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A revolta que caiu no esquecimento na Venezuela

Momento épico e decisivo esperado pela oposição deu lugar a uma nova rotina de precariedade agravada pelo coronavírus

Juan Guaidó e Leopoldo López no dia 30 de abril de 2019 em Caracas.
Juan Guaidó e Leopoldo López no dia 30 de abril de 2019 em Caracas.
Francesco Manetto

A história recente da Venezuela está a caminho de se transformar numa lista de datas em que a grave crise política e social de país é retratada como uma batalha de tudo ou nada. Para a oposição, tentativas frustradas de acabar com o regime. Para o Governo de Nicolás Maduro, cada uma delas se transforma em uma espécie de marco para a resistência chavista. Na madrugada de 30 de abril de 2019, Caracas amanheceu em meio a uma operação militar que pretendia provocar uma quebra das Forças Armadas e derrubar o sucessor de Hugo Chávez. O plano fracassou em poucas horas. E hoje, um ano depois, o caráter épico e decisivo daquele momento, conforme visto pelos dirigentes opositores, deixou lugar a uma nova rotina de precariedade agravada pela emergência do coronavírus.

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“Atenção. Situação irregular na Venezuela.” Com esta mensagem, divulgada no Twitter quando faltavam poucos minutos para as cinco da manhã, hora local, Alberto Ravell, porta-voz de Juan Guaidó, alertava que algo estava a ponto de acontecer. Essa “situação” seria acompanhada de uma imagem. O chefe do Poder Legislativo falava com as câmeras às portas da base militar de La Carlota. Estava escoltado por um reduzido grupo de militares e por Leopoldo López. O líder oposicionista acabava de ser liberado após passar três anos na cadeia e dois em prisão domiciliar. Aquela encenação, após meses de disputa entre Guaidó e Maduro, sugeria uma reviravolta iminente. Entretanto, tudo descambou para uma jornada de protestos e violência, e López buscou proteção na residência da Embaixada da Espanha.

Foram horas de vertigem e confusão. A oposição atribuiu o fracasso à traição dos dirigentes chavistas a par da operação. Segundo várias fontes, o próprio ministro da Defesa, Vladimir Padrino, e o presidente do Tribunal Supremo de Justiça, Maikel Moreno. O que ficou provado foi a participação do ex-diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), Christopher Figuera, que foi decisivo nas horas iniciais e depois fugiu, primeiro para a Colômbia e mais tarde para os Estados Unidos. Em todo caso, a sublevação contra Maduro não prosperou porque os comandos militares, que no ano passado sofreram uma série de deserções, mantiveram-se fiéis ao Governo.

Apesar disso, Guaidó continua insistindo hoje no mal-estar instalado nos quartéis, e tanto seu discurso como o da Administração de Donald Trump e do Governo colombiano, seus principais protetores, apontam para uma inevitável mudança de regime. “Hoje a Força Armada não é o monstro domesticado que a ditadura pretendeu e até alguns meses atrás acreditava ser”, manifestou nesta quinta-feira nas redes sociais. “Hoje as fraturas internas se agravam com a fome e a falta de gasolina. Hoje o medo persegue os usurpadores, porque já não confiam nem em sua sombra”, manteve.

As fileiras opositoras se negam a considerar um fracasso absoluto o que aconteceu em 30 de abril. Seu argumento é que foi um passo a mais que conseguiu abrir uma fissura no regime. Depois daqueles acontecimentos, houve uma tentativa de diálogo em Barbados, sob os auspícios da Noruega. Esse esforço também naufragou. Em janeiro passado, o chavismo se valeu de um setor da oposição para tratar de desalojar Guaidó da presidência da Assembleia Nacional, embora antes da eclosão da crise sanitária da Covid-19 tenham ocorrido contatos entre as partes que abriram as portas ao começo de um processo eleitoral.

O coronavírus contribuiu para aprofundar essa fissura, evidenciando o colapso do país. Os combustíveis praticamente se esgotaram nos postos da Venezuela, o sistema de saúde está gravemente deteriorado há anos, e a rigorosa quarentena ameaça condenar à miséria milhões de pessoas cuja escassa renda depende da economia informal. E o Governo terminou de quadrar o círculo pedindo ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), um organismo que o chavismo sempre havia rechaçado, e nesta semana se dirigiu às Nações Unidas para solicitar que interceda para desbloquear os recursos congelados no exterior. Por exemplo, o ouro depositado no Banco da Inglaterra.

Contudo, Maduro continua mantendo o controle das engrenagens do Estado, embora Guaidó ainda seja reconhecido como presidente interino por mais de 50 países. “Há um ano, o povo mobilizado com sua têmpera e grande nível de consciência, junto à FANB [Força Armada Nacional Bolivariana], derrotou a escaramuça golpista que pretendeu encher o país de violência. A ultradireita fracassou e fracassará sempre em seus intentos de submeter a pátria aos interesses imperiais”, afirmou. E Diosdado Cabello, número dois do chavismo, chegou a mobilizar um grupo de militares e um tanque para protagonizar uma paródia da sublevação no mesmo cenário. Enquanto isso, a ruptura das forças armadas é ainda hoje a principal aposta da oposição para forçar uma mudança na Venezuela.

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