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Escalada eleitoreira de Bolsonaro balança Guedes no cargo e ameaça implodir a economia brasileira

Ministro da Economia nega que tenha pedido demissão e diz que licença para furar o teto “não altera os fundamentos fiscais da economia”, mas não convenceu o mercado financeiro

Jair Bolsonaro ao lado de Paulo Guedes durante entrevista coletiva nesta sexta-feira.
Jair Bolsonaro ao lado de Paulo Guedes durante entrevista coletiva nesta sexta-feira.EVARISTO SA (AFP)

As palavras de Paulo Guedes já não trazem mais alento aos seus antigos companheiros do mercado financeiro. O ministro da Economia enfrenta a pressão de seus pares após o Governo anunciar que vai furar o teto de gastos para financiar o novo programa Auxílio Brasil e ajudar caminhoneiros diante da alta dos combustíveis. Desta vez, o mercado não parece disposto a perdoar a quebra do pacto de apoio firmado com Bolsonaro ainda no período pré-eleitoral, no qual o então candidato se comprometia a não mexer na regra que limita as despesas públicas à inflação do ano anterior. Um divórcio lento e penoso para o país foi posto em curso, e, não por acaso, logo antes de um novo ano eleitoral.

Em mais um dia nervoso, a Bolsa de Valores de São Paulo conseguiu reverter perdas maiores e fechou em queda de 1,34%, a 106.296 pontos. Esse é o pior resultado desde 20 de novembro de 2020, quando o pregão chegou a 106.042 pontos. O dólar, que chegou a disparar para 5,71 reais no decorrer do dia, recuou 0,65%, sendo vendido a 5,55 reais. Nos bastidores do mercado financeiro, analistas afirmam que, a partir de agora, o Brasil “virou cassino”, com todos apostando contra o país. “A especulação começará a testar os novos patamares de preço da Bolsa”, afirmou um operador do mercado, que preferiu não se identificar. O momento é de ganhar dinheiro apostando contra o real e pressionando para acelerar as privatizações. “Afinal, é bom comprar ativos na baixa. 2022 será o ano do fim de feira e preços de xepa”, disse. Não há consenso quanto a permanência de Guedes à frente da Economia. Para alguns, sem ele pode ser bem pior, mas houve quem tomasse um vinho para celebrar antecipadamente sua saída.

Trata-se de uma reação forte daqueles que utilizam o teto como bússola de futuro, num ambiente de forte incerteza política. “Sem o teto de gastos o mercado fica sem ter parâmetro”, afirma Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos. Segundo ele, o grande choque não foi descobrir que o Congresso não tem pudor de mexer na regra fiscal, mas sim que não há defesa no Ministério da Economia. A análise corrobora a impressão daqueles que enxergam no presidente mais interesse em se reeleger do que em manter alguma estabilidade econômica no país. “A aldeia gaulesa que funcionava ali pediu as contas”, afirma o economista, em referência aos quatro membros da equipe de Guedes que deixaram o Governo após perder a batalha pelo teto.

O próprio Guedes teve de vir a público desmentir os rumores de que teria pedido demissão. E aproveitou para defender “um ajuste fiscal menos intenso”. “Não vamos deixar milhões de pessoas passarem fome para tirar 10 em política fiscal”, disse o ministro em entrevista coletiva, acompanhado do presidente Jair Bolsonaro, que declarou ter confiança absoluta de que o Guedes não fará “nenhuma aventura” na economia. Guedes amenizou o que chamou de uma “aparente briga” entre a ala política do Governo ―que defendia ampliar os recursos aos mais vulneráveis para 600 reais―, e a ala econômica ―que queria a manutenção do teto de gastos e, por isso, só via possível pagar 300 reais.

A palavra final teria sido de Bolsonaro, que defendeu um meio termo: os 400 reais que devem ser pagos aos beneficiários do novo Auxílio Brasil, programa que vai substituir o Bolsa Família, lançado pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva há 18 anos. Guedes reforçou que desde o início da campanha já havia o plano da implementação de um programa de renda básica. A origem dos recursos seria a reforma do imposto de renda, hoje parada no Senado. O ministro reconheceu que “teve muito barulho”, fruto de uma falta de comunicação do Governo. Mas garantiu que as medidas anunciadas nesta quinta-feira não vão ferir a responsabilidade fiscal. “Do ponto de vista fiscal, não altera os fundamentos fiscais da economia brasileira. Os fundamentos são sólidos”, garantiu.

Linhas tortas

O economista Luciano Sobral ressalta que o problema não é a ampliação do novo auxílio emergencial, que ele considera necessário em um país extremamente desigual, mas a forma como ela está sendo feita. “Em nenhum momento se rediscute a redistribuição de renda. O mercado financeiro aplaudiria se o dinheiro viesse da reforma tributária, taxando os dividendos, por exemplo. O problema é que o Governo vai se endividar mais para isso.”

A preocupação é que não se sabe realmente de quanto a mais será esse gasto. Uma comissão especial da Câmara aprovou nesta quinta-feira a regra da correção do teto de gastos embutida na PEC dos Precatórios, apresentada para determinar um limite para as despesas com as dívidas da União reconhecidas pela Justiça. Caso os deputados e senadores aprovem essa proposta, estarão liberados mais cerca de 84 bilhões de reais além do teto estabelecido para despesas em 2022. E a expectativa é de que esse valor fique ainda maior, pois a medida deve ganhar emendas parlamentares no caminho rumo à aprovação. “Onde passa 80 bilhões, pode passar bem mais. Precisamos ter um freio, que seria o ministro da Economia. Mas sabemos que Guedes não vai fazer esse papel”, diz Sobral.

André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, concorda. “Tanto faz se será um real ou 1 trilhão acima do teto, o problema é que, sem o teto de gastos, não temos nada para regular essa dinâmica. Parte do gasto de auxílio vai ser determinado pelos parlamentares e não sabemos o que vai ser o montante total”, argumenta. O economista se recusa a acreditar que o plano de distribuir 400 reais seja simplesmente populismo de Bolsonaro. “Estamos falando de pessoas que estão revirando o lixo atrás de comida, comendo restos de ossos”, ressalta. Ele explica que o problema não é o dinheiro, mas a falta de planejamento para poder dar apoio aos mais vulneráveis. A reforma tributária do imposto de renda, que promete aumentar a arrecadação, seria uma solução. “A reforma foi anunciada com destaque, enfrentou críticas, foi aprovada na Câmara e, quando chega no Senado, morre. Bolsonaro está vendo que a situação da população está muito ruim, mas ele precisa tomar uma atitude política, que vem com um ônus. E ele não quer ter esse ônus”, diz Perfeito.

O economista lembra que o teto de gastos foi uma medida emergencial num momento em que o país estava traumatizado após o impeachment de Dilma Rousseff, mas nunca foi uma medida adequada, porque traz muita “rigidez para as contas públicas”. Agora, a forma como o teto de gastos está sendo abandonado, sem discussão, incomoda até críticos mais ferrenhos do Governo. “Guedes criou o teto de gastos endógeno. Quando os gastos batem no teto e o Governo quer gastar mais, eleva-se a altura do teto. É bestial! Se eu soubesse que ia ser assim não teria perdido tanto tempo criticando o teto de gastos”, disse o economista José Luis Oreiro. Ele defende como alternativa ao limite de endividamento a utilização do “resultado primário ajustado pelos ciclos econômicos”. “Essa metodologia foi desenvolvida pela Secretaria de Política Econômica em 2015, na gestão do economista Manuel Pires, e é usada pela União Europeia, Alemanha, Espanha e outros. Essa é a maneira civilizada e moderna de se fazer política fiscal, ao contrário desse teto fiscal anacrônico que só existe no Brasil”, disse.

Frederico Mazzuchelli, economista e ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, diz que o problema é justamente o teto de gastos. “Tem sentindo, em um país como o Brasil, manter os gastos com saúde e educação constantes? Não tem sentido. Não fosse o auxilio emergencial teria ainda mais gente morrendo”, diz. “Mas aí eles colocam no meio disso tudo o perigo da dívida pública. A dívida pública pode crescer e não causar problema nenhum, em moeda soberana.”

Para Mazzuchelli, o furo no teto já era esperado. “Desde o início sabemos que o teto não vai aguentar, ainda mais com a pandemia”, diz. “O problema não é o teto, mas a regra fiscal, que é inadequada. Rico paga menos imposto que pobre.” Por isso, o economista afirma que a estratégia deve ser outra. “É preciso haver uma uma regra inteligente e justa, separar despesa corrente do que é investimento e melhorar a tributação. O mercado enfiou isso na cabeça de todo mundo, dizendo que o teto é sagrado.”

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