Opositor russo Navalny é condenado a três anos e meio de prisão, apesar dos protestos em seu favor
O ativista, detido ao voltar da Alemanha, irá para uma colônia penal. Descontado o período que ele passou em prisão domiciliar, a pena efetiva fica reduzida a dois anos e oito meses
Alexei Navalny foi condenado à prisão. Um tribunal de Moscou sentenciou nesta terça-feira o destacado opositor russo à internação em uma colônia penal (uma prisão onde os detidos trabalham) por violar repetidamente os termos de uma condenação de 2014 a três anos e meio por fraude e da liberdade condicional concedida naquela ocasião, por não se apresentar para as revisões judiciais. Aquela condenação foi restabelecida agora, mas a juíza descontou quase um ano da pena devido ao período que Navalny já passou em prisão domiciliar. Com isso, a pena efetiva fica reduzida a dois anos e oito meses. A sentença pode inflamar a já alta tensão entre o Kremlin e os seguidores do ativista anticorrupção. As autoridades mobilizaram um grande número de forças de choque no centro de Moscou e de São Petersburgo e responderam veementemente às pessoas que saíram às ruas para protestar contra o veredicto.
Depois de ouvir a sentença, o proeminente adversário, que passou o julgamento fazendo gestos de afeto à esposa, Yulia Naválnaya, presente na sala, só conseguiu dedicar-lhe algumas palavras. “Não fique triste, vai ficar tudo bem”, comentou antes de ser retirado da sala, quando Naválnaya começou a chorar. Seus advogados informaram que apelarão da sentença até a última instância. A condenação gerou críticas dos Estados Unidos e do Conselho da Europa, que exigiram a libertação imediata do oponente e ficaram profundamente preocupados com o desenrolar do caso, cuja decisão surge, também às vésperas da visita a Moscou de o Alto Representante para a Política Externa da União Europeia, Josep Borrell. O Kremlin já havia frisado esta manhã que não aceitaria “sermões” de ninguém sobre o assunto, nem qualquer tipo de interferência.
O líder oposicionista de 44 anos ―que foi detido ao voltar da Alemanha, onde se recuperou de um grave envenenamento sofrido em agosto na Sibéria, pelo qual culpa diretamente o presidente russo, Vladimir Putin― fez um inflamado discurso político durante a audiência judicial. Da cabine envidraçada onde tradicionalmente se sentam os acusados, o dissidente prometeu continuar lutando e voltou a acusar Putin: “Por mais que queira ser um grande geopolítico, sua principal amargura é que ficará na história como um envenenador”.
Os protestos em larga escala em apoio ao oposicionista nas últimas semanas não alcançaram seu objetivo. Nem as críticas e a pressão dos países ocidentais que tinham exigido a libertação de Navalny, que se tornou o crítico mais visível do presidente russo e que conseguiu impulsionar as maiores manifestações da última década. As autoridades russas, que também processaram seus principais aliados, já tinham deixado claro que não se deixariam influenciar pela pressão pública. E assim foi. Navalny fica agora afastado não só da política ―já foi vetado nas eleições presidenciais de 2018―, como também das ruas. A sentença pode fazer com que as mobilizações sociais percam força, mas também pode dar ainda mais peso ao opositor e impulsionar os protestos.
“Espero realmente que este processo não seja considerado pelas pessoas como um sinal de que devem ter medo”, insistiu Navalny perante a juíza, vestido um suéter azul marinho com capuz. O ativista anticorrupção elogiou as dezenas de milhares de pessoas que foram às ruas em várias cidades da Rússia, apesar das ameaças das autoridades e das duras prisões, e garantiu que não desistirá da luta política. Nesta terça-feira, dezenas de seguidores se reuniram em apoio a Navalni nas proximidades do Tribunal Municipal de Moscou, que amanheceu completamente cercado pela polícia e pela tropa de choque. Mais de 300 pessoas foram detidas, segundo a organização Ovd-Info.
Navalni respondeu com certa ironia às acusações da Procuradoria, que sustentou que não há justificativa para que o opositor não tenha comparecido às revisões judiciais de seu caso e argumentou não só que ele violou as regras antes de sair do país, como também que as autoridades judiciais não tinham como saber que o ativista estava no exterior, na Alemanha ―para onde foi transferido sem ter conhecimento em um avião-hospital. “Eu estava em coma”, observou Navalni. “Poderia me explicar como eu poderia ter cumprido melhor minhas obrigações? Primeiro estava inconsciente, depois recuperei a consciência, e mais tarde tive de aprender a andar de novo”, assinalou o opositor, ressaltando que até o presidente russo ―que algumas vezes se referiu a ele como “o paciente de Berlim” por sua hospitalização na capital alemã― sabia que ele estava na Alemanha.
Os advogados de Navalni argumentaram que não foram notificados de que o ativista era procurado até poucas horas antes que ele fosse colocado na lista de pessoas procuradas pelas autoridades russas. Desde que recobrou a consciência, o opositor sempre manifestou a intenção de voltar para a Rússia. E assim fez, apesar da certeza de que seria detido assim que pisasse em Moscou e de que a probabilidade de ser condenado era enorme.
Na audiência desta terça-feira, a juíza aceitou a proposta do Ministério Público ―que pediu o restabelecimento da sentença original de três anos e meio de prisão, suspensa em 2014―, mas descontou o tempo que o oposicionista cumpriu em prisão domiciliar.
Caso ‘congelado’ desde 2014
O fato de o processo contra o líder de oposição ter sido declarado “injusto e arbitrário” pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 2017 aumentou ainda mais o mal-estar entre a população russa. O tribunal, com sede em Estrasburgo, condenou a Rússia por violar o direito de Alexei Navalny e de seu irmão, Oleg, a um julgamento justo. Ambos foram condenados no mesmo processo por malversação de fundos (um total equivalente a 3,2 milhões de reais) em duas empresas russas, entre elas a sucursal local da gigante francesa de cosméticos Yves Rocher.
Estrasburgo determinou que a Rússia deveria pagar o equivalente a 10.000 euros (64.000 reais) a cada um dos irmãos Navalny por danos e prejuízos e reembolsar suas custas judiciais, de valores equivalentes a 45.000 euros (290.000 reais) para Alexei e 18.000 euros (116.000 reais) para Oleg. Alexei não precisou ir para a prisão, recebendo a chamada “condenação suspensa”, mas Oleg teve de cumprir a sentença completa: três anos e meio em uma colônia penal. A mesma que a Procuradoria russa pediu que fosse restabelecida para Alexei Navalni.
Apesar da antiguidade do processo e da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o caso não foi encerrado, permanecendo como uma bala na agulha contra o opositor. A sentença dizia que Navalni deveria permanecer limpo durante seis anos depois do veredicto para que a condenação fosse anulada definitivamente, mas o opositor acumulou desde então outros delitos em sua ficha, relacionados principalmente à participação em ―e à organização de― protestos contra o Kremlin. O caso Yves Rocher ficou na geladeira até o final do ano passado, quando foi ressuscitado e resultou em um novo processo judicial contra o opositor.
A indignação com o novo processo contra Navalny ―que cumpre 30 dias de prisão preventiva desde 18 de janeiro―, somada ao descontentamento da população com a corrupção, a desigualdade e a difícil situação econômica, reavivou os protestos contra o Kremlin, que sacudiram a Rússia nos últimos dois fins de semana. No domingo, uma mobilização policial inédita nas principais cidades da Rússia e a dura repressão por parte das forças de segurança não conseguiram, porém, reduzir as manifestações, que terminaram com mais de 5.100 detidos em todo o país, alguns com violência, com cassetetes e armas de choque.
Entre os detidos está Yulia Navalnaia, mulher do opositor, que foi multada em 20.000 rublos (1.400 reais) por participar dos protestos, e que esteve presente nesta terça-feira no julgamento contra seu marido. “Vi você na televisão na minha cela. Dizem que está violando constantemente a ordem pública. Garota malvada! Mas estou orgulhoso de você”, disse-lhe Navalny do aquário em uma lateral da sala, revestida de painéis de madeira, onde o opositor permaneceu durante todo o julgamento.
O Governo russo, que durante anos tentou ignorar a existência de Navalny, defendeu o processo contra o opositor e advertiu o Ocidente contra interferências na política interna russa. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, insistiu que não admitirá “sermões” sobre o assunto. Uma porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, criticou os 15 diplomatas ocidentais que compareceram ao julgamento como observadores, acusando-os de ingerência e de tentar “fazer pressão psicológica” sobre a juíza do caso.
Navalny, que ficou conhecido por suas revelações sobre a corrupção da elite política e econômica da Rússia, tornou-se o crítico mais visível de Vladimir Putin. Foi precisamente ao presidente e seu suposto palácio multimilionário que o opositor dedicou seu último informe no YouTube, que atiçou os protestos.
A União Europeia e Estados Unidos criticaram a repressão da Rússia contra protestos pacíficos e pediram a libertação de Navalny, cujos principais aliados também foram processados e estão em prisão domiciliar, incomunicáveis. Na segunda-feira, às vésperas da chegada do alto representante de Política Externa da UE, Josep Borrell, a Moscou, Martina Fietz, uma porta-voz da chanceler alemã, Angela Merkel, pediu o fim das “ações desproporcionais contra manifestantes políticos” e condenou o uso da violência. “Os detidos devem ser colocados em liberdade imediatamente”, insistiu.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, também condenou a reação russa. “As detenções e a violência utilizada pela polícia são profundamente inquietantes”, disse ele no domingo em entrevista à TV MSNBC. Os protestos provocados pela prisão de Navalny refletem “a frustração do povo russo com a corrupção, com a autocracia”, apontou.
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