Macapá sofre mais um apagão mergulhada na desesperança
Bairros fazem rodízio de luz enquanto alguns comerciantes investem em geradores para sobreviver. Novo blecaute começou cerca das 20h30 desta terça-feira e durou mais de uma hora e meia
Incerteza. Quando as luzes se apagam em Macapá, capital do Estado do Amapá, não há para onde fugir nem o que fazer. Tudo em volta fica escuro, sem previsão de voltar ao normal. O calor úmido da Amazônia equatorial invade cada canto. Medo. Milhares de pessoas têm o fornecimento de água cortado, uma vez que os sistemas de bombeamento dependem de energia elétrica. A comida congelada ameaça estragar. Famílias e comerciantes que não contam com geradores de energia apenas rezam para que geladeiras, freezers ou qualquer outro sistema elétrico importante não queimem com o corte de energia. Ansiedade. Os prejuízos são imensuráveis desde que houve o primeiro grande blecaute, na terça-feira do dia 3 de novembro. Duas semanas depois, às 20h30 desta terça-feira, 17 de novembro, os macapaenses voltaram a vivenciar mais um desses apagões repentinos. Desta vez durou pouco mais de uma hora e meia. Desesperança. Dificuldade de seguir em frente. Cansaço. “Nós temos muitas hidrelétricas, mas a energia vai para fora, não fica nada para a gente”, diz um garçom minutos depois do corte de energia.
A Eletronorte confirmou que, “por volta de 20h31″, houve um desligamento da Usina Coaracy Nunes “em decorrência de um evento externo, provavelmente no sistema de distribuição de energia elétrica”. As causas ainda não foram esclarecidas. Assim como ainda não foram explicados os motivos do primeiro grande apagão, ocorrido depois de um incêndio em uma subestação de distribuição elétrica, deixando 90% dos mais de 780.000 amapaenses no escuro por pelo menos quatro dias seguidos. Foram 13 dos 16 municípios do Estado atingidos, incluindo a região metropolitana de Macapá. A possibilidade de que um raio tenha causado os danos foi logo descartada. Uma investigação foi aberta e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pretende entregar nos próximos dias um relatório com as causas do apagão. Promete punir os responsáveis.
Em Macapá há muitas obras, quase nenhum prédio, ruas com asfalto precário e pouca sinalização. Com mais de 500.000 habitantes, aparenta ser uma cidade que ainda não terminou de nascer —apesar de ter sido fundada no século XVIII, às margens do rio Amazonas. Desde esse primeiro blecaute, a capital do Estado e a vizinha Santana vêm recebendo luz de forma racionada. Os bairros estão sob um regime de rodízio e, ao longo do dia, ficam três horas seguidas com luz e outras três horas seguidas sem luz. Quando o EL PAÍS aterrissou em Macapá, por volta de 14h desta terça, geradores de energia davam conta apenas da parte operacional do aeroporto. Nos guichês de aluguel de carro, filas se formavam. O sistema não funcionava. Em um deles, os veículos só começaram a ser liberados quando um funcionário de folga, com o sistema da empresa em sua casa, realizava os trâmites necessários. “É assim todos os dias”, explica outro trabalhador da empresa.
O policial Jeffrey Sullyvan, de 46 anos, gerencia um mercado de alimentos de sua família com três lojas na cidade. Cada uma possui seu gerador de energia próprio para seguirem abertas. “Em Macapá sempre houve cortes de energia. Desde que sou garoto. Nunca houve um apagão como o de agora, mas sempre ficamos sem luz. Uma empresa média ou grande não sobrevive se não investir em gerador de energia”, explica. Ele mostra a imensa máquina verde que custou 140.000 reais cinco anos atrás. Desde que a crise enérgica começou, duas semanas antes, ele conta estar gastando cerca de 2.000 reais por dia em cada loja para manter os geradores funcionando. Um litro de diesel, que serve de combustível para as máquinas, custa em torno de 4,15 reais. “O prejuízo é menor mantendo o mercado aberto. Porque, se fecho, eu perco os alimentos congelados”, explica.
Ele ainda explica que a crise ocasionada pelo apagão se juntou com a da pandemia de coronavírus. “Começou a faltar produto e tudo aumentou de preço. O arroz, o feijão, o açúcar, o trigo... Uma pessoa que comprava cinco quilos de arroz passou a comprar dois”, conta. Ele ainda não fez as contas de quanto teve de prejuízo nos últimos 15 dias de cortes de energia, mas afirma que, desde o início da pandemia, já perdeu cerca de “30% a 40%” de seu faturamento. “Essa é uma terra boa, com muitas riquezas, mas o grande problema é a corrupção”, afirma.
Assim como o resto do mundo, o Brasil tinha a atenção voltada para a apuração das urnas nos Estados Unidos quando o Amapá ficou no escuro. Os olhos nacionais estão concentrados no Sul e no Sudeste do Brasil, e demorou para se fixar no extremo-norte do país e perceber a crise. Protestos começaram a ocorrer quase que diariamente nas ruas escuras de Macapá. Com a intervenção da polícia nos atos, algumas pessoas acabaram ficando feridas. As eleições tiveram inclusive de ser adiadas na capital —em outras localidades, como na vizinha Santana, elas ocorreram normalmente. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), chegou a dizer na última quinta-feira, 12 de novembro, que o maior prejudicado pelo apagão seria o seu irmão, Josiel Alcolumbre, que é candidato à prefeitura de Macapá. Ele liderava a corrida eleitoral, mas viu sua vantagem cair durante o apagão. “O maior atingido com esse apagão chama-se Josiel Alcolumbre, que ia ganhar eleição no primeiro turno, que estava caminhando para ganhar em primeiro turno. Está hoje na pesquisa divulgada aí, nas nossas pesquisas internas, em primeiro lugar com praticamente o dobro na frente do segundo”, declarou à Rádio Diário FM, do Amapá.
Mas em Provedor 2, um bairro pobre do município de Santana que se formou em uma área alagada, repleta de casas de madeira, em estilo palafita, o casal Edna Mendes, 56, e José Avilbar Silva dos Santos, 55, não sabe o que fazer. “O apagão foi difícil para todos nós. Ficamos mais de 10 dias na escuridão, com tudo o que lutamos para comprar estragando. Frango estragando, salsicha azedando, bebida descongelando, tudo”, conta Edna.
Assim como outros vizinhos, a família tem um pequeno comércio que alimenta a própria comunidade e que rendia cerca de 2.000 reais por mês. “Quando veio o apagão, não conseguimos comprar gelo para manter a comida. Acabou água, acabou vela, acabou gelo, acabou tudo”, conta Edna. José afirma que o prejuízo foi de mais de 1.000 reais em alimentos. O equipamento de som montado por ele para os dias de eventos na comunidade, como festa de ano novo, também queimou. Sem produtos para vender nem eventos para organizar, não há dinheiro para fazer a roda do pequeno negócio girar. “Não consigo nem comprar farinha para vender”, afirma José, enquanto mostra uma latinha com querosene e um barbante aceso, a maneira mais barata que encontrou para iluminar sua casa nas horas sem luz. Ele faz alguns consertos de equipamento elétrico, enquanto sua esposa vende os produtos que restaram, como detergente, pasta de dentes e alimentos em conserva. Dez reais que conseguem em um dia de trabalho fazem toda a diferença, afirmam.
Edna conta ainda com os 200 reais do programa Bolsa Família —ela diz ter recebido o auxílio emergencial por apenas dois meses— e um benefício de um salário mínimo da mãe. É pouco para manter uma família numerosa —o casal tem três filhos, de entre 12 e 25 anos. Dependem da solidariedade de um vizinho da região com poço em seu terreno para conseguir água, que deixa de ser bombeada com a falta de luz, além da distribuição de cestas básicas. “Falaram que o Governo Federal vai dar um auxílio, mas ninguém sabe se vai cair ou não, ou quando vai cair”, afirma a mulher.
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