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Papa endurece leis contra abusos sexuais em reforma histórica do Código Canônico

Revisão da regulamentação se fixa na pedofilia e nos crimes contra maiores de idade, eliminando o caráter arbitrário das sanções impostas pelos bispos

O papa Francisco chega aos jardins do Vaticano, nesta segunda-feira.
O papa Francisco chega aos jardins do Vaticano, nesta segunda-feira.getty
Daniel Verdú
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Miguel Hurtado, de 36 años, cuenta que sufrió abusos sexuales cuando tenía 16 años por parte de un monje benedictino en el monasterio de Montserrat. En la imagen, posa en el interior de la iglesia de la abadía de Montserrat, en la provincia de Barcelona, el 19-02-19 Foto Susana Vera. Reuters
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PAPÁ - 2020/BELÉM - POLITICA - Personagens materia em belem do pará brasil sobre denúncias do acerbisbo de belem dom alberto taveira as fotos os persoangens nao pode aparecer 
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O Vaticano anunciou nesta terça-feira uma histórica reforma do Código de Direito Canônico, a primeira desta envergadura em 40 anos, a fim de endurecer as punições a clérigos que cometem abusos contra menores de idade, mas também contra maiores em certas situação de vulnerabilidade. A modificação inclui, além disso, um artigo que define a pedofilia como “um crime contra a dignidade humana” passível de resultar na expulsão do clero, algo que as vítimas vinham solicitado havia décadas. A reforma, na verdade, organiza dentro do novo código todos os avanços legais que já vinham ocorrendo nos últimos meses, especialmente depois da cúpula contra os abusos realizada em 2019 no Vaticano para estabelecer as bases de um novo olhar da Igreja para o assunto.

Como novidade, o documento equipara determinados abusos contra maiores de idade a situações de pedofilia. Por exemplo, quando um clérigo se valer da sua posição de poder sobre outra pessoa com finalidades sexuais, estará sujeito às mesmas punições impostas a quem comete abusos contra crianças e adolescentes. Essa modificação busca combater o problema dos abusos em seminários —onde os alunos são maiores de idade—, que se encontra na base dos últimos grandes escândalos da Igreja, como o caso do cardeal norte-americano Theodore McCarrik, obrigado a deixar o clero após a revelação de que abusou sistematicamente de seminaristas na década de 1980.

O novo código entrará em vigor em 8 de dezembro, dando tempo às dioceses para o que o estudem antes disso. Ele especifica de forma mais clara os delitos, separando alguns que antes eram agrupados sob o mesmo guarda-chuva, ao introduzir modalidades como a pornografia infantil. Também as sanções passam a ser descritas de forma exaustiva e se introduz uma novidade relevante: a possibilidade de suspender e punir todos os fiéis que cometerem delitos de abusos e tiverem algum tipo de responsabilidade na Igreja, mesmo que em tarefas auxiliares. Isso significa que o código não será aplicado apenas a clérigos, mas também a fundadores de movimentos religiosos laicos ou administradores de templos católicos. A mudança afetaria muitos dos grandes escândalos vividos na Igreja nos últimos anos que permaneceram impunes por falta de ferramentas para serem julgados.

O Código de Direito Canônico entrou em vigor em 1983 e, desde então, não passou por nenhuma reforma tão relevante. O documento, de uma dureza discutível, saiu depois do Concílio Vaticano II e foi muito questionado por alas que consideravam que a Igreja não precisava dessas leis. O papa Francisco considerou agora que era “evidente” a necessidade de mudanças. “Muitos foram os danos ocasionados no passado pela falta de compreensão sobre o relacionamento íntimo que existe na Igreja entre o exercício da caridade e a atuação da disciplina sancionadora”, admitiu o Pontífice.

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O Código incorpora também punições econômicas para os abusadores, o que pode incluir a redução de salários e multas. Mas também acrescenta crimes como a tentativa de ordenar mulheres, deixar registro das confissões, promover a consagração eucarística com finalidade sacrílega, a corrupção em atos de ofício e a administração de sacramentos a pessoas a quem eles estejam proibidos. Juan Ignacio Arrieta, secretário do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos (dicastério encarregado da reforma), disse a jornalistas no Vaticano que o Código agora será muito mais claro. “O texto determina com maior precisão o comportamento que devem ter as autoridades, os bispos, os superiores, quando devem aplicar a norma e os critérios que devem seguir para escolher uma pena ou outra: uma determinação do direito penal da qual antes se carecia”, disse.

A reforma, como tantos movimentos do papa Francisco nos últimos tempos, limita ainda mais o poder e a autonomia dos bispos na hora de tomar decisões, avaliar situações ou impor castigos. Agora serão oferecidos “critérios objetivos na identificação da pena mais adequada a aplicar no caso concreto”, reduzindo a autonomia da autoridade, para favorecer a unidade eclesiástica na aplicação das penas, “especialmente para os delitos que causarem maior dano e escândalo na comunidade”, acrescenta o pontífice.

A atualização do livro VI do Código de Direito Canônico culmina um processo de reformas iniciado há dois anos para mudar a abordagem da Igreja na questão dos abusos. O ponto de inflexão foi a viagem de Francisco ao Chile, quando se deu conta de que tinha subestimado a dolorosa denúncia das vítimas e que os bispos do país o haviam enganado. Começou ali um processo de expurgo —caiu toda a cúpula eclesiástica chilena— e de reformas, detonado pela cúpula de 2019 no Vaticano. As novas medidas deverão ser aplicadas agora em um contexto de escassez de recursos para a investigação, mas com uma maior clareza no marco jurídico.

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