_
_
_
_

Sexo, dinheiro e valores cristãos: a queda de Jerry Falwell Jr., o pilar de Trump na direita religiosa

Um tórrido escândalo e acusações de apropriação indébita afundam em plena campanha eleitoral o homem que conferiu ao presidente o voto ultrarreligioso em 2016 e foi essencial para sua vitória

Donald Trump e Jerry Falwell Jr., na Universidade Liberty, em maio de 2017.
Donald Trump e Jerry Falwell Jr., na Universidade Liberty, em maio de 2017.Steve Helber (AP)
Pablo Ximénez de Sandoval

Como é possível que a direita evangélica e moralista dos Estados Unidos alçasse até a Casa Branca Donald Trump, um homem vulgar, casado três vezes, que nunca havia pisado numa igreja, defensor do aborto até pouco tempo atrás, notoriamente promíscuo e acusado de abusos sexuais por dezenas de mulheres? A resposta tem nome e sobrenome: Jerry Falwell Jr., presidente de uma das maiores universidades evangélicas do país, a Universidade Liberty, até há duas semanas. Um escândalo sexual e acusações de apropriação indébita acabaram com sua imagem. A aliança de quatro anos atrás não se repetirá. Trump ficou sem seu principal apoiador dentro da direita cristã norte-americana.

Mais informações
Brazilian Congresswoman Flordelis de Souza reacts as she talks about her husband, pastor Anderson do Carmo, who was shot more than 30 times at their home, at the Brazilian congress in Brasilia, Brazil, June 25, 2019. Picture taken June 25, 2019. Fernando Brazao/Agencia Brasil/Handout via REUTERS ATTENTION EDITORS - THIS IMAGE HAS BEEN SUPPLIED BY A THIRD PARTY.
Flordelis, uma vida de telefilme com um crime e uma acusação penal
Paula White
A guia espiritual com a missão de reaproximar Trump dos evangélicos
Mujeres fieles de la congregación participan en la celebración de la santa cena.
Governo Trump emprestou milhares de dólares à igreja Luz del Mundo enquanto seu líder aguardava julgamento por abusos

A campanha das primárias de Trump em 2016 devia ser sua primeira grande prova nos caucus (assembleias eleitorais) de Iowa. O favorito era o senador Ted Cruz, que esperava dar um golpe de autoridade e tirar o incômodo magnata da disputa. Ali, Cruz era o candidato da direita religiosa. Inclusive havia lançado sua campanha para a presidência na Universidade Liberty, um enorme negócio de educação conservadora com mais de 100.000 alunos e um orçamento de mais de um bilhão de dólares (5,3 bilhões de reais). A universidade era a porta do voto evangélico graças ao enorme prestígio de seu presidente, Jerry Falwell Jr. No entanto, justo antes dos caucus de Iowa, Falwell deu seu apoio público a Trump. Foi uma surpresa maiúscula, que motivou outros líderes a apoiá-lo e, para muitos, deu a Trump o impulso fundamental para conseguir a nomeação.

Em maio de 2019, o advogado pessoal de Trump, Michael Cohen, revelou que apenas alguns meses antes daquele importante momento para a política norte-americana, ele havia ajudado Falwell a se desfazer de algumas “fotos pessoais”. Cohen era quem apagava os incêndios do presidente, o sujeito que havia se ocupado de abafar escândalos como o affaire com a atriz pornô Stormy Daniels para que não viessem à tona durante a campanha. Segundo Cohen, alguém estava chantageando Falwell e sua esposa, Becki, com fotos comprometedoras. “São terríveis”, disse Cohen ao seu interlocutor. Na conversa, ele diz que ficou com uma das fotos. O problema finalmente foi resolvido sozinho, afirmou.

Ninguém pôde estabelecer uma causalidade direta entre esses fatos. Só é possível colocar um ao lado do outro. Falwell tem um problema com supostas fotos comprometedoras. O advogado pessoal de Trump o ajuda a eliminá-las, mas conserva uma. Meses depois, Falwell deixa atônito o Partido Republicano apoiando na campanha presidencial o menos religioso de todos os candidatos. Cohen insinua em seu novo e explosivo livro de memórias que ambas as coisas estão relacionadas. Falwell nega categoricamente.

Os jornais investigaram essa história durante o verão de 2019 e encontraram um sujeito chamado Giancarlo Granda. Os Falwell o conheceram num hotel de Miami em 2012. Ele tinha 20 anos na época e trabalhava como limpador de piscinas. Os Falwell fizeram amizade com o jovem, viajaram com ele e o apresentaram a Trump. Também ofereceram ajuda financeira para que ele abrisse um albergue em Miami. O negócio deu errado, eles acabaram brigando – e daí viria a ameaça de utilizar certas fotos contra os Falwell. Mas o que havia nessas fotos?

A bomba chegou em 24 de agosto passado, quando Granda, numa entrevista à Reuters, revelou que se trata de fotos sexuais dele com Becki Falwell. Nas imagens, diz ele, Jerry Falwell Jr. participa olhando do canto do quarto. A relação durou anos, segundo o jovem. Granda também conservou mensagens de texto que provam o relacionamento. Os Falwell reconheceram o vínculo sexual, mas Jerry nega que tenha participado dos encontros sexuais de sua esposa com o amante.

O escândalo veio após a universidade ter obrigado Falwell a se afastar de forma permanente por ter postado no Instagram uma foto em que aparecia de braguilha aberta, mostrando a cueca, ao lado de uma mulher grávida. Ele diz que foi uma brincadeira. Naquele mesmo 24 de agosto, Falwell comunicou sua renúncia como presidente da universidade. Seus problemas não terminaram aí. A Universidade Liberty investiga aparentes negócios suspeitos e irregularidades em que Falwell teria misturado suas finanças pessoais com as da instituição para se enriquecer. O homem que abriu as portas da direita religiosa para Trump, e que estava disposto a brigar de novo por ele neste outono boreal, está fora de combate.

A última mensagem de texto de Granda a Falwell dizia: “Já que você não tem problema em arruinar minha vida, vou tomar a via kamikaze. É realmente uma pena, porque eu queria resolver isso pacificamente e seguir com nossas vidas. Mas se o que você quer é um conflito, que assim seja.” Em outra mensagem, Falwell respondeu: “Você já deveria saber que não vou ser chantageado. Sempre te tratei bem e me contive diante de suas ameaças porque não queria arruinar sua vida. De agora em diante, não volte a entrar em contato com minha família nem comigo.” Foi um erro de cálculo fatal.

Jerry Falwell Jr. É filho de Jerry Falwell (1933-2007), o pastor evangélico que foi uma das figuras-chave da ascensão de Ronald Reagan e do rearmamento ideológico do Partido Republicano no final dos anos setenta. Falwell era o evangelista mais conhecido da época quando fundou a Moral Majority, a organização através da qual a direita religiosa, que até então não havia saído das igrejas, converteu-se numa força inescapável da política norte-americana. O filho nunca foi pastor; dedicou-se apenas à gestão para fazer crescer o negócio montado por seu pai, com notável sucesso.

Falwell pai é também famoso por ter processado por injúria Larry Flynt, o “rei do pornô”, que publicou na revista Hustler uma coluna satírica dizendo que o reverendo havia dormido com sua mãe. A ação chegou à Corte Suprema. Em 1988, o tribunal decidiu a favor de Flynt, o que marcou um importante precedente para a liberdade de expressão nos EUA. Falwell e Flynt acabaram sendo amigos e dando entrevistas juntos. O magnata da pornografia inclusive escreveu um gentil obituário para o inquisidor quando este morreu.

Agora, Flynt parece desfrutar a queda do sobrenome Falwell ― e não perdeu a chance de ajustar as contas. Em 1 de setembro, num artigo intitulado Meu Último Adeus aos Falwell, ele acusou o filho de não ser um verdadeiro cristão, como seu pai, e sim de praticar “o evangelho da prosperidade, ou seja, o evangelho da avareza acima de todos os valores”. “No final, a repugnante hipocrisia acaba atingindo muitos deles”, escreveu Flynt, referindo-se aos televangelistas. “Se houvesse uma segunda vinda de Cristo, não tenho nenhuma dúvida de que sua prioridade seria segurar o chicote e desterrar para sempre todos os charlatães e falsos profetas que perverteram sua mensagem.”

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_