_
_
_
_
_

A novela por trás da saga Bond: um negócio familiar de brócolis, espiões e milhões

Barbara Broccoli e seu irmão Michael Wilson, que dividem os direitos de 007 com a Amazon, depois que esta comprou a MGM, querem continuar a manter o controle criativo da única grande franquia de Hollywood que sempre foi assunto de um único sobrenome (e não é Bond)

O produtor Albert Broccoli (1909 - 1996) posa com sua mulher Dana e as filhas Tina (à esquerda) e Barbara na sala de sua casa, em 1967.
O produtor Albert Broccoli (1909 - 1996) posa com sua mulher Dana e as filhas Tina (à esquerda) e Barbara na sala de sua casa, em 1967.Evening Standard (Getty Images)
Mais informações
La cantante brasileña Anitta.
Anitta, a superestrela imprevisível: “Não ter filtro sempre me trouxe problemas”
Omar Sy, protagonista de la serie 'Lupin', lleva chaqueta Berluti, camiseta Ami Paris y pantalones Prada. Y, cosa rara en él, no sonríe.
Omar Sy: “Os anos passam, mas o racismo permanece”
Chuck Norris fotografado em 1985 com uma camiseta de um de seus filmes mais populares, ‘Invasão U.S.A.’
Chuck Norris, o herói que derrotou tudo enfrenta sua última batalha por amor

James Bond está de mudança, mas continuará a receber ordens dos mesmos chefes. A compra da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) pela Amazon abarca a aquisição de 50% da mãe de todas as grandes franquias de Hollywood: depois de quase 60 anos se valendo de sua licença para matar e bebendo dry martínis, 007 continua tão vigoroso e bem-cotado como sempre. Mas Bond não será o Star Wars da Amazon. A empresa de Jeff Bezos poderá finalmente incorporar os antigos filmes da saga à sua oferta de streaming, até agora só disponíveis para aluguel ou compra no Google Play ou Apple TV. Claro, é mais difícil conseguir multiplicar os pães e os peixes à base de produtos derivados, como faz a Disney com o clã Skywalker. O empecilho tem um nome: chama-se Broccoli, Barbara Broccoli.

Bond é um negócio familiar há seis décadas, e a segunda geração, integrada por Barbara Broccoli (Los Angeles, 60 anos) e seu irmão por parte de mãe, Michael G. Wilson (Nova York, 79 anos), não renuncia à última palavra em tudo o que se refere a 007: do casting e a composição de seus coquetéis à menos conhecida linha do roteiro. E seu plano permanece inalterável: dosar os novos filmes como antes e continuar a estreá-los nos cinemas. Eles sublinharam isso em um comunicado assim que a compra foi divulgada: “Nosso compromisso é continuar a fazer filmes de James Bond para o público de cinema de todo o mundo”. Isso vale para 007 - Sem tempo para morrer, que estreia em 1º de outubro após alguns atrasos decorrentes da pandemia de covid-19, e para aqueles que virão.

Após o acordo, John Logan, um dos roteiristas de 007 — Operação Skyfall (2012) e 007 Contra Spectre (2015), argumentou no The New York Times que o sucesso de Bond se baseia justamente nesse cuidado com que Broccoli e Wilson têm com cada detalhe e alertou para os riscos do abraço de Bezos: “O que acontece se uma corporação tão agressiva como a Amazon começar a exigir ter voz no processo? O que acontecerá com a camaradagem e o controle de qualidade se houver um chefe supremo amazônico que, com o gerenciamento de dados, controla todas as decisões? O que acontece quando um grupo de debate informa que não gosta de ver Bond bebendo martínis? Ou que mate tanta gente?”. O duelo seria digno de se ver. Os Broccolis não só nunca cederam o controle criativo, como também, do mesmo jeito que o seu herói, sempre se deram bem. Questão de perseverança. E de dinheiro.

Barbara Broccoli e Michael G. Wilson na estreia em Londres de '007 - Cassino Royale' em 2006. / DAVE HOGAN / GETTY IMAGES
Barbara Broccoli e Michael G. Wilson na estreia em Londres de '007 - Cassino Royale' em 2006. / DAVE HOGAN / GETTY IMAGESDave Hogan (Getty Images)

Dos brócolis às sagas milionárias

À família se atribui o cruzamento entre a couve-flor e os grelos (parte das flores de couves e nabos), do qual surgiu o vegetal que leva seu nome, os brócolis, e sua introdução nos Estados Unidos. Filho de um casal de agricultores sicilianos que emigrou da Calábria para o Queens (Nova York) —supostamente levando consigo o produto tão precioso—, Albert R. Broccoli se associou em 1960 ao canadense Harry Saltzman e adquiriu os direitos da personagem. Em 1975, a United Artists Company (UA) ficou com os 50% da Saltzman. Essa é a parte que vem mudando de mãos: primeiro foi para a MGM quando esta absorveu a UA e, agora, para a Amazon.

Broccoli, por sua vez, sempre conservou a sua, que era só para o seu bolso: nunca quis dividi-la. Em 1985, Sean Connery, o primeiro Bond do cinema, reivindicou 225 milhões de dólares (1,18 bilhão de reais) na Justiça, de acordo com o relato de Robert Sellers na biografia do ator. O assunto foi encerrado com um acordo extrajudicial de conteúdo ultrassecreto. E se nunca houve um diretor de renome na folha de pagamento dos realizadores bondianos antes do Sam Mendes de 007 – Operação Skyfall e 007 Contra Spectre, foi em grande parte pela recusa do produtor em permitir que qualquer diretor ficasse com uma parte dos lucros. Em suas memórias, My World is my Bond, Roger Moore, 007 nos anos 70, explica que Steven Spielberg, depois de dirigir Tubarão e Contatos Imediatos do Terceiro Grau, disse a ele que adoraria fazer um filme de Bond. Moore, entusiasmado, contou a Broccoli. “Você sabe que porcentual ele iria querer?”, ele perguntou, cutucando. E nunca aconteceu.


O produtor Albert Broccoli posa com o cartaz de ' Moonraker’ (007 – Contra o foguete da Morte), na Califórnia, em 1979. / TOM NEBBIA / GETTY IMAGES
O produtor Albert Broccoli posa com o cartaz de ' Moonraker’ (007 – Contra o foguete da Morte), na Califórnia, em 1979. / TOM NEBBIA / GETTY IMAGES tom nebbia (Getty Images)

Para Barbara Broccoli, 007 é a sua vida. Em 1962, quando tinha um ano e meio, já estava no set de 007 contra o satânico Dr. No, e até os seis ou sete anos acreditava que Bond era uma pessoa de verdade, como contou ao The New York Times. Aos 17, foi assistente de publicidade em 007 – O espião que me amava (1977). Desde então, ela e o irmão trabalharam em todos os filmes, embora só tenham tomado as rédeas a partir de 007 contra Goldeneye (1995), lançado meses antes da morte do patriarca. Depois disso, seu enteado e filha, aparentemente uma negociadora habilidosa, já venceram as duas batalhas que ele não conseguiu ganhar.

A primeira batalha foi pelos direitos do primeiro romance, Cassino Royale, que Broccoli e Salzman não puderam adquirir porque Gregory Ratoff já tinha feito isso por 6.000 dólares (31.200 reais) em 1955. A partir daí, Charles K. Feldman perpetrou em 1967 uma paródia confusa da saga (nesse Cassino Royale Peter Sellers deu vida a Bond). O fracasso foi retumbante e os direitos ficaram em uma gaveta da produtora Columbia.

A segunda batalha foi mais agitada, bagunçada até. Para seu romance Operação Relâmpago, Fleming reciclou um roteiro nunca filmado —por razões orçamentárias—, no qual ele havia trabalhado antes de seu acordo com Broccoli e Saltzman. Mas os tribunais concederam ao roteirista Kevin McClory direitos sobre a história e alguns elementos dela, como a organização Spectra e a personagem de seu líder, Ernst Stavro Blofeld, o arqui-inimigo de Bond. McClory chegou a um acordo para participar, em 1965, como roteirista e produtor da adaptação do romance, e conseguiu que a partir de 1971 Blofeld e Spectra deixassem de aparecer nos filmes. Em 1983, McClory produziu uma nova versão de 007 – Operação Relâmpago, o filme 007 - Nunca mais outra vez, à margem da série oficial (voltava Sean Connery como um Bond maduro, embora Roger Moore já tivesse sido a estrela da saga em seis produções, e até o próprio título é um aceno para a recusa do ator em se colocar de novo na pele do agente secreto). E em meados dos anos 90 tentou iniciar uma saga paralela com a Sony, que havia adquirido a Columbia, e com ela Cassino Royale.

Roger Moore e Albert Broccoli na cerimônia do Oscar de 1981. / COLEÇÃO RON GALELLA / RON GALELLA VIA GETTY
Roger Moore e Albert Broccoli na cerimônia do Oscar de 1981. / COLEÇÃO RON GALELLA / RON GALELLA VIA GETTY Ron Galella (Ron Galella Collection via Getty)

Essa tentativa naufragou em 1999, quando os Broccolis e a MGM recuperaram os direitos do romance inicial graças a um acordo. O livro seria a base para Cassino Royale (2006), um brilhante reinício da saga com Daniel Craig expondo a versão mais sombria da personagem vista na tela. E em 2013, sete anos depois da morte de McClory, seus herdeiros fecharam outro acordo extrajudicial de conteúdo sigiloso que punha fim a um litígio de meio século e pelo qual a MGM e os Broccolis recuperavam Blofeld, que voltaria a desafiar Bond em 007 – Contra Spectre.

Esse não é o último embate vencido pelos novos sócios da família que tem em 007 seu diamante para a eternidade e que agora vão lidar com Bezos. Quando, depois de estrelar o quarto filme, Craig chegou a afirmar que preferiria cortar os pulsos a se repetir como Bond, Bárbara só respondeu que não tinha a intenção de deixá-lo partir. E o ator voltou ao serviço de suas majestades os Broccolis, é claro. Há famílias em que o dinheiro sempre é suficiente.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.

Registre-se grátis para continuar lendo

Obrigado por ler o EL PAÍS
Ou assine para ler de forma ilimitada

_

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_