China promulga a lei de segurança para reprimir dissidência em Hong Kong
Estados Unidos anunciam suspensão das exportações ao território autônomo de material que possa ter uso militar
A direção da Assembleia Nacional Popular (o Parlamento chinês) promulgou nesta terça-feira a nova lei de Segurança Nacional para Hong Kong, depois de uma tramitação expressa, segundo noticiou a imprensa do território autônomo. A temida medida introduz as maiores mudanças no marco jurídico e no modo de vida desse centro financeiro internacional desde que a antiga colônia britânica retornou à soberania chinesa, em 1997, e seus críticos consideram que desfere um golpe mortal ao regime de liberdades que a China se comprometeu a garantir até 2047 no território autônomo.
Até o momento não foi divulgado o texto completo da lei, que castiga comportamentos “independentistas, terroristas e subversivos” e a “ingerência estrangeira”. Não se sabe que penas imporá, embora se tema que inclua a prisão perpétua. Também autoriza, pela primeira vez desde a devolução do enclave a Pequim, a operação dos serviços de segurança da China continental na antiga colônia britânica.
Sua aprovação põe a China em rota de colisão com os Estados Unidos, a União Europeia e o Reino Unido, muito críticos da medida. Washington tinha advertido que retiraria o status especial comercial conferido a Hong Kong, por considerar que a nova lei elimina o alto grau de autonomia do enclave decidido entre Pequim e Londres nas negociações de transferência da soberania. Imediatamente após saber da aprovação, o Governo de Donald Trump anunciou que deixará de exportar material de Defesa ou de uso duplo ―com possível finalidade civil ou militar― ao enclave. “Não podemos nos arriscar a que estes produtos caiam nas mãos do Exército chinês, cujo objetivo é manter a ditadura do Partido Comunista da China da maneira que for”, tuitou a porta-voz do Departamento de Estado, Morgan Ortagus. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, qualificou a decisão de “deplorável”, e a presidenta da Comissão (Poder Executivo da UE), Ursula von der Leyen, afirmou que o bloco estuda medidas de resposta com sócios internacionais. Em Tóquio, o Governo japonês qualificou a aprovação da lei como “extremamente lamentável”.
A norma entrará em vigor quando for publicada no boletim oficial de Hong Kong, algo que se espera que ocorra nas próximas horas, de modo que já esteja ativada nesta quarta-feira, 1º de julho, quando a transferência da soberania completa 23 anos. A polícia vetou, por razões de saúde pública devido à pandemia, a manifestação de protesto que ocorre anualmente nessa data. Mesmo assim, se prevê que aconteça algum tipo de concentração, que poderia se tornar a primeira pedra de toque da medida.
Entre as primeiras consequências da aprovação se encontra a saída do ativista e ex-líder estudantil Joshua Wong do comando do partido que ele fundou, o Demosisto. O próprio Wong, que tinha alertado que seria um “alvo preferencial” da nova lei, anunciou sua saída pelas redes sociais.
A legislação tramitou a uma velocidade insólita. Do anúncio de que seria proposta na sessão plenária anual da ANP, no mês passado, até sua promulgação transcorreram cerca de 40 dias. Durante o procedimento, poucos detalhes foram revelados, e inclusive dentro do Governo autônomo de Hong Kong poucos tiveram acesso ao rascunho. Em uma rápida entrevista coletiva em Hong Kong, a chefa do Governo autônomo, Carrie Lam, não quis responder às perguntas sobre a nova medida, sugerindo que “não seria apropriado” falar sobre o assunto enquanto a reunião legislativa continuava acontecendo em Pequim.
Com esta lei, a China procura impedir uma repetição dos protestos, às vezes violentos, que paralisaram o enclave no ano passado e só pararam devido ao alerta sanitário contra a pandemia do coronavírus. A medida também pode ter um impacto nas eleições legislativas de Hong Kong em setembro, quando pela primeira vez a oposição democrata dava sinais de poder conquistar a maioria no Parlamento local. A nova norma pode facilitar a cassação das candidaturas de alguns representantes da oposição.
A polêmica medida permitirá não só as operações dos serviços de segurança chineses em Hong Kong, que estabelecerão um escritório no território para “fiscalizar, guiar e apoiar” o Governo autônomo. Também lhes concederá jurisdição sobre “um número muito reduzido de delitos que ponham em perigo a segurança nacional em determinadas circunstâncias”, conforme tinha antecipado a agência Xinhua em um resumo na semana passada. A agência de notícias oficial não mencionou quais seriam essas circunstâncias.
A nova lei, que ficará inscrita em um anexo da Constituição local de Hong Kong e por isso prevalecerá sobre outras normas já existentes na antiga colônia, torna difusas as fronteiras no princípio da separação entre os poderes. A autoridade de nomear os juízes em processos relacionados à segurança nacional corresponderá à chefa do Governo autônomo, quando até agora as designações correspondiam ao Poder Judiciário.
A Lei Básica, uma miniconstitução de Hong Kong, prevê que o território autônomo desenvolva sua própria legislação de segurança nacional. Mas as manifestações de protesto contra uma primeira tentativa nesse sentido, em 2003, obrigaram a arquivar aquele projeto de lei.
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