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Bukele coloca em aposentadoria compulsória um terço dos 690 juízes de El Salvador

Reforma legislativa retira da carreira judicial todos os magistrados maiores de 60 anos ou com 30 anos de serviço, em mais um cerco do regime ao Judiciário

Wilfredo Miranda Aburto
Presidente de El Salvador Nayib Bukele
Nayib Bukele, presidente de El Salvador, em uma entrevista coletiva em junho passado.JOSE CABEZAS (Reuters)
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A Assembleia Legislativa de El Salvador, controlada majoritariamente pelo presidente Nayib Bukele, consumou uma controvertida reforma da Lei da Carreira Judicial que resulta na aposentadoria compulsória de um terço dos 690 juízes do país, além de dezenas de promotores. O principal argumento do presidente do Parlamento, Ernesto Castro, foi o de que “chega de juízes corruptos e de justiça sob medida para os grupos de poder”.

A disposição afeta juízes que tenham mais de 60 anos de idade ou 30 anos de serviço. Entre os destituídos está Jorge Guzmán, o juiz encarregado do caso El Mozote, um massacre de pelo menos 1.000 civis cometido em 1980. Em novembro de 2020, Guzmán pediu ao Ministério Público que determinasse se Bukele cometeu algum delito ao bloquear inspeções judiciais em várias unidades militares, incorrendo em supostos crimes de “prevaricação, desobediência, ocultação de documentos e acobertamento”.

O caso de Guzmán condensa tudo o que o grupo de Bukele sugere. “Para aqueles que o regime ou qualquer de seus funcionários considerem inimigos, já não há escapatória”, disse o El Faro em editorial. “Qualquer um agora está sujeito ao assédio judicial, sem direito ao devido processo, sem defesa possível. Já não há mais independência judicial, nem garantia constitucionais nem recursos judiciais. Já não há Estado de direito. Para os amigos do regime, por outro lado, já não há mais temor de que seus delitos sejam punidos”.

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Depois da aprovação parlamentar, juízes de várias instâncias manifestaram seu desagrado com a reforma e os debates prévios à sua aprovação, “por serem ofensivos e indignos da investidura judicial”.

Os juízes alegam que o Parlamento não tem autoridade para reformar a Lei da Carreira Judicial, razão pela qual o projeto aprovado pela bancada do partido governista Novas Ideias (com o apoio das agremiações Ganha, PDC e PCN) seria espúrio. “Com estas reformas se viola a independência judicial no país e se violam direitos constitucionais como o direito ao trabalho, à estabilidade trabalhista, à igualdade, à dignidade humana, ao devido processo e à segurança jurídica”, disseram eles em nota.

O Sindicato de Funcionários Judiciais Salvadorenhos também reprovou as reformas e acusou o governismo de tentar “enganar o povo dizendo que o fazem porque o povo pediu a depuração do Órgão Judicial. A lei já estabelecia mecanismos para sancionar juízes que atuem à margem da lei”.

As reformas aprovadas nesta terça-feira não “foram surpreendentes”, segundo o editorial do El Faro, já que o rolo compressor comandado por Bukele já havia ameaçado juízes de “sofrerem as consequências se não resolvessem de determinada maneira”. “E foram acusados de favorecer interesses de ‘benfeitores’ quando julgam contra a vontade de Bukele e seu grupo. Não é, portanto, um segredo o objetivo da reforma aprovada com dispensa de trâmite”, alertou a publicação, constantemente atacada e desprezada pelo governismo por suas investigações jornalísticas, como a que recentemente mostrou como o Governo negociou com o crime organizado e tentou apagar a prova disso com o novo procurador nomeado pelo legislativo, Rodolfo Delgado.

A reforma da Lei da Carreira Judicial foi introduzida na sessão plenária desta terça-feira com dispensa de trâmite por um legislador do Novas ideias e aprovada sem maior debate parlamentar, com os votos de 63 dos 84 deputados.

Leais a Bukele nomearão substitutos

Além do expurgo judicial, as reformas aprovadas incluem uma que autoriza a Corte a “tomar medidas pertinentes para cobrir as sedes judiciais que fiquem vagas” e “verificar” o cumprimento dessa ordem. Outra reforma autoriza a corte a efetuar “transferências e nomeações correspondentes, necessárias e indispensáveis nas sedes que ficarem vagas, a fim de que o acesso à Justiça não se veja alterado”.

A Corte Plena e o Procurador-Geral respondem diretamente ao presidente Bukele e serão os responsáveis por nomear os substitutos dos juízes e promotores defenestrados. Este novo golpe contra a independência judicial se soma ao desferido em 1º de maio, quando os deputados destituíram de maneira irregular os magistrados da Sala Constitucional e o procurador-geral.

“Este era um passo [destituição de juízes] esperável no processo de desmantelamento da democracia e de concentração de poder, que o grupo que hoje governa iniciou no mesmo dia em que Nayib Bukele tomou posse da Presidência da República”, destacou o El Faro. “É um grupo que tem a intolerância como ideologia, o autoritarismo como ideal, a propaganda como estratégia e a corrupção como exercício exclusivo. Estas reformas significam um avanço no caminho rumo aos seus objetivos, que são, em resumo, pôr fim à nossa era democrática”.

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