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Coronavírus avança em feudos da ultradireita alemã

Membro do Governo de Merkel associa o voto na extrema direita com uma incidência mais elevada da covid-19, declarando que quem recusa as medidas de contenção contribui para espalhar o vírus

Protesto do movimento Querdenken, que se opõe às medidas de contenção do coronavírus, em 7 de novembro, na cidade de Leipzig. Na bandeira, lê-se "Parem com a loucura do coronavírus".
Protesto do movimento Querdenken, que se opõe às medidas de contenção do coronavírus, em 7 de novembro, na cidade de Leipzig. Na bandeira, lê-se "Parem com a loucura do coronavírus".Omer Messinger (Getty Images)
Elena G. Sevillano
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Não é raro ver políticos ultradireitistas do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) protestarem contra a obrigatoriedade de usar máscara em lugares fechados ou criticar as restrições aplicadas pelo Governo alemão para frear o avanço da pandemia, como o fechamento dos comércios não essenciais e da hotelaria. Um deles inclusive foi ao Parlamento regional do Estado de Hesse usando uma máscara com os dizeres “A burka de Merkel”. Mas ocorre que as regiões com maior votação do ultradireitista AfD são também as que apresentam maior incidência da covid-19, uma correlação estatística que há semanas vem despertando a curiosidade de analistas e meios de comunicação. Ocorre especialmente nos Estados da antiga Alemanha Oriental, onde o AfD conseguiu entre 25% e 35% dos votos nas eleições gerais de 2017. Casualidade? Ao menos para um membro do Governo de Angela Merkel, não. O comissário para Assuntos do Leste, Marco Wanderwitz, vinculou as duas coisas em comentários difundidos nesta segunda-feira e declarou que quem recusa as medidas de contenção contribui para espalhar o vírus.

O Instituto de Estudos sobre a Democracia e a Sociedade Civil, com sede na cidade de Jena (centro-leste) examina os dados para ver se é possível chegar à conclusão de que as ordens do AfD provocam contágios, por propiciarem determinadas atitudes e comportamentos. Seu diretor, Matthias Quent, especialista no estudo da ultradireita, considera que a correlação estatística é “muito clara”, mas alerta: “Correlação não é casualidade”. Outros fatores poderiam explicar que a segunda onda pandêmica tenha estourado justamente onde a extrema direita triunfa. Seria o caso, por exemplo, da renda dos habitantes nesses Estados, da sua distribuição populacional ou da qualidade e acessibilidade dos serviços médicos. É preciso levar em conta todos esses fatores e verificar se, excluindo-os, o voto na extrema direita continua de pé como uma causa identificável da expansão da pandemia.

Wanderwitz está convencido de que a relação é de casualidade. “Naturalmente ninguém se contagia por votar no AfD”, disse ele nesta segunda-feira numa entrevista a vários veículos regionais do grupo RND citada pela agência Efe. Mas, por seu raciocínio, se os eleitores e simpatizantes do partido ultradireitista seguem suas ordens e não respeitam as restrições, estão facilitando a ocorrência de mais contágios. Além do AfD, Wanderwitz mencionou outros grupos negacionistas, como os Reichsbürger (Cidadãos do Reich), um movimento ultradireitista e antissemita que não reconhece a legitimidade do Governo alemão, e círculos esotéricos. “Se rejeitarem as medidas, em última instância estão ajudando ao vírus a se espalhar”, afirmou. O comissário também relacionou essa tendência a negar a realidade —algo que, na sua opinião, observa-se em algumas regiões da extinta República Democrática Alemã (Alemanha Oriental)— ao que ocorreu nos Estados Unidos com os eleitores de Donald Trump.

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No ano passado, milhares de pessoas se manifestaram em Berlim contra as medidas de prevenção e combate ao coronavírus, sob o lema “O fim da pandemia, dia de liberdade”. Haviam sido convocadas pelo Querdenken (Pensamento Lateral), um movimento nascido em Stuttgart que reúne indivíduos contrários às vacinas, libertários, adeptos de teorias conspiratórias e ultradireitistas que procuram aproveitar a crise do coronavírus para causar instabilidade. Na época daqueles protestos, a Alemanha não havia tido nenhum confinamento —agora tem, embora não seja domiciliar; estão fechados restaurantes, atividades de lazer, instalações esportivas, atrações culturais, comércios não essenciais e escolas—, e os serviços sanitários suportavam bem a primeira onda. Desde o verão europeu, a AfD vem multiplicando as mensagens de rejeição às medidas de combate à pandemia.

“É muito difícil provar uma hipótese assim. Precisaríamos observar o comportamento de cada pessoa durante a pandemia e teríamos que saber o que ela pensa. É quase impossível”, contesta o sociólogo Alexander Yendell, da Universidade de Leipzig. “Mas acho muito plausível que o apoio à AfD esteja associado à negação do perigo do coronavírus, a não se comportar de maneira solidária, e portanto muito provavelmente a espalhar o vírus em maior medida que pessoas que votam em outros partidos”, acrescenta. Yendell recorda que os eleitores do AfD se sentem especialmente afetados pelas restrições —56% disseram em uma pesquisa recente da empresa Forsa que as medidas eram “excessivas” —e subestimam a letalidade do vírus, ou simplesmente acreditam que ele não existe.

Jochen Roose, pesquisador da Fundação Konrad Adenauer, publicou em dezembro um trabalho que compara a penetração das teorias conspiratórias logo antes da pandemia e em setembro passado. Em geral, a população alemã não se tornou mais adepta dessas teorias com a chegada do coronavírus, conclui o estudo, feito com base em quase 4.800 entrevistas. Entretanto, entre os eleitores do AfD havia aumentado a crença em poderes ocultos que controlam o mundo. Na segunda fase da pesquisa, os entrevistadores perguntaram sobre o coronavírus. Para 24% dos eleitores da extrema direita, “com certeza” a pandemia “é um pretexto para reprimir a população”, enquanto 41% deles acham que “provavelmente” isso ocorre. Na média dos eleitores de todos os partidos, as taxas eram de 5% e 9%, respectivamente.

As regiões que tiveram mais casos de covid-19 se encontram nos Estados da Saxônia e Turíngia, ambos na antiga Alemanha Oriental. Na Saxônia, distritos fronteiriços com a Polônia e a República Tcheca (como Görlitz, Bautzen e Erzgebirgskreis) acumulam mais de 5.000 casos de coronavírus por 100.000 habitantes desde o início da pandemia e são as regiões onde o AfD colheu melhores resultados nas eleições, com mais de 30% dos votos. Em alguns distritos da Turíngia onde a partido recebeu cerca de 25% das preferências, como Hildburghausen, a incidência do vírus também é muito elevada.

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