Biden, na Assembleia Geral da ONU: “Não estamos procurando uma nova Guerra Fria”
Além do recado político, presidente promete duplicar a ajuda econômica dos EUA aos países menos desenvolvidos no combate às mudanças climáticas
Joe Biden submeteu nesta terça-feira sua agenda de política externa ao escrutínio da Assembleia Geral da ONU, em um momento em que a diplomacia norte-americana é questionada pelas crises do Afeganistão e dos submarinos nucleares. Com uma decidida aposta no multilateralismo, o presidente dos EUA defendeu a cooperação internacional para enfrentar ameaças globais como a mudança climática e a pandemia de covid-19, temas que foram destaques de abertura da sua mensagem. No entanto, o Democrata também abordou uma ampla gama de assuntos internacionais: do seu apoio à solução dos dois Estados para o conflito israelense-palestino à luta contra a fome no mundo. Apenas sete meses depois de chegar à Casa Branca, Biden fez de seu discurso uma declaração cheia de intenções que não estão isentas nem de respostas e de críticas por parte de seus aliados, ainda irritados com a debandada no Afeganistão e com o pacto feito com Reino Unido e Austrália para fazer frente à China no Pacífico. Mesmo assim, Biden buscou soar esperançoso, descartando a existência ou até o risco de uma ‘nova Guerra Fria’ entre o Ocidente e Pequim.
A mensagem mais potente, antecipada na véspera pela Casa Branca, foi justamente dirigida à China, embora sem citar a potência asiática diretamente. “Não estamos procurando uma nova Guerra Fria, nem um mundo dividido em blocos rígidos. Mesmo assim, os EUA farão frente a qualquer tentativa por parte de países poderosos de dominar os que são mais fracos”, disse. A única referência explícita a Pequim foi de passagem: “Devemos denunciar abusos como os de Xinjiang e da Etiópia”. O regime chinês está na mira da comunidade internacional pela repressão à etnia uigur, a maioria muçulmana na região. Quanto ao segundo caso mencionado, a administração de Biden adotou, na segunda-feira, novas sanções pelo conflito em curso na região etíope de Tigray.
A Casa Branca foi categórica ao rejeitar a hipótese de uma reedição do conflito entre blocos que definiu parte do século XX, um temor apontado neste fim de semana pelo secretário-geral da ONU, António Guterres. Mas a dissonância entre Washington e o chefe da diplomacia global parece persistir, a julgar pelas declarações do português nesta terça-feira: “O mundo nunca esteve tão ameaçado nem tão dividido (…). Temo que estejamos deslizando para dois conjuntos diferentes de fatores econômicos, normas comerciais, financeiras e tecnológicas, dois enfoques divergentes para o desenvolvimento da inteligência artificial e, em última instância, duas estratégias militares e geopolíticas. Uma receita para um conflito muito menos previsível que a Guerra Fria [do século XX]”, concluiu Guterres em seu discurso de abertura da 76ª Assembleia Geral.
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Clique aquiMais otimista que o português, ou pelo menos mais confiante, o tom dominante do discurso de Biden foi uma ode ao multilateralismo enquanto solução para evitar esses insondáveis perigos. “Os EUA vão recorrer a instituições multilaterais para administrar desafios como os da região do Indopacífico [em alusão ao pacto de segurança estratégica contra China], e não usará a força exceto como último recurso”, disse no início do seu discurso. Do mesmo modo, só empreenderemos ações militares no exterior que forem “claras e viáveis”, uma alusão à guerra perdida no Afeganistão após 20 anos de intervenção e elevados investimentos. Os Estados Unidos não são hoje o mesmo país que em 2001, acrescentou, quando os atentados da Al Qaeda desencadearam a intervenção no país centro-asiático, e está “muito mais bem preparado” para responder à “ameaça terrorista global”. “O terrorismo é real e nos golpeia em todas partes”, alertou, ao mesmo tempo em que fazia um pedido ao novo regime do Talibã para que respeite os direitos humanos e defenda os direitos das meninas e mulheres afegãs, em nome da sua “contribuição à sociedade em todos os níveis”. Uma flagrante ingenuidade, à vista da composição do novo Governo afegão, finalizada nesta terça-feira: nem uma só mulher presente.
Além de prometer 10 bilhões de dólares para lutar contra a fome “nos EUA e no mundo”, o Democrata disse que a população mundial precisa de novos mecanismos para garantir e financiar a segurança sanitária global em meio à pandemia e, por isso, Washington anunciará novos compromissos para avançar na luta contra a covid-19. Também trabalhará com o Congresso para duplicar a ajuda destinada à mitigação da mudança climática nos países menos desenvolvidos. “Os EUA liderarão esta reação [contra a covid-19 e a mudança climática], mas não o farão sozinhos”, afirmou. Paralelamente à grande semana de discursos no plenário da ONU ocorre um fórum, promovido pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, para preparar a próxima reunião climática global, a COP26, em Glasgow. Para o governo Biden, o desafio da mudança climática é um eixo fundamental de sua agenda doméstica.
O único anúncio concreto do seu discurso foi justamente sobre o financiamento da luta global contra a mudança climática —um “motivo de orgulho”, como definiu Biden— que implica duplicar a quantia oferecida em abril (5,6 bilhões de dólares por ano), ainda assim um montante insuficiente segundo as organizações ambientalistas. Com a promessa do Biden desta terça-feira, os EUA passariam a destinar até 11,2 bilhões de dólares por ano à causa ambiental.
Assim como o terrorismo, uma ameaça onipresente e global, “o mundo democrático está em todas as partes”, disse também Biden em homenagem aos ativistas pró-democracia de Cuba e Venezuela. “Talvez os autoritários do mundo queiram proclamar o final da era da democracia”, advertiu, em referência à repressão dos citados regimes; segundo o presidente, a democracia é mais forte. O presidente abordou em seu discurso quase todos os capítulos da agenda internacional, mas entre todos eles —como a desnuclearização da península da Coreia e o pacto nuclear com o Irã— destacou, em tentativa de agradar a plateia, a questão palestina. O democrata insistiu que a “solução de dois Estados” para o conflito entre israelenses e árabes é “a melhor opção” para assegurar a paz e a estabilidade no Oriente Médio, embora tenha admitido que ainda “estamos muito longe desse objetivo neste momento, mas nunca devemos nos permitir abandonar a possibilidade de que haja progressos”. O mandatário democrata reafirmou o compromisso de sua Administração com a segurança e a estabilidade de Israel.
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