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Esquerda e direita consagram uma nova geração no Chile para eleição presidencial deste ano

Gabriel Boric venceu o prefeito comunista Daniel Jadue nas primárias deste domingo, enquanto Sebastián Sichel bateu Joaquín Lavín

Rocío Montes
O presidenciável de esquerda Gabriel Boric comemora sua vitória nas primárias deste domingo, em Santiago.
O presidenciável de esquerda Gabriel Boric comemora sua vitória nas primárias deste domingo, em Santiago.JAVIER TORRES (AFP)

As urnas causaram uma nova surpresa no Chile. As primárias presidenciais das coalizões de direita e de esquerda, neste domingo, deram a vitória a dois candidatos que não eram os favoritos iniciais, segundo as pesquisas. Pela esquerda, o deputado Gabriel Boric, um bacharel em Direito de 35 anos, superou o prefeito comunista Daniel Jadue por 60,43% contra 39,59%. No âmbito do atual governismo, o advogado independente Sebastián Sichel (43 anos), o único dos quatro candidatos sem partido, derrotou o economista Joaquín Lavín, da Uniaão Democrática Independente (UDI), o aspirante tradicional do setor, por 49,08% contra 31,31%. Com uma participação em torno de 21% do eleitorado, em um país onde a abstenção é habitualmente elevada, trata-se de um triunfo dos candidatos moderados dentro de seus respectivos setores políticos. Mas, sobretudo, representa uma profunda mudança geracional para a esquerda e a direita: nenhum dos dois pré-candidatos vitoriosos neste domingo era nascido quando Augusto Pinochet deu o golpe de Estado de 1973, o marco de maior relevância na história recente do Chile.

A eleição presidencial está marcada para 21 de novembro, com um segundo turno (altamente provável) em 19 de dezembro. O ganhador toma posse como sucessor do direitista Sebastián Piñera em março de 2022. Logo depois das revoltas de 2019 e em meio a uma crise múltipla —social, política, institucional, sanitária e econômica—, a próxima Administração terá em suas mãos a missão de implementar as normas da nova Constituição que está sendo redigida.

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A longa reconstrução da esquerda chilena

O candidato Boric ultrapassa pela esquerda um setor que liderou a transição para a democracia, mas não conseguiu se renovar nas últimas décadas. Prova disso é que nos últimos 15 anos a única figura capaz de formar maiorias foi a socialista Michelle Bachelet, que governou em duas ocasiões (2006-2010 e 2014-2018). Boric, nova liderança surgida em meio aos protestos estudantis de 2011, representa a Frente Ampla de esquerda, um conjunto de partidos políticos e movimentos que irrompeu na última década na cena política, conquistando espaços importantes. Com um olhar crítico aos governos centro-esquerdistas de 1990 a 2010, esse bloco elegeu 20 deputados e um senador em 2017, quando sua candidata presidencial Beatriz Sánchez marcou relevantes 20%. Em maio deste ano, a Frente Ampla conquistou 21 assentos na Convenção Constitucional encarregada de escrever a nova Constituição. Boric completou 35 anos, a idade mínima para disputar a presidência, em 11 de fevereiro. Ele foi um dos dirigentes de esquerda que empurraram o acordo de novembro de 2019 que possibilitou um caminho constituinte.

“Não tenham medo da juventude para mudar este país”, afirmou Boric em seu primeiro discurso depois da vitória, encerrado com uma citação de Salvador Allende. “Grandes alamedas se abrirão, por onde passem o homem e a mulher livres para construir uma sociedade melhor”, disse o candidato da esquerda.

Em seu programa de Governo, apostando —diferentemente de Jadue— na inclusão de setores diversos da oposição, Boric, natural de Punta Arenas, no extremo sul, propõe uma descentralização do longo território chileno, com especial atenção à descarbonização da economia, proteção ambiental, políticas feministas e aumento da arrecadação fiscal.

O candidato presidencial da direita chilena, Sebastián Sichel, deposita seu voto durante as primárias deste domingo, em Santiago.
O candidato presidencial da direita chilena, Sebastián Sichel, deposita seu voto durante as primárias deste domingo, em Santiago. DRAGOMIR YANKOVIC (AFP)

Sichel, o candidato da direita, tem 43 anos. Com passado democrata-cristão de centro-esquerda, seu resultado representa um triunfo do mundo independente em um setor que ao longo de sua história se caracteriza por impulsionar lideranças de não militantes. Foi ministro do Desenvolvimento Social do atual Governo de Piñera por um ano (2019-20) e se apresentou ante os eleitores como um vitorioso por mérito próprio. Superou o postulante tradicional do setor, Lavín, o ex-prefeito do município de Las Condes (parte de Santiago), numas primárias onde as máquinas partidárias não foram determinantes. Apenas sua candidatura se aproximou de 50% dos votos dentro da coalizão Chile Vamos. Em seu programa, ele dá especial importância a um Estado acessível, que estimule o empreendedorismo, zele pela diversidade e garanta a segurança pública.

“Tivemos uma votação tremenda, que nos permite pensar que podemos ser Governo”, disse Sichel após vencer a primária do seu setor.

Era o cenário menos favorável para a centro-esquerda da antiga Concertação, que agrupa socialistas e democratas-cristãos e não participou destas primárias com caráter legal porque não conseguiram chegar a um acordo antes da data-limite. Esse bloco tem dois candidatos formais —a socialista Paula Narváez e o radical Carlos Maldonado— e uma pré-candidata que ainda não formalizou sua postulação, a presidenta democrata-cristã do Senado, Yasna Provoste, que pode se lançar na disputa nas próximas horas e corre com vantagem em relação aos seus rivais internos. Com o triunfo de Sichel pela direita e de Boric pela esquerda, ambos não radicais, se estreita o espaço disponível para o centro moderado. Os resultados deste domingo, por outro lado, são boas notícias para as candidaturas dos extremos, como a de José Antonio Kast, da direita doutrinária, e do prefeito de Valparaíso, Jorge Sharp, pela Lista do Povo (independentes antissistema capitalista, que alcançaram 27 assentos na eleição dos constituintes, tornando-se uma força emergente que põe em xeque o sistema de partidos tradicionais).

Embora a participação eleitoral não decole no Chile por fenômenos estruturais, os 21% são um percentual superior ao esperado. O que tampouco estava nas projeções foi a grande mobilização da esquerda, que levou 1.750.145 eleitores às urnas, muito acima da direita, que atraiu 1.343.578 pessoas. Embora os dados mais detalhados ainda não estejam disponíveis, o alto respaldo a Boric (um milhão de votos) poderia ser explicado por um aumento importante da participação juvenil.

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