OCDE melhora previsões e estima futuro econômico menos sombrio, mas ainda muito frágil
Organismo acredita que a economia global voltará no final de 2021 ao nível pré-pandemia, mas alerta que a recuperação será muito irregular. Brasil fechará este ano com retração de 6%
Se há seis meses tudo ia de mal a pior por causa da pandemia, hoje o mundo continua mergulhado na maior crise desde o final da Segunda Guerra Mundial, mas o panorama é um pouco menos sombrio, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, que reúne economias avançadas). A promessa de que em breve haverá vacina e a eficácia das políticas de contenção da crise por parte de muitos Governos, sobretudo em matéria de preservação de empresas e empregos, levam a crer que a economia global poderá, no final de 2021, voltar a pelo menos onde estava naquele 2019 pré-pandêmico e que ainda parece tão longínquo. Mas é uma esperança frágil e, sobretudo, desigual, conforme adverte o organismo em seu novo relatório de perspectivas econômicas, apresentado nesta terça-feira em sua sede em Paris.
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“A suposição de que será possível conter novos surtos do vírus e a perspectiva de uma vacina amplamente acessível até o final de 2021 reforça a confiança de que nos próximos dois anos se deveria obter uma recuperação gradual, mas desigual”, aponta a OCDE.
Segundo suas previsões, a economia mundial acabará este 2020 com uma contração de 4,2%, que no ano que vem se transformará em um robusto 4,2%, só que positivo. A tendência já era vislumbrada em setembro, mas o contraste com as perspectivas do último relatório global, de junho, são abismais. Naquele momento, quando os primeiros países ainda acabavam de superar a onda inicial da pandemia, a OCDE alertava para uma recessão mundial de 6% neste ano, podendo chegar a 7,6% no pior cenário, com uma segunda onda. Esta aconteceu, mas não se cumpriram as sombrias expectativas, e a OCDE agora se atreve inclusive a pôr a palavra “esperança” no título do seu novo relatório: Coronavírus: transformar a esperança em realidade.
“O pior foi evitado, a maior parte do tecido econômico foi preservada e poderá ser rapidamente reavivada”, comemora a economista-chefa do organismo, Laurence Boone. Mas ainda não é hora de cantar vitória. “A situação continua sendo precária para muitas pessoas vulneráveis, empresas e países”, alerta. As cifras corroboram essa advertência sóbria em um momento em que tudo, especialmente a confiança, continua sendo muito “frágil”.
De acordo com as últimas estimativas, o Brasil terá uma retração de 6% neste ano, previsão um pouco melhor do que a queda de 7,4% prevista em junho. Para 2021, o organismo estima um crescimento de 2,6%. A zona do euro registrará retração de 7,5% neste ano, uma variação mínima em relação à queda de 7,9% calculada em setembro, mas significativamente melhor que em junho, quando se previa uma queda de até 11,5%. Em 2021, os países do euro crescerão 3,6% em seu conjunto, uma cifra que passará para a casa dos 3,3% em 2022. Todos os grandes motores europeus despencarão neste ano —queda de 5,5% na Alemanha; 9,1% na França e Itália—, mas devem voltar ao caminho da recuperação contundente em 2021, sobretudo a França, para a qual se prevê uma recuperação de até 6%. Mas um sinal dessas desigualdades que a OCDE antevê —e que não são apenas hemisféricas ou entre países desenvolvidos e pobres— é que a Espanha sofrerá neste ano uma queda de 11,6%, só equiparável na zona europeia aos 11,2% do Reino Unido. Esses dois países, entretanto, também devem retomar o caminho do crescimento em 2021.
O aluno prodígio novamente é a China, que, com 1,8%, é a única grande economia que não terminará este ano no vermelho e que em 2021 obterá assombrosos 8% de crescimento, conseguindo assim, nos dois anos nos quais em princípio terá em princípio dominado a pandemia, quase 10% de crescimento —muito à frente de outros países que podem no máximo aspirar a retornar aos níveis de 2019. De fato, a OCDE acredita que muitos dos países continuarão em 2022 registrando um crescimento 5% menor que antes da crise.
Os Estados Unidos, por sua vez, devem terminar este ano com uma contração de 3,7%, passando a uma expansão de 3,2% em 2021. A maior potência mundial viverá uma mudança política em 2021 com a chegada do democrata Joe Biden à Casa Branca, o que poderia afetar profundamente a economia mundial. Sem mencioná-lo explicitamente, a OCDE alertou de forma insistente durante os anos de Donald Trump para o dano causado por suas medidas protecionistas e pelas tensões comerciais, estratégias que se espera que o presidente eleito reverta.
Cuidado com as cicatrizes
Mas que a economia comece a fechar feridas não significa que elas não deixarão cicatrizes. E, se não houver cuidado, estas podem ficar para sempre. “As políticas de saúde eficazes e bem financiadas (o que implica não só reação a pandemias, mas garantir uma saúde preventiva e acessível a todos) e as medidas macroeconômicas e estruturais de apoio flexíveis são essenciais para conter o vírus e minimizar o potencial custo de longo prazo da pandemia nos níveis de vida”, salienta a OCDE. Sobretudo é crucial não retirar muito cedo os instrumentos de ajuda estabelecidos pelos Governos, “como se fez depois da crise financeira global” de 2012.
Assim, aconselha a OCDE, é necessário “manter a política monetária acomodatícia” e as medidas fiscais “enquanto as medidas de contenção [do vírus] limitarem a atividade econômica”, para que se possam “manter vivos setores, empresas e os empregos relacionados”. Mas, ao mesmo tempo, os Governos devem fazer uma cuidadosa análise para que as enormes dívidas contraídas não redundem em políticas fracassadas. Neste sentido, Boone estabelece três prioridades no gasto público: investir em educação —sendo os jovens a chave do futuro, mas também os mais afetados pela crise—, em saúde e em infraestruturas físicas e digitais; empreender “ações decisivas” para reverter um aumento duradouro das taxas de pobreza e desigualdade de renda; e, finalmente, promover a cooperação internacional. Porque o “protecionismo e o fechamento de fronteiras não são a resposta” à primeira crise global completa desde a Segunda Guerra Mundial, salienta a economista-chefa. E será preciso fixar um objetivo claro, conclui. “O mundo deve evitar que a crise sanitária e econômica se transforme também em uma crise financeira.”
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