí tem um idiota que diz ‘ah, tem que comprar feijão’. Se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”. O IBGE tinha acabado de revelar que a inflação no Brasil mais do que dobrou nos dois últimos meses, arrastando milhões para a pobreza extrema e até a fome. Mas, para Bolsonaro, é melhor estar armado com um fuzil do que não passar necessidade.

Ao senhor de Niterói e aos pobres de todas as ruas do Brasil que lamentam ter perdido o trabalho, e com isso boa parte de sua dignidade como pessoa, Bolsonaro aconselha que comprem um fuzil e parem de reclamar. Para o bolsonarismo-raiz, não há nada pior para um brasileiro do que não ter um fuzil. Ao lado dessa terrível desgraça de viver desarmado, as lágrimas das crianças que choram de fome podem ser até doces.

Não sei se ter um fuzil elimina todas as penas dos brasileiros, mas com certeza não os ajuda a conciliar o sono e a deixá-los menos infelizes. Isso é demonstrado pelas revelações pessoais de Bolsonaro, que confessou que dorme com uma arma ao lado de sua cama, mas que ao mesmo tempo sofre de insônia grave e em plena madrugada fica enviando mensagens a seus amigos. O que está claro para todos, ainda mais para quem não tem nem comida para dar a seus filhos, é que estar armado não enche a barriga.

A cultura bolsonarista coloca o centro da felicidade nas armas e na violência, em zombar dos que se queixam de sofrer com necessidades essenciais, dos que criticam o presidente por ter deixado que a pandemia tirasse a vida de mais de meio milhão de cidadãos. Essa cultura desdenha também da vacina, que o próprio presidente da nação se negou a receber. Para essa pseudofilosofia dos seguidores do caudilho negacionista que zombam da dor e da morte das pessoas, que se divertem criando discórdia e escarnecendo dos fracos e diferentes, que exaltam e inflamam uma linguagem que os pais esconderiam de seus filhos pequenos, a única felicidade verdadeira é a de possuir um fuzil.

Um dos ministros mais importantes do Governo bolsonarista, o da Economia, Paulo Guedes, no qual Bolsonaro tinha colocado as esperanças de tirar milhões de brasileiros da pobreza com uma política superneoliberal, chegou a zombar, dias atrás, do drama dos pobres que têm visto o crescimento galopante do preço da luz, do gás e da gasolina. Ele lhes disse, com a maior desfaçatez, que não adianta nada “ficar sentado chorando”. E acrescentou: “Qual o problema de a luz ficar mais cara?”.

Nada pior do que o sarcasmo para ofender a dignidade dos pobres que mal conseguem sobreviver. Além de crueldade, isso é violência institucional. Ao mesmo tempo, como publicou Ricardo Noblat em seu blog, os números ofendem um país rico, onde é um pecado que haja um pobre. Na economia, por exemplo, entre as 100 maiores empresas do mundo, há 68 americanas, 11 europeias, 11 chinesas e 9 asiáticas. E brasileiras? É vergonhoso dizer, mas entre as 100 maiores empresas mundiais, o Brasil não tem nenhuma. E quanto à facilidade de fazer negócios, para pelo menos reduzir o desemprego e a fome de tanta gente, em comparação com hoje, com um Governo superliberal, a do Brasil caiu 10%, enquanto a da Índia cresceu 70% e a da China aumentou 50%. E pensar que o Brasil já foi a quinta potência econômica do mundo.

Diante desses números, talvez tenha razão o ultraliberal Guedes quando diz, entre espantado e incrédulo, que os pobres não têm motivos para se queixar de que aumente a luz ou o gás, ou o presidente quando se enfurece com quem pensa que é melhor não passar fome do que ter um fuzil.

No entanto, Bolsonaro e suas hostes vão passar, porque são só espuma suja no mar limpo do Brasil, um país que, ainda com as chagas abertas de sua triste herança escravista, está perdendo cada dia mais a fé naqueles que hoje o governam, mas não a que abrigam em sua alma. As pessoas podem estar passando fome hoje, por ter perdido o emprego, mas não perderam a fé de que as nuvens carregadas de morte do ciclone bolsonarista acabarão se dissipando para que ressuscite a esperança de tempos melhores.

Aquele “perdi o emprego mas NÃO a fé” do dolorido cartaz do senhor de Niterói acabará derrotando a ignomínia neofascista de um bolsonarismo que não só humilha o Brasil, como também está envergonhando e preocupando o mundo, que tantas esperanças havia depositado no Brasil, um país que, enquanto continua alimentando o planeta com suas riquezas naturais, deixa seus habitantes morrerem de fome.

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