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Governo do Reino Unido afirma que a nova cepa do vírus é 30% mais letal

A variante, detectada pela primeira vez no país, aumentou o ritmo de contágios em até 70%. Um em cada 35 londrinos está infectado, de acordo com os dados mais recentes

Sinais de alerta para a covid-19 nas ruas de Londres em 23 de dezembro.
Sinais de alerta para a covid-19 nas ruas de Londres em 23 de dezembro.TOLGA AKMEN (AFP)
Rafa de Miguel

Boris Johnson quis fazer ele mesmo o novo anúncio. A variante do vírus detectada no Reino Unido não só é muito mais contagiosa, mas começam a surgir “evidências” de que seria ainda mais letal. Cerca de 30% mais. O cientista-chefe do Governo britânico, Patrick Vallance, explicou: “Na população com 60 anos ou mais, 10 em cada 1.000 pessoas infectadas podem morrer da doença. Com a nova variante do vírus, esse risco sobe para 13 ou 14 pessoas”. O assessor de Johnson ressaltou que “as provas ainda não são muito fortes” e que os números ainda são incertos, mas representam um “motivo de preocupação”. Até agora, destacou Vallance, essa letalidade mais elevada não se refletiu entre os pacientes hospitalizados.

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O acaso e a geografia podem ser injustos. Assim como a “gripe espanhola” de 1918 não teve origem na Espanha, ninguém pode afirmar com certeza que a “cepa britânica” foi fruto de uma mutação do vírus ocorrida no Reino Unido. A nova variante pôs em xeque a estratégia de Boris Johnson para lidar com a pandemia. Foi no Reino Unido, especificamente, na cidade de Kent, que se detectou a variante pela primeira vez, em setembro. A razão? A considerável superioridade científica dos britânicos no que diz respeito ao sequenciamento de genomas.

O Covid-19 Genomics Consortium (Cog-UKna sigla em inglês) surgiu da colaboração e cofinanciamento entre a Public Health England (Saúde Pública da Inglaterra, o órgão gestor do sistema de saúde pública), a Fundação Wellcome Sanger Institute e 12 instituições acadêmicas. Ao longo da pandemia, o Cog-UK sequenciou a história genética de mais de 150.000 amostras do novo coronavírus. Praticamente metade das sequências feitas em todo o mundo. “Se algo vai ser descoberto, é muito provável que se descubra primeiro no Reino Unido”, explicou à BBC Sharon Peacock, a diretora do órgão.

O ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, foi o primeiro a alertar o mundo sobre a existência de uma variante britânica do vírus. Em 14 de dezembro, em um depoimento na Câmara dos Comuns, ele citou brevemente um novo fator que iria dar uma guinada inesperada nas previsões e estratégia do Governo Johnson na luta contra a pandemia. Os britânicos ainda estavam confiantes em que poderiam desfrutar de um período de relaxamento no Natal. As medidas de restrição iriam ser amenizadas a ponto de que em algumas áreas do país até três residências diferentes poderem se reunir para celebrar as ceias em família. “Devo insistir que, até o momento, nada indica que essa nova variante agrave as consequências da doença”, disse Hancock, quando o temor continuava sendo o de um aumento das infecções em até 70%. Com esse cálculo, o ministro expressou a convicção de que as vacinas — que haviam começado a ser aplicadas seis dias antes — manteriam sua eficácia com a nova variante. Mas não escondeu a preocupação do Governo.

Um dia antes, 13 de dezembro, haviam sido detectados 1.108 casos da nova cepa em 60 locais diferentes, todos no sudeste da Inglaterra. Kent, Essex, Hertfordshire ... e Londres. Acima de tudo, Londres. Nove milhões de habitantes. 13 milhões em toda a região metropolitana, em um ambiente de extrema mobilidade. O Cog-UK detectou todas as 17 mutações do vírus em meados de setembro, mas somente depois de dois meses e meio as evidências apontaram claramente para a gravidade da ameaça. E estava claro que, se mil casos fossem identificados, haveria outros milhares que já teriam sido contagiados.

O Governo Johnson mais uma vez se aferrou à sua estratégia gradual e regional. Impôs um alerta de nível 3 em Londres. Restaurantes, bares e pubs fecharam, exceto o serviço de entrega em domicílio. Reuniões ao ar livre com um limite de seis pessoas. Recomendação para trabalhar em casa. Não seria o suficiente, como logo ficaria comprovado.

No dia seguinte ao comparecimento de Hancock no Parlamento, as duas principais publicações médicas do Reino Unido, a British Medical Journal e a Health Service Journal, publicaram um editorial conjunto (pela primeira vez em cem anos) implorando ao Governo que não relaxasse as restrições durante as festas de fim de ano. “Se não modificarmos a trajetória atual, os hospitais na Inglaterra terão cerca de 19.000 pacientes com covid-19 na véspera do ano-novo”, alertaram. O número final, registrado em 1º de janeiro, foi de 22.534 leitos hospitalares. E no início desta semana o número total de pacientes com covid-19 era de 37.535 em todo o Reino Unido. Uma nova internação a cada trinta segundos.

Johnson anunciou um terceiro confinamento nacional em 4 de janeiro. As considerações econômicas, sempre presentes na busca do equilíbrio da estratégia contra o vírus, ficaram definitivamente de lado. A prioridade era salvar a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (NHS). Havia quase 60.000 novos casos de infectados por dia. “Não estamos seguros de que o NHS seja capaz de lidar com esse aumento de pacientes sem que medidas drásticas sejam tomadas. Há um risco real de que hospitais em várias áreas fiquem saturados nos próximos 21 dias”, haviam alertado horas antes, em um comunicado conjunto, os quatro diretores médicos-chefe da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.

O cerco se estreitava e Downing Street teve de ceder no que até então fora o último setor intocável: escolas e universidades. “Todas as escolas primárias e secundárias permanecerão fechadas e a educação será ministrada online”, anunciou Johnson. A nova variante do vírus se transmitia a uma velocidade especialmente rápida entre os menores. Sobretudo entre adolescentes.

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Os hospitais de Londres e do sul do país passaram a cancelar consultas, remarcar ou suspender cirurgias e reorganizar seus espaços para responder à nova avalanche. O King’s College foi um dos primeiros a suspender cirurgias urgentes de câncer programadas. O serviço de ambulâncias da capital alcançou na noite de Natal o recorde de 8.000 saídas em um dia (3.500 a mais que a média de qualquer outro ano). O Exército anunciou nessa semana que havia designado 400 soldados para ajudar nas tarefas necessárias nos hospitais da capital e em alguns da região de Midlands, onde a nova cepa já aumentou consideravelmente o número de contágios. A Go-Ahead, a empresa proprietária de boa parte dos ônibus do transporte público de Londres, começou a preparar seus veículos de um andar (não os clássicos de dois andares que circulam pela cidade) para serem usados como ambulâncias. Eles poderão levar até quatro pacientes, atendidos pela equipe do NHS. No início da semana, os hospitais de Londres acolhiam cerca de 8.000 pacientes de covid-19, quase 3.000 a mais do que durante o pico da primeira onda, em abril. Em pelo menos seis unidades mais da metade das vagas são inteiramente dedicadas aos pacientes da pandemia.

O Governo britânico não sabe dizer quando o confinamento será suspenso. Johnson até sugeriu nesta quinta-feira que poderia se estender até meados do ano. O número de infectados começou a se estabilizar na semana passada, mas imediatamente voltou a registrar aumentos. Um em cada 35 londrinos está infectado, de acordo com dados do Escritório Nacional de Estatística divulgados nesta sexta-feira. Em toda a Inglaterra, 1 em 55. Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte têm números um pouco mais baixos, mas também impuseram confinamento rígido.

A Irlanda não tem fronteiras internas, para efeitos práticos. É uma ilha com um fluxo constante de pessoas entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, que é território britânico. Os serviços públicos de saúde são independentes. O primeiro caso detectado da nova variante foi registrado em 23 de dezembro. A Equipe de Emergências de Saúde Pública Nacional da Irlanda anunciou nesta quinta-feira que o número de infectados registrado por dia é atualmente dez vezes maior do que no início de dezembro. Cerca de 2.600 casos em um país de cinco milhões de habitantes. Metade deles em Dublin e Cork, os dois principais centros urbanos da república. “Nunca vimos 66% dos pacientes em UTIs sendo tratados de mesma doença. Estamos lutando muito para manter um nível seguro de assistência médica, mas está ficando cada vez mais difícil. Pelo menos trezentas pessoas estão recebendo ventilação assistida fora das UTIs. Nada pode ser mais grave do que isso”, advertiu Paul Reid, diretor geral do Serviço de Saúde da Irlanda. No total, 60% dos novos infectados têm a nova variante do vírus.

A campanha de vacinação, que o Reino Unido começou quase um mês antes do restante da Europa, se tornou uma corrida contra o relógio. Não estava nos cálculos de nenhum Governo que o vírus acelerasse sua velocidade quando a linha de chegada começava a ficar visível no horizonte.

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